Medrosos concorrenciais

Medrosos concorrenciais

" Quando duas pessoas estão interessadas em um mesmo amor, elas concorrem. Quando estamos na escola, disputamos a atenção dos colegas para definir qual será a brincadeira do recreio. É assim. E é saudável, desde que não seja algo desmedido e que ultrapasse limites éticos e morais."

Guilherme Baunhardt

publicidade

Há um debate no país sobre a cobrança do ICMS sobre combustíveis. O dólar em patamares ainda elevados (apesar das recentes quedas) e a valorização do petróleo no mercado internacional são, neste momento, os dois principais entraves para que os preços parem de subir – em resumo, inflação. É um fenômeno mundial. Norte-americanos, europeus e a população de inúmeros outros países mundo afora enfrentam o mesmo problema.

Tabelar preços é caminho certeiro para o fracasso. É a lição que a Argentina (mais uma vez) oferece ao mundo, de graça. Não funciona, eles sabem que não funciona, mas insistem no erro – talvez esperando um milagre. É como fazer a mesma receita de bolo de laranja, esperando que do forno saia um bolo de chocolate.

Ignorar as oscilações – de câmbio e da cotação da commodity – e fixar um preço em patamares mais baixos do que os mercados internacionais é também a repetição de um filme, uma produção bananeira, que teve como estrelas Dilma Rousseff e Graça Foster. Foi o princípio do caos que quase levou a Petrobras à bancarrota, na metade da década passada. Alguns chamam de gestão irresponsável. Eu tenho dúvidas se podemos chamar aquilo de “gestão”.

A solução apresentada pelo governo federal agora não é o mundo perfeito. Para que Estados zerem a alíquota de ICMS (no Rio Grande do Sul ela está em 25% para a gasolina), a União compensaria a perda de arrecadação com socorro federal. Não deixa de ser uma espécie de subsídio. E eu, particularmente, não sou simpático a subsídios. É dinheiro (fruto do pagamento de impostos) que deveria ter outra destinação, sendo utilizado de maneira paliativa para resolver um problema.

Ressalva feita, verdade seja dita: de todos os cenários que se apresentaram até agora, a proposta federal é a menos danosa e com maior potencial de trazer algum resultado no sentido de evitar uma escalada ainda mais drástica nos preços. O problema é que ela tem data de validade: 31 de dezembro de 2022. E depois? Voltaríamos aos patamares atuais? A inflação voltaria a galopar sem o garrote tributário? Perguntas ainda sem respostas.

Há algo maior em meio à discussão. Estados gritam porque temem queda de receita. Alguns defendem a ideia de uma alíquota única para o ICMS, em todo o país. Sou contra e explico: assim como ocorre na nossa vida, Estados e municípios também precisam ser livres para concorrer entre si. Nossa vida é concorrencial. No nosso trabalho, nas relações humanas, nos momentos de lazer e nas relações de consumo. Quando duas pessoas estão interessadas em um mesmo amor, elas concorrem. Quando estamos na escola, disputamos a atenção dos colegas para definir qual será a brincadeira do recreio. É assim. E é saudável, desde que não seja algo desmedido e que ultrapasse limites éticos e morais.

Durante anos no Brasil falou-se em combater a chamada “guerra fiscal”, instrumento utilizado por Estados para atrair investimentos. Em uma federação de mentira – como a nossa – e com pouca autonomia (especialmente quando comparamos com os Estados Unidos), era um dos poucos momentos em que Estados demonstravam ter alguma liberdade. Era algo bem-vindo. Aliás, na terra do Tio Sam é assim até hoje. Movimentos migratórios (de empresas e pessoas) acontecem neste momento. A bola da vez é o Texas, que vem abocanhando boa parte das empresas instaladas na Califórnia. Como? Com segurança jurídica, impostos mais competitivos, entre outros atributos. Vão as empresas, seguidos dos empregos e das pessoas.

Ou seja, Estados temem não apenas uma redução de dinheiro no caixa. Alguns parecem morrer de medo de concorrência.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895