Meu momento Joel Santana

Meu momento Joel Santana

Em Brasília, a turma gasta tempo, energia e dinheiro público em uma CPI que provavelmente sairá do nada e chegará a lugar nenhum

Guilherme Baumhardt

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Em Santa Catarina, na cidade de Saudades, um assassino entra em uma escola e mata três crianças – com idade inferior a dois anos – uma professora e uma agente educativa. Logo depois, tenta o suicídio, mas sobrevive. O criminoso será julgado e, com sorte, permanecerá preso por, no máximo, 40 anos. Como tem 18, sairia da cadeia com 58 anos. Quando isso ocorrer, invariavelmente estaremos diante de um dilema: quais as chances de ressocializar alguém assim? Como evitar que um assassino retorne às ruas? A resposta para isso está no Congresso Nacional e mudanças urgentes na legislação penal. Mas, enquanto isso tira o sono apenas de quem tenta imaginar o sofrimento de pais e mães da pequena Saudades. Em Brasília, a turma gasta tempo, energia e dinheiro público em uma CPI que provavelmente sairá do nada e chegará a lugar nenhum.
Alguns podem argumentar que no Brasil já morreram mais de 400 mil brasileiros, vítimas do coronavírus, número infinitamente maior do que a tragédia de Santa Catarina. É verdade. É um fato triste e doloroso. O ponto, porém, é outro: quem realmente acredita que algo produtivo possa sair de uma comissão parlamentar de inquérito cujo relator é o insuspeito Renan Calheiros? Há algo bom nos trabalhos conduzidos pelo arauto das boas práticas Omar Aziz? O que esperar do moderado e nada radical vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues?


Sim, existem erros na condução da pandemia. Em alguns casos, a convicção do que é certo ou errado só veio com o tempo. Prova disso são as idas e vindas da Organização Mundial da Saúde, a OMS, que já desaconselhou o uso de máscaras, mas depois mudou a orientação. O presidente da República, Jair Bolsonaro, apostou pesado na hidroxicloroquina, mas hoje Ivermectina e Nitazoxanida dão sinais mais sólidos de que podem auxiliar no tratamento dos pacientes acometidos pelo vírus. No Rio Grande do Sul, o governo do Estado desenvolveu um modelo baseado em números, tendências e estatísticas, mas que ruiu após um debate jurídico e a pressão pela volta às aulas – baseada em evidências de que crianças não representam um risco em potencial na pandemia. Um novo sistema será adotado nos próximos dias. Ou seja, em um ano de pandemia muita coisa mudou.


Voltando aos trabalhos da CPI e o meu descrédito ao que ela possa produzir, basta observar o depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Nada de novo. Apenas um político repetindo o que já havia dito em inúmeras entrevistas ao longo dos últimos meses. Crítico de Bolsonaro após a demissão, o depoente lamentou a ausência de campanhas de prevenção (no que está correto), mas deixou a coerência em casa ao esquecer que foi flagrado neste período curtindo uma praia e jogando sinuca em um bar. Nos dois casos, sem máscara.


Mandetta, aos que não lembram, era o ministro que recomendava que as pessoas procurassem um hospital apenas quando sentissem falta de ar. Em boa parte dos casos, os pacientes – com um pé praticamente na cova – já poderiam providenciar um caixão no caminho até a emergência. Pode-se dizer que era uma orientação global à época e não uma exclusividade do político, mas porque Mandetta virou uma espécie de referência no combate à pandemia mesmo após manifestações assim?
Ao ver as imagens da CPI, lembro do técnico Joel Santana, figura marcante e folclórica do futebol. Ao final de uma partida, quando treinava a seleção da África do Sul, o treinador avaliou o desempenho da sua equipe usando um inglês macarrônico (o vídeo está nas redes). Ao assistir Renan, Omar, Randolfe e alguns de seus pares na comissão, inspirado em Joel, digo o seguinte: vocês só podem estar de “brincation” with me.


Existe muito trabalho a fazer em Brasília. Reforma tributária, revisão do código penal, entre outros. CPI liderada por esta turma é perda de tempo.


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