Maestro Soberano

A voz do Luiz Paulo mudou minha vida. Explico: lá atrás, ao chegar ao curso de Arte Dramática, não tinha expectativa nenhuma quanto ao meu futuro artístico. Entrei para não ficar parado um ano, porque originalmente não era o meu curso preferencial. Vencida a surpresa da minha classificação inesperada, resolvi encarar o desconhecido. E quem deu a aula de boas-vindas para aquele pequeno grupo de calouros, foi justamente ele: Luiz Paulo Vasconcellos.

Quando abriu a boca, minha cabeça se partiu. Não é exagero nem figura de retórica. Aconteceu. Sua voz grave, seu sotaque inconfundível, como que inauguraram, instantaneamente, um novo momento na minha vida, um novo futuro profissional. Meu destino estava selado. Desde aquela primeira aula, tinha certeza de que minha vida mudaria. Como, de fato, mudou. Muito. Desde aquele encontro inaugural, no teatrinho da Salgado Filho, ele fez parte fundamental da minha vida. Um desses encontros que transfiguram e transformam.

Devo ao Luiz Paulo todos os agradecimentos e homenagens.

Um carioca gaúcho que influenciou gerações de alunos e profissionais do teatro, um mestre, um maestro. Sua erudição não constrange, sua sabedoria não humilha, sua percepção de mundo é arguta e cortante. Foi o melhor professor que tive na vida. Tratava a todos nós, seus alunos, como iguais, com paciência e generosidade. Mesmo aqueles que, como eu, não estavam devidamente preparados para o exercício do ofício. Sempre contamos com sua presença, seu aconselhamento, suas considerações.

Curso concluído,  nunca deixou de exercer essa função de guia, de professor, de mestre. Mas nunca me oprimiu e nunca foi condescendente. Também me ensinou a trilhar meu próprio caminho, a assinar meus próprios erros, a ter crença e perseverança com minhas escolhas. Viramos amigos de verdade, parceiros de palco.

Com a carreira de diretor teatral já consolidada, comecei a chamá-lo para meus elencos e ele, com generosidade ímpar, aceitou e arrasou. Luiz Paulo se revelou um dos maiores atores brasileiros de sua geração.  Uma das que marcam nossa parceria é o professor de “Almoço na Casa do Sr. Ludwig”, do austríaco Thomas Bernhard. Uma interpretação inesquecível que rendeu elogios da crítica brasileira, num tempo em que conseguíamos planejar temporadas nacionais, coisa rara hoje em dia. Muitos outros trabalhos vêm à memória: o “Hamleto”, de Giovanni Testore; “O Animal Agonizante”, de Philip Roth; “Heldenplatz”....enfim, essa parceria é um dos orgulhos da minha história teatral.

Durante todos esses anos, aprendi a conhecer o tempo dele, suas manias e obsessões, seu humor ferino seu processo de criação, suas tiradas, sua comida deliciosa. Jantar na casa de Luiz Paulo e Sandra, aliás, é sempre uma festa. Ele, exímio cozinheiro. Ela, atriz maravilhosa,   é doceira de mão cheia. Um sempre ao lado do outro, completando-se e complementando-se reciprocamente.

Quando me dei conta de que ele estaria completando 80 voltas ao redor do Sol, não quis deixar passar em branco  esse aniversário redondo, um marco para todos nós. Porque hoje, além de emblemático, ele é o nome mais importante da história do teatro gaúcho. Seu trabalho, formando alunos e profissionais de teatro, influenciou dezenas de nomes que marcam nossa cena contemporânea.

Aos 80 anos, Luiz Paulo está vivo, lúcido e colaborativo.

 Fomos ao palco do Theatro São Pedro para cantar o devido “parabéns a você” quando ele fez aniversário. E, junto com Letícia Vieira e Flávio Wild, trabalhamos quase um ano para eternizar a história desse homem extraordinário, em uma foto-biografia à altura de seu trabalho. Estaremos novamente no São Pedro, agora no foyer nobre, dia 22, a partir das 17 horas, para fazer o lançamento de “Luiz Paulo Vasconcellos, Maestro Soberano”, com direito a conversa ao vivo com ele. Esse livro, de edição belíssima, contou, desde o início, com a participação dos já citados Letícia e Flávio, mas não só. Sandra Dani nos deu guarida e acesso ao seu incrível material bibliográfico. Facilitou nosso trabalho ao máximo. A parceria com Gilberto Schwartsmann, esse gigante da vida cultural porto-alegrense, foi essencial para o belo resultado obtido. A presença da Fundação do Theatro São Pedro, através do Antonio Hohlfeldt, que abriu as portas do nosso mais belo teatro para as homenagens definidas, todos os que escreveram depoimentos para o livro ( e são muitos, quase quarenta pessoas), a Nanni Rios, que colocou sua Baleia como parceira para a pré-venda da edição.

Tudo foi pensado e executado para que essa homenagem estivesse à altura desse incrível homem de teatro, tudo registrado no livro, expandido e multiplicado nos corações e mentes de ex-alunos, amigos, parentes e parceiros de vida e ribalta que colaboraram para o resultado.

Obrigado, Luiz Paulo, por esse legado de sabedoria e rigor, marcado sempre por um amor incondicional ao teatro. Você é o nosso Maestro Soberano. Sorte a nossa!

* Diretor teatral, ex-secretário de Cultura de Porto Alegre e Canoas. Coordenador do Porto Alegre em Cena até 2016.