Os velhos também amam

Os velhos também amam

Nina Furtado, médica, psiquiatra e psicanalista, mestre e doutora em Comunicação Social; e Luiz Carlos Osório, médico, psiquiatra e psicoterapeuta de casais e famílias; destacam em artigo o amor na velhice, objeto do livro de crônicas de autoria deles

Correio do Povo

Livro "Os Velhos Também Amam", de Nina Furtado e Luiz Carlos Osório, foi publicado pela Editora Bestiário

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Os velhos precisam de amor? Sim, como as crianças, os adultos, adolescentes. Os velhos precisam de carinho, atenção, cuidados? Sim, como todo mundo. Os velhos possuem sexualidade, sim, como todo ser humano. Então porque temos que falar da afetividade na velhice? Por variadas e complexas razões. Para começar, a velhice é vista de forma diferente nas culturas dos povos. Vamos focar aqui na nossa realidade brasileira, onde se diz com frequência que o Brasil não está preparado para os velhos, na sua arquitetura urbana, nos atendimentos de saúde e lazer, só para destacar alguns aspectos.

Queremos falar porque amor e sexualidade não são considerados assuntos que dizem respeito também aos velhos. Alguns estudos sobre velhice já falam da dificuldade de definir quando uma pessoa é velha. Há uma incrível variabilidade e não há um ponto biológico claro que marque o final da meia idade para o final da vida. O envelhecimento é influenciado pela cultura e, no mundo ocidental, a juventude é valorizada. A discriminação pela idade não considera as aptidões e conhecimento do velho. O envelhecimento é um processo contínuo e envelhecemos de forma diferente. O enfrentamento com a deterioração física que a velhice, inevitavelmente, traz acarreta sofrimentos que são próprios a essa faixa etária. E aí os gêneros discrepam: as mulheres padecendo pelas exigências de permanecerem jovens e esbeltas e os homens sofrendo pela disfunção erétil, que comparece em 90% após os 80 e costuma ser irreversível.

Percebe-se que a desvalorização do velho envolve a própria autoestima quando o envelhecimento é visto como uma sequência de perdas: da saúde, da beleza, das capacidades cognitivas e da sexualidade. O próprio velho se desvaloriza, sente-se mais incapaz do que é, abre mão de atividades de lazer como dançar, praticar esportes, ler e assistir espetáculos. O velho se discrimina, se critica e ridiculariza. Não é raro encontrarmos velhos com mulheres mais jovens onde sempre será dito que não é amor que os une e, sim, o dinheiro. Existe a roupa para velhos e velhas, sapatos, cor de cabelo, música para velho e comida de velho. Pergunta-se: quem estabelece tudo isto?

Afetividade e sexualidade

A sexualidade existe por toda vida. A troca de amor e carinho também. As formas, são as mais variadas. Particulares. Além do que sexualidade é uma das áreas onde as pessoas costumam mais mentir, especialmente os adultos jovens. Tanto as mulheres como os homens contam façanhas que são fantasias. Os velhos saudáveis podem ter uma vida sexual repleta de prazeres e carinhos, muitas vezes com mais intimidade e prazer. A capacidade de adaptação na velhice, como em toda vida, é importante para manutenção do prazer e da alegria. Vivemos em permanentes mudanças de papéis no grupo social a que pertencemos. Os velhos podem deixar um posto de comando, mas ter muito a acrescentar com sua experiência. Podem ensinar, contar histórias, trabalhar e criar.

A velhice desgostada, ao retrair suas mãos cheias de dons, torna-se uma ferida no grupo social. A tristeza e a depressão são frequentes nos velhos. Em torno de 13%, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS). As razões são as mais variadas: não produzir mais, sem ocupação, solidão, falta de carinho e atenção.

Os contatos sociais são fundamentais para a manutenção da autoestima e trocas afetivas. Uma coleção de amizades é das coisas mais sábias que podemos fazer ao longo da vida. Quando a finitude nos acena com sua chegada, os amigos se vão aos poucos e vamos ficando com a amarga sensação de que podemos ser os últimos. Daí a importância de não interrompermos nunca a coleção, adicionando-lhe novos exemplares com os mais jovens com os quais estabelecemos laços de amizade.

