Lacração inútil

Lacração inútil

Que venha uma nova Ufrgs

Guilherme Baumhardt

publicidade

No início do ano, uma das tantas cerimônias de colação de grau da UFRGS ganhou destaque especial e manchetes, mas por razões tortas. Um estudante resolveu fazer de um evento coletivo (a formatura de uma turma) o seu momento particular. Ao ter o seu nome anunciado, levantou da cadeira, foi até o ponto mais próximo da plateia, no palco do Salão de Atos, e levantou a toga como se uma saia fosse. Ao fazer isso, revelou um short dourado, sapatos de salto alto vermelho, tudo isso acompanhado de uma performance “rebolativa”. Se o objetivo era chocar, ele conseguiu. Defensor da causa LGBT, o jovem justificou a performance dizendo se tratar de um ato político. Se o estudante em questão é gay, hétero ou bissexual, pouco importa. Ele é livre. Mas ali não era ocasião e nem lugar para isso. Não era o momento dele, mas sim de inúmeros outros estudantes e familiares. Se ele quer fazer uma performance como aquela, que faça, mas num evento dele, bancado por ele. Uma formatura tem protocolo. É um ato solene. Se não fosse, não haveria a necessidade de togas ou a presença de paraninfos e professores homenageados. Se fosse um momento qualquer, não teríamos discursos e a manifestação do magnífico reitor. E antes que – injustamente – me chamem de homofóbico, digo que o problema não era o short dourado ou o sapato vermelho. Seria igualmente um equívoco se por baixo da toga tivéssemos um par de coturnos, uma calça militar camuflada e um sujeito prestando continência. Repito: não era hora e nem lugar.

O quadro descrito acima talvez seja um resumo do que permeia o debate em que nos encontramos acerca das universidades federais brasileiras. Lugares com um potencial enorme, humano e de infraestrutura, mas que em alguns casos queimam uma energia tremenda para sair do nada e ir ao lugar algum. Em determinados cursos fica a sensação de que estamos mantendo uma usina nuclear em operação para ligar uma lâmpada. E não faltam problemas. A cada ano ingressam, por exemplo, cinquenta ou cem estudantes nos cursos de engenharia, dependendo da área. Ao final, restam menos de dez na cerimônia de formatura. Isso tem um custo elevado. A culpa é da universidade? Ou ela é vítima de falhas graves na formação básica dos jovens? Além disso, sobram casos de estudantes que poderiam concluir o curso em quatro ou cinco anos, mas parecem fazer da vida acadêmica uma profissão. Não coloco neste balaio aqueles que precisam conciliar estudo e trabalho, mas os que têm pais e mães pagando boletos e garantindo comida na mesa. Por que demoram tanto? Deem um jeito de apressar a conclusão da vida acadêmica. Tratem de devolver à sociedade o investimento que ela fez na sua formação. É gente que parece não entender que toda aquela infraestrutura e professores estão sendo pagos também pela dona Maria e pelo seu Zé – ela doméstica, ele pedreiro –, que provavelmente jamais sonharam com a possibilidade de se sentar em uma carteira da Ufrgs. Mas são eles que pagam, via impostos, os salários de professores, servidores e os custos de uma instituição pesada. Tudo isso enquanto o bacaninha, que poderia concluir o curso rapidamente, gasta o tempo que deveria ser dedicado à sala de aula em longas e intermináveis discussões em centros acadêmicos. Te mexe, magrão!

Alguns dirão que existem problemas muito maiores que estes. Certamente. E a escassez de recursos é um deles. A dúvida agora é o caminho a tomar. Ficar martelando na tecla de que o dinheiro precisa vir dos cofres públicos? Ou vencer os ranços e resistências em fechar parcerias com o setor privado? Esta última opção não chega a ser nova, mas ainda há dentro da universidade gente que torce o nariz para ela. Os desafios são enormes. Talvez a troca de reitor seja apenas o primeiro passo, mas insuficiente para mudar tudo que precisa ser alterado. Há uma cultura ruim que parece impregnada, enraizada - em especial em algumas áreas acadêmicas. Pouco importa o resultado da energia dispendida, o que interessa é causar, lacrar. Quando vejo esta postura, lembro dos meus avôs, que diziam: “Guri, se tu ‘tá’ querendo aparecer, então pendura uma melancia no pescoço”. Ambos estudaram pouco, nenhum deles tinha diploma universitário, mas sabiam muito sobre a vida. Sabiam, por exemplo, que dinheiro não dá em árvore e merece respeito. Sabiam também que a minha liberdade termina no momento em que começa a liberdade do próximo. Que venha uma nova Ufrgs.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895