Para manter viva a cultura indígena no RS

Para manter viva a cultura indígena no RS

A mostra do artista Xadalu Tupã Jekupé é um convite a conhecer e se aproximar da cultura guarani

Luciana Vicente

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O artista Xadalu Tupã Jekupé trata do apagamento da cultura indígena na região Oeste do Rio Grande do Sul, onde diversas etnias foram dizimadas, em sua exposição inédita, “Antes que se apague: territórios flutuantes”, com abertura neste sábado, às 14h, na Fundação Iberê Camargo. Às 14h30min, terá visitação guiada com o artista e o curador Cauê Alves.

Segundo Xadalu, “Territórios flutuantes” teve como ponto de partida as provocações de sábios da aldeia guarani e das lembranças orais de sua avó, como um exercício de autorreconhecimento. Guiado pelo que ouviu de um velho sábio: “é teu dever buscar mais deste tesouro para entender um pouco mais de ti”, ele desenvolve a reflexão de que “somos territórios que flutuam nos espaços e temos conexões com outras pessoas. Assim tudo o que se carrega é um espaço de cada lugar que a gente já passou”. 

A exposição, composta por 19 obras, dispostas no segundo andar da Fundação Iberê, é um convite para percorrer um caminho de ideias, sonhos, conhecimento, por meio da natureza e seus significados na cultura guarani. O vídeo “Antes que se apague: territórios flutuantes”, com registros das lembranças da sua avó e trisavó na beira do Rio Ibirapuitã, geraram as pinturas em grande formato da cosmologia guarani do Rio Grande do Sul. Xadalu pontua que são obras que tratam da criação do universo e do cotidiano, como a criação do mundo, o banco sagrado, a dona onça. “São histórias cosmológicas e histórias reais que são pouco faladas e precisam ser ditas antes que se apaguem”, ressalta. 

Por meio de uma canção tradicional sagrada e adaptada pela comunidade, Xadalu faz o convite: “Vamos caminhar sobre os raios do sol. Vamos caminhar sobre o som do trovão. Vamos caminhar sobre as palavras no tempo. Vamos caminhar sobre a bruma de fumaça. Vamos caminhar todos juntos. Vamos caminhar todos juntos. Ao alcançar a terra sem males todos iremos nos alegrar. Todos iremos nos alegrar”. Através de versos tão esperançosos e fraternos, o público pode abrir sua mente e coração para criar um novo olhar sobre a cultura indígena e sobre o que o artista apresenta com tanta profundidade e sabedoria. 

O curador Cauê Alves menciona que o trabalho de Xadalu abre uma perspectiva da história a partir da visão dos que perderam as batalhas. Não apenas a Guerra Guaranítica, mas também as pequenas batalhas cotidianas, aquelas que silenciosamente vão sendo travadas e talvez nem sejam percebidas como uma batalha por quem venceu. “Contribui para que outro modo de vida ganhe visibilidade e possa se tornar possível. Numa época em que as mudanças climáticas afetam a todos, a promessa de uma nova relação com a terra, antes que ela se apague completamente, só se cumprirá quando os saberes dos povos originários forem respeitados”, defende o curador. 

Xadalu Tupâ Jekupé e uma de suas obras. Foto: Mayra Silva / Divulgação / CP

 

Em uma de suas obras, Xadalu recortou os territórios demarcados com corte a laser e as representou sobre o globo azul para abordar a questão do território como uma grande aldeia sem fronteiras. Sobre o globo, está suspenso o apyka, o assento divino criado em madeira por Nhamandu em forma de onça. Presentes também em suas obras, além da criação do mundo, a origem da terra e do fogo, imagens de coqueiros, de animais, como urubus, jacarés, cobras e sapos, e dos primeiros habitantes. Além de elementos simples do cotidiano como o milho, que ganha outra dimensão na cultura indígena. Xadalu conta que através deste cereal os indígenas estabelecem uma conexão com os deuses e os sonhos. “E através dos sonhos se faz previsões e também constatações. Por isso a comunidade preserva tanto o direito de estar em um espaço tranquilo para poder sonhar”, argumenta. 
Como remanescente da cultura indígena, Xadalu consegue com sua arte mostrar que outras relações com a vida e o cotidiano são possíveis ao preservar a memória de quem sempre esteve aqui.

Visitação à mostra até 31 de julho, de quintas-feiras a domingos, 14h às 18h. Fundação Iberê (Padre Cacique, 2000). 

 


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