Fux dobra a aposta

Fux dobra a aposta

Uma ruptura é sempre traumática, assim como suas consequências e, no futuro, a reorganização das estruturas e instituições

Guilherme Baumhardt

Manifestações ocorreram em Brasília (foto) e São Paulo no ano passado.

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O 7 de Setembro foi de ruas lotadas, nas capitais e em cidades do interior. Gente vestindo verde e amarelo, carregando bandeiras e um sentimento de pátria que há muito não se via. Há um recado ali. E que vai além das falas do presidente da República, Jair Bolsonaro, em Brasília e em São Paulo. Deixando de lado uma ou outra manifestação que pedia a volta da ditadura militar, os brasileiros que promoveram uma espécie de novo brado de independência foram claros na mensagem: liberdade de expressão é um direito do qual não estamos dispostos a abrir mão. Além disso, bateu no teto a insatisfação com decisões consideradas arbitrárias vindas do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tais como o estrangulamento de fontes de recursos de setores conservadores da sociedade, além da prisão de jornalistas e parlamentares, pelo crime de opinião.

Bolsonaro foi duro. Sua fala foi incisiva e chegou a ultrapassar a linha do respeito – por maior que seja a rejeição ao ministro, chamar Moraes de canalha foi um erro. O discurso foi tão contundente que acendeu o desejo de impeachment em partidos e blocos políticos que estavam “neutros”, quem sabe vislumbrando a possibilidade de um desgaste presidencial até as eleições. O mar de gente nas ruas mostrou que a estratégia de esperar uma vitória nas urnas, em 2022, talvez seja um equívoco – o PSDB que o diga, com João Doria Junior se posicionando pela primeira vez a favor do impedimento de Bolsonaro.

Ontem, quarta-feira, a expectativa era para a fala do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux. O líder da suprema corte poderia distensionar o ambiente, mas não o fez. Fux defendeu o STF – dele não se esperava outra coisa –, mas rebateu uma bola que não foi lançada. “Ninguém fechará esta corte!”, bradou. Mas quem falou em fechar? Nas ruas, os gritos que ecoaram foram os de “Liberdade, liberdade!” e “Fora, Moraes!”. Moraes pode até acreditar que ele é o STF em si, mas a corte tem outros dez magistrados. Os discursos presidenciais trouxeram críticas, mas direcionadas a dois nomes: Moraes e Luís Roberto Barroso, que hoje preside o Tribunal Superior Eleitoral. Fux poderia ter aliviado a pressão e sinalizado para um novo pacto, uma espécie de marco zero nas relações entre os poderes. Não foi o que vimos. Fux decidiu “dobrar a aposta”.

Na Câmara dos Deputados, o presidente Arthur Lira mirou na suposta ameaça à democracia, mas acertou o próprio umbigo. Falou que “os Poderes têm delimitações – o tal quadrado, que deve circunscrever seu raio de atuação. Isso define respeito e harmonia. Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas – como a do voto impresso. Uma vez definida, vira-se a página”. Mas a pergunta que fica é: onde estava Lira quando o deputado federal Daniel da Silveira (sujeito pelo qual não nutro nenhuma simpatia) foi preso de maneira arbitrária?

A sensação hoje é de que entramos em um caminho sem volta. Tomara que não. Uma ruptura é sempre traumática, assim como suas consequências e, no futuro, a reorganização das estruturas e instituições. Basta observar o resultado da Constituinte, em 1988. Já respirávamos o ar da democracia, estávamos prestes a encarar uma eleição presidencial, já havíamos votado de maneira direta nas disputas por prefeituras e governos estaduais, mas nossa Carta Magna foi redigida com o legislador olhando para o retrovisor e pouco preocupado com o país que precisava ser construído

Termino este texto respirando altas doses de insegurança e ansiedade. Sim, entramos na fase em que deitamos a cabeça no travesseiro à noite sem conseguir prever minimamente o que nos espera no dia seguinte. Obrigado, STF. Obrigado, Senado.

 


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