As urnas (de novo)

As urnas (de novo)

O melhor sistema eleitoral é aquele sobre o qual não pairam dúvidas e no qual os eleitores têm plena confiança

Guilherme Baumhardt

Urna Eletrônica

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E lá vamos nós outra vez. Uma comissão especial (há a possibilidade de serem duas) iniciou os trabalhos no Congresso para discutir o que se convencionou chamar de “voto auditável”. Como a expressão “voto impresso” remontava, na cabeça de muitos, a uma volta às urnas de lona, a nova nomenclatura torna mais claro o objetivo da atual proposta.

Já há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), de autoria da deputada federal Bia Kicis. Aos que acreditam que o assunto é novo, vale uma pequena viagem no tempo. No início dos anos 2000, o então senador Roberto Requião apresentou uma urna que registrava os votos também em papel, e não apenas de maneira eletrônica. Na época, o custo estimado da adaptação para as urnas eletrônicas (basicamente as mesmas que utilizamos no pleito do ano passado) girava em torno de cinquenta reais.

Anos depois, em 2015, o Congresso Nacional aprovou projeto semelhante, que previa o voto impresso. A então presidente Dilma Rousseff vetou a proposta. O veto foi derrubado semanas depois pelos parlamentares. Em 2018, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu colocar fim à proposta sob o argumento de que o sigilo do voto estava em risco – uma bobagem, pois o eleitor não sairia da seção com qualquer comprovante ou documento que revelasse as suas escolhas.

Entre as ideias apresentadas agora está novamente a adaptação das urnas existentes. Será que é mesmo o melhor caminho? Não seria o momento de adotarmos um modelo radicalmente diferente? Que tal usarmos folhas ópticas, assim como já adotamos em concursos públicos ou nas apostas da loteria federal? Há um suporte físico (papel) e uma leitura eletrônica (feita por máquinas).

Trabalhar para aprimorar o sistema é saudável. O melhor dos mundos seria, sem dúvida, casar a agilidade das atuais urnas eletrônicas com a possibilidade de auditagem em um suporte diferente do eletrônico – por isso o backup em papel.

O brasileiro troca o telefone celular a cada dois anos, em média. O televisor leva mais tempo para ser substituído, mas dificilmente encontraremos uma casa (salvo de famílias que vivem na mais absoluta miséria) com um aparelho que tenha 25 anos de uso, ou seja, um equipamento de 1996, data em que as atuais urnas eletrônicas entraram em funcionamento no Brasil. Por essas e outras que eu reforço a pergunta: será que vale a pena seguir investindo no atual sistema?

O Brasil precisa encarar o assunto. Questionar o modelo atual faz parte do amadurecimento que se espera de um país que viu a democracia renascer há menos de quatro décadas – nossa primeira eleição para o executivo foi em 1982, para os governos estaduais, quando os gaúchos elegeram Jair Soares.

Somente em democracias estabelecidas e consolidadas é que o processo eleitoral pode ser alvo de discussão e questionamento. Em que país vimos isso recentemente? Nos Estados Unidos. Alguém dirá que não se trata de uma democracia? É certamente uma das mais sólidas do mundo. Em que lugares jamais assistimos a qualquer tipo de interrogação? Nas ditaduras. Hoje, no mundo, majoritariamente de esquerda. Em Cuba quem ousa questionar o sistema eleitoral vai em cana. Na Coreia do Norte, vira preso político e pode ser condenado à morte. Na China, acho que poucos pensaram em fazer algo assim desde o sumiço do sujeito que se postou em frente a um tanque na Praça da Paz Celestial.

O melhor sistema eleitoral é aquele sobre o qual não pairam dúvidas e no qual os eleitores têm plena confiança. Depois do avanço da urna eletrônica, na metade dos anos 1990, está na hora de darmos o próximo passo.


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