Encontre as ruas, Lula!

Encontre as ruas, Lula!

No atual momento, Lula gosta muito de ficar com o povo, mas com o povo devidamente identificado, que é submetido a detectores de metal, gente com risco zero de ter em algum bolso ou mochila meia dúzia de ovos ou tomates

Guilherme Baumhardt

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Na segunda metade dos anos 1990, o saudoso Mário Covas (à época governador de São Paulo) deu uma lição de envergadura política. Liderando uma agenda de privatizações e de reforma do estado, ele era alvo constante de protestos e manifestações. De quem? Dos de sempre, geralmente aquela turma de parasitas, que nada produz a não ser estrago e desordem.

Em um determinado dia, Covas estava no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Na frente do prédio, o sindicato de professores estaduais fazia uma manifestação – sim, por aquelas bandas também há um equivalente do Cpers, igualmente radical, estridente e tomado por partidos de esquerda. Assessores aconselharam Covas a sair do local por uma porta lateral, para evitar a horda. O então governador disse: “De jeito nenhum. Governador entra e sai pela porta da frente”.

Quando estava prestes a entrar no carro, Covas foi atingido por um ovo, arremessado por um sindicalista. A massa gritava. Dizia que queria diálogo. Covas respondeu, apontando para a camisa suja: “É assim que vocês conversam? É assim que vocês querem dialogar?”.

Nesta quarta-feira, o ex-detento Lula esteve em Porto Alegre, cumprindo agenda como pré-candidato. Lula desceu a Borges? Não. Fez ato público na Esquina Democrática? De jeito nenhum! Fez uma caminhada pela Andradas, cumprimentando potenciais eleitores? Não se tem notícia. O que houve foi um ato fechado, em local fechado, apenas para convidados previamente cadastrados. Quanta popularidade!

Faça um teste, Lula! Mostre que as pesquisas estão corretas, algumas sinalizando, inclusive, vitória no primeiro turno. Prove por A mais B que você é, sim, o líder mais carismático que este país já teve. Não, não, não. No lugar disso, eventos fechados e público selecionado. Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, acredita que somos idiotas. Perguntada se havia uma orientação da campanha para evitar ambientes não controlados, ela se saiu com a seguinte pérola: “Se fosse uma diretriz, o presidente não ia cumprir porque ele gosta é de ficar com o povo”.

No atual momento, Lula gosta muito de ficar com o povo, mas com o povo devidamente identificado, que é submetido a detectores de metal, gente com risco zero de ter em algum bolso ou mochila meia dúzia de ovos ou tomates. No máximo, o que alguns podem estar levando são alguns trocados a título de ajuda de custo, além de um sanduba de mortadela para matar a fome. Mas tudo muito espontâneo e com muito amor envolvido.

Parcela da grande mídia brasileira, do universo acadêmico e de outros setores da sociedade tentaram transformar o ex-detento em um grande estadista. Em meio ao perdão de dívidas de países africanos e o financiamento de grandes obras de infraestrutura em nações lideradas por companheiros (obras que faltavam em várias cidades brasileiras), a turma descrita acima se ocupava de criar a figura do líder internacional. Balela.

Já escrevi a respeito e reforço: grandes lideranças são aquelas que promovem as reformas necessárias, mesmo que impopulares e contrariando grupos de interesse. O trabalho do estadista dificilmente é reconhecido como deveria durante o período em que está no poder, mas sim anos ou décadas depois, quando o reflexo da sua liderança produz seus frutos e dividendos.

Lula nunca foi estadista. E, neste momento, o que apresenta são apenas altas doses de covardia.


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