Maracujá, camomila e simancol

Maracujá, camomila e simancol

Nenhuma autonomia universitária foi desrespeitada na Ufrgs

Guilherme Baumhardt

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Peço, por favor, que alguém providencie um suco de maracujá ou um chá de camomila para a excelentíssima deputada federal Maria do Rosário. Tão logo veio à tona a informação de que o professor Carlos Bulhões foi o escolhido como novo reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a parlamentar foi às redes para “denunciar” que um “interventor” havia sido nomeado. Não satisfeita, protocolou projeto de decreto legislativo para barrar a escolha. Haja paciência. Nenhuma autonomia universitária foi desrespeitada. O rito foi cumprido. A universidade é ouvida, mas não tem poder de eleger. Pelo critério de número de votos, a preferida foi a professora Karla Müller. Como professores têm peso maior na consulta, o primeiro colocado – naquilo que é chamado erroneamente de eleição – foi o atual reitor Rui Oppermann. Mas Bulhões recebeu votos. E teve seu nome referendado – provavelmente com o nariz torcido de muita gente – pelo chamado Conselho Universitário, que encaminhou a lista tríplice ao Ministério da Educação.

Não há “golpe”, deputada, que volta e meia usa uma expressão tão surrada que parece ter perdido o real significado. Se o caixa do supermercado erra acidentalmente no troco, a turma grita “é golpe!”. Se no meio do pacote de feijão houver um grão de lentilha, “é golpe!”. Além do golpismo, a mesma turma usa e abusa da palavra “trevas”. Essa coisa histriônica dá a dimensão do buraco em que nos metemos: uma republiqueta mimada, que se comporta como criança cheia de vontades, que chora, grita e esperneia se não ganha sorvete. A gritaria promovida pela deputada assim como as manifestações já prometidas por estudantes e servidores mostram o tamanho da encrenca. Atenção: se vocês não entenderam, a Ufrgs não pertence a vocês, assim como não pertence a Bulhões ou a Jair Bolsonaro. Ela é da sociedade brasileira. Ela não é um patrimônio. Ela é, em essência, uma prestadora de serviços, que, em função dos profissionais formados e entregues ao mercado (palavra que causa alergia em muita gente), criou uma relação afetiva com a comunidade. Estudantes lembram com carinho da universidade, assim como a população se orgulha de algumas das figuras que por lá estão ou passaram, sejam professores ou alunos.

Há iniciativas e movimentos que tentam tornar a instituição mais próxima daqueles que a bancam. O projeto Portas Abertas é um deles. Mas abrir a universidade para visitações guiadas em um final de semana por ano é pouco. A sociedade precisa ter uma dimensão mais precisa do retorno de cada real que nela é investido. Quais são as principais linhas de pesquisa? Na relação custo/benefício, a instituição entrega menos ou mais quando confrontada com concorrentes do setor privado, a comparação mais simples e direta? Como está a interação com o setor privado – quando sabemos que há fortes resistências internas a esta aproximação?
Sou egresso da Ufrgs e filho de professor. Tenho o maior carinho pela instituição. Fui feliz como aluno, mas isso não me impediu de ver e apontar problemas. O principal deles talvez seja interpretar mal o que chamamos de autonomia universitária, que é bem-vinda e necessária, mas não exime a instituição de prestar contas, muito menos a coloca numa condição de vida própria, em uma espécie de bolha alheia ao que acontece ao redor. Ela é salutar para garantir que projetos de longo prazo sejam mantidos, independentemente de governos. É necessária para garantir a liberdade de cátedra aos docentes. Mas não pode servir de justificativa para choro e ranger de dentes quando o escolhido – dentro das regras do jogo – não é aquele que uma parcela da comunidade acadêmica gostaria.

Bulhões será reitor, quer queira Maria do Rosário ou não. O mesmo recado vale para sindicatos e grêmios estudantis – leia-se DCE. Parabéns à gestão Oppermann pelo legado. Página virada, boa sorte ao novo reitor, Carlos Bulhões. Desafios não faltam, mas que sejam os naturais e inerentes ao cargo e à função, e não armadilhas ou boicotes contra a futura gestão. Aos histriônicos, fica a dica do suco de maracujá, do chá de camomila ou de uma boa dose de simancol, mesmo.


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