Como sabemos, temos que viver até o dia da nossa morte e não morrer antes. Outro aspecto que pode ser fonte de prazer na velhice é a busca da cultura, desde leituras até escrever, música para ouvir e tocar, grupos de teatro e dança como o aprendizado de trabalhos diversos com as mãos e o gosto. Reconhecer-se velho é uma questão de troca de prazeres. Não criar rugas na alma. Envelhecemos com a bagagem que temos. Quem nunca teve bom humor, não terá na velhice. Quem não alimentou outros interesses além do trabalho, não fará isto depois de velho. Quem não cultivou amigos, terá dificuldade de fazê-los na velhice.

Quem soube ouvir sem julgar poderá ter jovens por perto. O velho cheio de mágoas e queixas não terá a família junto.

É importante estarmos atentos ao envelhecimento para podermos, de alguma forma, nos prepararmos. Fazendo planos de vida a velhice pode ser uma etapa de conquistas e momentos felizes. E, por último, a sempre temida proximidade com a morte. Qual a saída? Não pensar nela. Pensar na vida, fazer planos e ter alegria. Um velho alegre é muito amado!

E como é o amor na velhice? É preciso um lastro prévio de sólida amizade e afinidades testadas.

“Amor na velhice não rima com paixão. Companheirismo é seu ingrediente básico. E há que se respeitar as individualidades, os gostos e idiossincrasias de cada um para a receita de bem viver um amor no outono da vida.

É necessário que o cavalheiro tenha um repertório de galanteios para usar em momentos adequados, mas com parcimônia para que possam causar certa surpresa. É passar pela florista e chegar com um ramo das flores preferidas de sua amada para comemorar datas significativas desde que se conheceram. E, quem sabe, aquele poema escrito em tempos idos para um amor inominado e ainda por chegar possa agora ser oferecido como um ramalhete de versos?

É um ‘must’ andar de mãos dadas pela rua, assim como ficar abraçados no sofá da sala enquanto assistem na televisão um filme dos verdes anos e que ambos desejavam rever. E se preferirem ver o filme recostados na cama, pés e pernas entrelaçadas são recomendados em lugar da pipoca, que só engorda.

Não importa se o rosto marcado pelas rugas identifica a passagem do tempo para ambos; o brilho no olhar quando se encaram é o mesmo de dois adolescentes apaixonados. E as carícias trocadas despertam o encantamento das fantasias românticas adormecidas em suas almas carentes de afeto. Ah! O matiz nostálgico dos amores outonais! Nada os supera em encantamentos e sutilezas.”

“Disse Clint Eastwood, que já passou dos noventa, que o segredo para lidar com os anos chegando é não deixar o velho entrar. E a maneira de fazer isso é sempre ter novos projetos de vida. Há que andar-se com os olhos postos no caminho a percorrer antes que no já percorrido, sob o risco de, se não o fizermos, tropeçarmos e cairmos ou ficarmos paralisados observando os que tem a coragem de prosseguir. Esse é também o mote com que os velhos espantam o espectro da finitude com o compromisso de não desistir (des + existir) de seus projetos de vida enquanto essa não se apague. E se com isso nem sempre a prolonguem, certamente redescobrem a alegria de viver.” (FURTADO, Nina e OSÓRIO, Luiz Carlos, p. 7)

“Quando o andor da vida nos ponha em fogo brando é hora de alcançar o tempero da sabedoria e beber um cálice de gratidão pelos anos que foram e os que ainda virão. Lembremos que a felicidade não envelhece! (FURTADO, OSÓRIO, p. 54).

SERVIÇO

  • Lançamento: “Os velhos também amam”, de Nina Furtado e Luiz Carlos Osório.
  • Data: 29/6, 15h às 18h
  • Local: Abençoado Café (5ª Avenida Center, entrada p/ Mostardeiro, 120), Moinhos de Vento, em Porto Alegre)
  • Palestra: 15h30min.
  • Autógrafos: 16h às 18h
  • Páginas: 78
  • Gênero: Crônicas
  • Editora: Bestiário

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895