Anestesia política

Anestesia política

Porque tanta resistência ao chamado voto auditável?

Guilherme Baumhardt

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A imprensa brasileira dá pouco destaque para este tipo de tragédia. Talvez pela distância geográfica, talvez por escancarar o lado nefasto do regime cubano – algo indesejável para adoradores das democracias de partido único e eleições de fachada. Fato é que, nesta semana, mais uma vez, um barco afundou nas águas que separam ditadura e liberdade. Mais uma vez, cubanos desapareceram no mar, ao tentar fugir da ilha presídio rumo aos Estados Unidos.

Mais ao sul, na Venezuela, a pobreza se agrava e o país entra no oitavo ano seguido de recessão. A inflação é galopante e uma pilha de dinheiro vale menos do que um rolo de papel higiênico. Não há comida e muito menos força para reagir à violência promovida pelo Estado. Tudo isso em uma nação cujo ditador confunde periquitos que voam ao redor da sua cabeça com a reencarnação do seu antecessor. Para incredulidade dos famintos venezuelanos, o sujeito que lidera o país e é guiado pelo piar de pintassilgos conta com a idolatria de políticos brasileiros.

Na Argentina, o grande motor da economia foi amarrado pelo governo. As exportações do agronegócio passaram a sofrer severas restrições. O impacto no restante da economia – indústria, comércio e serviços – era questão de tempo. O governo de Alberto Fernández, tratado como exemplo a ser seguido no combate à pandemia e visto como um líder que cuida do seu povo, promoveu lockdowns, estrangulou o ganha pão dos hermanos e gerou... pobreza. Tudo isso sem comprovar que estava salvando vidas. Sobraram discurso e retórica, faltou ciência de verdade. Em um evento recente, o poste kirchnerista defendeu a expropriação de terras, dando mais uma pancada em um dos princípios que movem os motores de qualquer economia séria no mundo – o respeito à propriedade privada. Hoje, seis em cada dez argentinos dependem da esmola governamental para sobreviver.

Se você acha que os exemplos acima estão distantes e que não corremos risco no Brasil, acreditar em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa passa a ser uma obrigação. Ou você é um ingênuo em potencial, ou está mal informado. Se não se encaixa em nenhum dos dois perfis, sobra a você a turma que adora ditaduras de esquerda. A eleição do próximo ano será muito mais do que uma eleição. Nosso destino como nação estará em xeque.

Diante disso, porque tanta resistência ao chamado voto auditável? A desculpa do custo não cola. Já gastamos bilhões em urnas eletrônicas. Se adaptar as urnas é visto como um luxo ou algo inviável, então, erramos lá atrás, em 1996, quando apostamos na digitalização do processo eleitoral. Se dinheiro não é um argumento válido, desconfie de quem alega que contar votos “vai dar muito trabalho”. Diga isso para um americano ou europeu e prepare-se para ouvir uma sonora gargalhada.

O melhor sistema eleitoral não é nem o mais rápido, nem o mais caro. É aquele em que o eleitor confia. Se for um sistema de rápida apuração e tiver baixo custo, melhor. Se isso não for possível e tivermos de abrir o bolso, além de enfrentar dias de escrutínio, que assim seja. Para termos a tranquilidade de que a decisão da maioria será respeitada. Também para que possamos arcar com as consequências das nossas escolhas.

Há um claro movimento que tenta uma inversão na ordem das coisas. Questionar um sistema, criticá-lo e buscar mudanças pelos caminhos democráticos não representa nenhuma ilegalidade. Tampouco é moralmente condenável. Mas a turma que pretende deixar tudo como está tenta colar justamente a pecha de “antidemocráticos” naqueles que defendem alterações. Querem fazer crer que está tudo bem e que assim deve continuar. É uma espécie de anestesia política. Se você aceitar isso agora, não reclame de dores futuras. O efeito da anestesia passa e reconquistar nossa liberdade pode virar uma tarefa dolorosa.


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