Ficamos menos ingênuos?

Ficamos menos ingênuos?

Estradas estaduais esperam pelo dinheiro do Estado

Guilherme Baumhardt

publicidade

O governo do Estado do Rio Grande do Sul queria investir 500 milhões de reais (isso mesmo, meio bilhão) do pagador de impostos gaúcho em rodovias que são de responsabilidade do governo federal – leia-se BR 290 e BR 116. A proposta foi rejeitada pela Assembleia Legislativa. Ainda bem. O episódio guarda algumas lições e reflexões.

A primeira: desconfie toda vez que governos disserem que precisam mais do seu dinheiro. Em 2020, o então governador Eduardo Leite (que jogou o próprio discurso no lixo e vai concorrer à reeleição) tentou convencer os gaúchos – e os deputados – de que precisaria de mais quatro anos de aumento do ICMS, no caso de combustíveis, telecomunicações e energia.

Leite pediu quatro, levou um – graças aos votos do PT, sob o argumento de que o dinheiro seria destinado para comprar vacinas para a Covid-19. Não se tem notícia de uma única dose adquirida pelo governo gaúcho. Todas vieram do governo federal ou da OMS.

Choro de um lado, vida real do outro: o aumento de imposto como desejava Leite não veio, as alíquotas de ICMS hoje são as mais baixas da história recente (graças ao projeto aprovado no Congresso, impondo um teto de 17%) e, ainda assim, o governo do Estado viu condições de bancar obras em duas das mais importantes rodovias do Rio Grande do Sul.

Se não houvesse um único sinal da União para as duas estradas, eu entenderia. Não é o caso. A BR 116 está em fase final de duplicação, sob a batuta da engenharia do Exército brasileiro. As obras na BR 290 andam a passo lento. Já existe, porém, sinalização federal para o destino das duas rodovias: assim que a ligação entre Porto Alegre e Pelotas estiver finalizada, será feita a concessão da rodovia para a iniciativa privada. O vencedor vai administrar uma estrada duplicada (BR 116), mas terá a missão de finalizar as obras na artéria que liga a capital com a região central e fronteira Oeste (BR 290).

Se é assim, por que diabos o Palácio Piratini queria colocar dinheiro em estradas de responsabilidade da União? Para ganhar o discurso político. Apenas isso. Durante a semana, quando tratamos do assunto durante o Agora, na Rádio Guaíba, provoquei a audiência pedindo sugestões. Um sem-fim de gaúchos escreveu, citando estradas que estão sob responsabilidade do Estado e que estão em condições precárias. Ou aquelas que até hoje esperam por asfalto. Não há projetos prontos para casos assim?
É importante frisar que a proposta que tramitava na Assembleia Legislativa não previa qualquer tipo de contrapartida do governo federal, sequer um abatimento da dívida do Estado com a União.

Faço agora a pergunta de um leigo: não temos outras dívidas e contas a pagar? Ao longo dos governos Tarso Genro (por gestão irresponsável) e de José Ivo Sartori (por desespero), o Executivo enfiou fundo a mão na conta dos chamados depósitos judiciais. Um dinheiro que não é do poder judiciário, mas de quem enfrenta algum tipo de litigância na Justiça. Há incidência de juros sobre este saque. Já quitamos essa conta? Pergunto também: quantas pessoas não esperam há anos o pagamento de um precatório, o famoso “devo, não nego, pago quando puder”?

Que a ideia de usar dinheiro dos gaúchos em estradas federais tenha sido aventada, para fins políticos ou eleitorais, eu até consigo compreender. O que é injustificável é uma entidade como a Famurs (que reúne prefeituras de municípios do Rio Grande do Sul) encampar a proposta. Aos que não sabem, a entidade tem uma comissão especial, que trabalha politicamente em prol das cidades sem acesso asfáltico – uma demanda que se arrasta há anos.

Espero que prefeitos e lideranças da Famurs que defenderam a proposta rejeitada no parlamento não peçam mais espaço para defender o asfaltamento das rodovias de chão batido do Rio Grande do Sul. Paciência tem limite. Nariz de palhaço, também.

Parabéns aos deputados que votaram contra essa excrescência.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895