Cores da discórdia?

Cores da discórdia?

Uma grande rede de varejo decidiu que no próximo programa de trainees contratará apenas negros

Guilherme Baumhardt

publicidade

Uma grande rede de varejo decidiu que no próximo programa de trainees contratará apenas negros. Eu vejo uma atitude antipática, que distancia, no lugar de aproximar, e que seria igualmente antipática se a decisão fosse em sentido oposto, de contratar apenas brancos. A primeira pergunta: aos que viram com bons olhos, teriam a mesma opinião se a opção fosse dar preferência a brancos em detrimento de afrodescendentes?

Quando decide orientar a contratação pela cor da pele, uma empresa pode desperdiçar talentos que tenham ascendência oriental (amarelos), indígena (vermelhos) ou caucasianos (brancos). O mesmo ocorreria se trocássemos negros por qualquer um dos grupos acima mencionados – não gosto do conceito de raça, somos todos humanos. A empresa correria sérios riscos de abrir mão, por exemplo, de um talento negro (ou afrodescendente). Sendo uma empresa privada, perder gente qualificada não é problema meu, mas de donos e acionistas. Se mal gerida, uma empresa quebra, seja o administrador um branco, um negro ou um amarelo. Há outros elementos. Quando decide imprimir este tipo de escolha em um processo seletivo, colhe-se simpatias, mas também rejeição. Não foram poucas as manifestações, especialmente em redes sociais (este grande trombone em que todos berram), que defenderam boicote ao Magazine Luiza. É o mesmo efeito que colhe a Havan, neste caso por razões políticas. Alguns tornaram-se clientes fiéis. Outros, mais à esquerda, se recusam a pisar em uma loja que tem a estátua da liberdade à frente.

Reforço o que já escrevi em outras ocasiões: entramos em um caminho perigoso. Como a Magazine Luiza vai definir se um candidato é negro ou não? A pergunta pode parecer absurda, mas universidades instituíram “tribunais raciais”, com a intenção de avaliar fenótipo e ver se um determinado aluno se enquadrava ou não no sistema de cotas vigente. A grande rede de varejo fará o mesmo? E se algum candidato tiver mãe negra e pai branco (ou o oposto)? Ele se enquadra nos critérios de seleção? Valerá ou não a autodenominação?

Uma empresa, ao definir quais serão seus colaboradores, estabelece critérios. A exigência ou não de curso superior, o domínio de uma ou mais línguas estrangeiras, saber utilizar determinadas ferramentas na área de tecnologia da informação, entre outros. São todos critérios com caráter excludente. Colocar a cor da pele entre eles é legítimo (embora uma discussão jurídica tenha iniciado) desde que seja feito entre entes privados. Qual é o ponto: sem que exista imposição estatal, por força de lei, como ocorre no sistema de cotas para concursos públicos ou seleção de ensino, sem problemas a meu ver. Já manifestei minha opinião: acredito que outros critérios são muito mais válidos e valiosos, independentemente do grau de melanina na pele – dedicação, empenho, responsabilidade, talento. Em resumo, mérito.

Decisões como a da empresa em questão trazem, ao menos, um benefício: geram debate. Mas talvez fique por aí o saldo positivo. Vejo também potencial para gerar discórdia e, em casos extremos, alimentar a segregação. Já vivemos e sabemos o que regimes como o nazismo e o apartheid são capazes de produzir. Classificar a decisão do Magazine Luiza como racismo talvez seja um exagero. A empresa não está dizendo que pessoas negras são melhores ou piores. Apenas decidiu dar preferência a um determinado grupo na hora de contratar, assumindo eventuais riscos pela tomada de decisão.

Em suma, estamos falando de relações privadas. Muita gente sugeriu intervenção do Estado no assunto, o que é absurdo. Fica aberta a porta, porém, para uma provocação, com a intenção de gerar debate: e se uma determinada família decide contratar uma empregada doméstica e determina que a vaga será obrigatoriamente preenchida por uma candidata negra? É racismo? Preconceito? Discriminação? E se a opção fosse por uma pessoa branca, para limpar a casa, cozinhar e organizar um lar? Racismo? Preconceito? Discriminação? O debate surge porque ainda temos a visão confusa por enxergar explorador e explorado, quando na verdade nada mais é do que uma relação de trabalho, desde que ocorra dentro daquilo que estabelece a lei e, obviamente, com o respeito mútuo entre os envolvidos. Temos um longo caminho a percorrer.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895