Ah, Felipe!

Ah, Felipe!

Embora o presidente tenha também o direito de se sentir injuriado ou caluniado – e inclusive mover uma ação neste sentido –, vejo na manifestação do jovem uma crítica a um gestor público. É do jogo, é da vida.

Guilherme Baumhardt

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O jovem Felipe Neto foi intimado a dar explicações à polícia. Deveria agradecer. Poderia ter o mesmo destino do jornalista Oswaldo Eustáquio e ser preso. Ironias de lado, o influencer (seja lá o que isso for) foi convocado a dar explicações para as autoridades, após chamar o presidente Jair Bolsonaro de genocida.

Embora exista uma discussão sobre a legalidade e o caminho pelo qual a intimação deveria percorrer – se pelas mãos da Polícia Civil ou da Polícia Federal –, fato é que talvez estejamos diante de um exagero. Embora o presidente tenha também o direito de se sentir injuriado ou caluniado – e inclusive mover uma ação neste sentido –, vejo na manifestação do jovem uma crítica a um gestor público. É do jogo, é da vida. Mas há um porém.

Peço desculpas aos leitores, mas trarei aqui dois trechos da coluna da edição do dia 31 de dezembro (“A vida real encontra Felipe Neto”). Na época escrevi: “Recentemente, após a prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio, ele ligou sua metralhadora verbal e disparou: ‘STF acaba de decretar a prisão preventiva do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio. Propagador de desinformação, ele estava com tornozeleira e proibido de usar as redes sociais, mas continuava usando normalmente para seu fomento do ódio. Na cadeia vai ficar mais difícil’”. E, ao final do texto, este colunista concluía: “Talvez seja (...) uma ótima oportunidade de rever conceitos. De entender que a liberdade deve ser defendida sempre, mesmo que aos seus olhos as pessoas estejam fazendo a coisa errada”.

Tão logo a intimação da polícia veio a público, não faltaram manifestações de apoio a Felipe Neto. Entre elas a do deputado federal pelo PSol Ivan Valente, que anunciou ter protocolado representação contra o delegado que convocou o youtuber. Além dele, Fernando Haddad, do PT, resolveu usar o mesmo termo – genocida – ao se referir a Jair Bolsonaro. E desafiou: “Por que não manda a polícia aqui?”. Felipe propagou as mensagens e agradeceu: “Lembrem-se daqueles que colocaram tudo em risco em nome de lutar pela democracia, liberdade e justiça. Obrigado, @Haddad_Fernando”.

O jovem youtuber talvez não saiba, mas seus apoiadores já defenderam regimes ou iniciativas que calam ou desejavam calar opositores. Volta e meia o PSol, de Ivan Valente, sai em defesa de Cuba, país há décadas comandado por uma ditadura de partido único, em que a única imprensa existente é a estatal. Durante o governo do PT, aqui no Brasil, houve a tentativa de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, com poder de cassar diplomas e cercear a atividade de profissionais da área.

No mesmo texto, do final de dezembro, escrevi: “Não compartilho publicações de Eustáquio, não concordo com boa parte do material produzido por ele, mas defendo que ele tenha liberdade para fazê-lo. A mesma liberdade que Felipe Neto tem para produzir suas groselhas. Mas Felipe Neto não enxerga isso. Ele sequer vislumbra a possibilidade de que, numa virada de vento, pode ser ele o próximo Oswaldo Eustáquio, preso pelo STF”. Pois bem, o vento virou.

Coincidência ou não, após a coluna, o jovem Felipe me bloqueou nas redes sociais. Pelo visto, leu ou tomou conhecimento do texto citado acima. Se leu, Felipe Neto não entendeu nada. Vou dar mais uma chance a ele: Felipe, meu caro, defenda princípios. “Lacrar” e navegar ao sabor dos ventos pode trazer prazeres momentâneos, visibilidade, novos seguidores. Mas pode significar também sentar-se à frente de um delegado para dar explicações. E sem chance para queixas, afinal, você aprovou o que fizeram com Eustáquio, certo?


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