Histéricos e exaltados

Histéricos e exaltados

Se houver irregularidade, que os responsáveis sejam punidos. Até aqui não há prova neste sentido. Apenas uma tempestade em copo d’água, que escancara mais uma das tantas contradições da turma.

Guilherme Baumhardt

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O número varia conforme a velocidade do tráfego de dados, mas arredondando as contas chegamos a 1 milhão de vacinados contra o coronavírus no Brasil. Atingimos o número com pouco mais de uma semana de imunização em território nacional e já com a segunda dose reservada aos que receberam a primeira. Novos lotes de vacinas prontas e também de matéria-prima para fabricação em solo brasileiro devem chegar em breve. E ainda estamos em janeiro. Proporcionalmente à população, é pouco. Mas a tendência é de aceleração.

O processo não foi perfeito. Há tropeços, erros e uma disputa política que nada interessa a quem está na ponta, esperando a vacina. Mas a histeria que tomou conta da classe política e de alguns noticiários mostra-se agora injustificável. A excitação enlouquecida motivou inclusive uma cobrança vinda do Supremo Tribunal Federal (que dúvida!) sobre o planejamento vacinal. Ou seja, um exagero sem tamanho, além de uma extrapolação das atribuições de nossas excelências togadas. O absurdo ficou escancarado com o início da imunização.

E por quê? Porque se houver vacina, o resto a gente sabe fazer. Há décadas o brasileiro segue em direção aos postos de saúde para receber a injeção contra doenças como febre amarela, sarampo, meningite, hepatite... Vacinas fazem parte da nossa rotina, sejam crianças ou idosos, sejam as doses contra poliomielite ou a imunização contra a gripe – uma das mais recentes a entrar no calendário nacional. Com as doses no Brasil, a gente tira de letra. A população sabe aonde ir, assim como os profissionais de enfermagem e da área médica sabem exatamente o que precisa ser feito.

Em breve fabricantes nacionais, que tiveram a capacidade de produção ampliada, despejarão em estados e municípios um número ainda maior de doses, já confeccionadas no país – especialmente pela Fundação Oswaldo Cruz e Instituto Butantan. Além disso, é esperada para abril a vacinação em clínicas privadas, com doses vindas da Índia, iniciativa que vem para somar e ampliar ainda mais a cobertura e o número de imunizados, e não o contrário como os opositores da ideia querem fazer crer.

No entanto, agora que a vacina é realidade, o assunto mudou. Para muitos, a Covid-19 parece fazer parte do passado. Para este grupo, a preocupação agora é com o leite condensado comprado pelo governo federal, algo que sempre ocorreu – assim como a goma de mascar, a uva passa, as pizzas e os refrigerantes. Os críticos mais ferrenhos esquecem que aquisições similares foram feitas em gestões passadas, mas acham um absurdo o governo gastar dinheiro agora para itens assim. Já há pedidos de CPI no Congresso.

Se houver superfaturamento ou compras desnecessárias, que se investigue. Se houver irregularidade, que os responsáveis sejam punidos. Até aqui não há prova neste sentido. Apenas uma tempestade em copo d’água, que escancara mais uma das tantas contradições da turma. É gente que acha que o Estado deve ser gigantesco e provedor de tudo, mas ao mesmo tempo vê um absurdo quando compras assim são realizadas. É mais ou menos como o sujeito que reclama do calor, instala ar-condicionado em todas as peças da casa, mas tem um chilique quando a conta de energia chega no final do mês.

Salvo as situações em que o Estado é o protagonista e não pode repassar a tarefa para a iniciativa privada (segurança nacional, por exemplo), é um desperdício de tempo e energia um governo decidir se compra chiclete ou bala de goma, se investe mais em pizza congelada ou lasanha. Mas não entro na histeria seletiva. Para mim a solução será sempre menos Estado. No Brasil, governos – em todas as esferas – são grandes demais. É uma paixão nacional. Se você pensa o oposto, deixe de lado a insatisfação momentânea e pare de reclamar do leite condensado.


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