A vida real encontra Felipe Neto

A vida real encontra Felipe Neto

Quando crianças assistíamos ao “Xou da Xuxa”, Angélica, Mara Maravilha. Não eram exatamente cursos de formação de filósofos ou de grandes pensadores contemporâneos

Guilherme Baumhardt

Felipe Neto anuncia que foi à Justiça contra acusações

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No dia 25 de dezembro o youtuber Felipe Neto publicou o seguinte em uma rede social: “Felipe Neto, 32 anos, praticamente sem pisar na rua desde março, responsável por absolutamente ZERO contaminações”. Uma semana antes, nosso oráculo escreveu: “Enquanto a vacina não chega e a pandemia segue, precisamos proteger a população”. No início desta semana vimos Felipe Neto jogando futebol. E sem máscara! Oh! Com outras pessoas em campo! Ooooohhhhhh! Não respeitando o distanciamento físico! Ooooooooohhhhhhhhhhh! Felipe Neto, bem-vindo ao mundo real.

Já tive outras oportunidades para escrever sobre este “fenômeno”. Sempre deixei de lado. Como se diz no popular, nunca quis “dar cartaz”. Mas por quê? Porque Felipe Neto não agrega, não soma. Com milhões e milhões de seguidores poderia ser o catalisador de debates interessantes e inteligentes, especialmente junto aos mais jovens. Mas não consegue. Suas opiniões são rasas, suas manifestações são bobas, carregadas de uma ingenuidade que não combina com um sujeito que já ultrapassou a marca dos 30 anos. Mas, no Brasil, produzimos isso.

Recentemente, após a prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio, ele ligou sua metralhadora verbal e disparou: “STF acaba de decretar a prisão preventiva do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio. Propagador de desinformação, ele estava com tornozeleira e proibido de usar as redes sociais, mas continuava usando normalmente para seu fomento do ódio. Na cadeia vai ficar mais difícil”. Não compartilho publicações de Eustáquio, não concordo com boa parte do material produzido por ele, mas defendo que ele tenha liberdade para fazê-lo. A mesma liberdade que Felipe Neto tem para produzir suas groselhas. Mas Felipe Neto não enxerga isso. Ele sequer vislumbra a possibilidade de que, numa virada de vento, pode ser ele o próximo Oswaldo Eustáquio, preso pelo STF.

Recentemente, a revista IstoÉ elencou o jovem como um dos “Brasileiros do Ano”. A publicação definiu Felipe Neto como “uma das vozes mais poderosas do país em defesa da democracia, contra as fake news e a ideologia do ódio”. Pois bem, na recente polêmica envolvendo o técnico Mano Menezes e o jogador Gerson, o crítico da ideologia do ódio e defensor dos bons modos lascou: “Assessoria do Mano Menezes se posicionou. De todas as coisas que poderia dizer, pedir desculpas, defender o Gerson... O que ele decidiu falar foi pra não cometerem violência contra racistas. Ainda pediu ‘julgamento justo’. VÁ PRO INFERNO, MANO MENEZES”.

Com todas as críticas que podem ser feitas ao ex-treinador da Seleção Brasileira, fica a dúvida: ou a Istoé não lê o que Felipe Neto publica, ou será que ela acha que mandar alguém para o inferno é demonstração de carinho?

Nosso influencer não lerá este texto. Nem tenho tal pretensão. Ele não é culpado do estágio atual das coisas. Ele é livre para publicar o que bem entender. O problema é darmos vazão a isso, transformá-lo neste fenômeno. Quando crianças assistíamos ao “Xou da Xuxa”, Angélica, Mara Maravilha. Não eram exatamente cursos de formação de filósofos ou de grandes pensadores contemporâneos. Era entretenimento. Se encarássemos Felipe Neto como a nova Xuxa, talvez não estivéssemos neste embate e este texto jamais fosse escrito. Nosso erro foi transformá-lo no que é hoje, um influencer, seja lá o que for.

Sobre o futebol, não se penitencie, Felipe. Talvez seja apenas uma ótima oportunidade de rever conceitos. De entender que a liberdade deve ser defendida sempre, mesmo que aos seus olhos as pessoas estejam fazendo a coisa errada. Seja a festa do Carlinhos Maia, as pessoas que se reúnem para jogar uma pelada ou pedreiros e faxineiras que não têm escolha, a não ser embarcar em um ônibus, encarar a “proximidade social”, rumo ao trabalho, para colocar comida na mesa. Bem-vindo à vida real.


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