O ativista incansável

O ativista incansável

O militante superconsciente é um engajado. E não raras vezes é um artista. E ele é ao mesmo tempo músico, ator, roteirista, diretor, malabarista, pintor, escritor e poeta

Guilherme Baumhardt

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Hoje vamos tratar do militante superconsciente. Estamos falando de um sujeito preocupado em deixar marcas. Ele não se importa em deixar rastros. Se emporcalhar a via pública ou o muro de uma casa, estará justificado pela causa. Afinal, a causa é maior do que tudo e danem-se os demais moradores da cidade ou o dono da residência. Pouco importa se eles pensam de maneira diferente. O que realmente interessa é deixar registrado um “Lula Livre” na praça, no prédio ou no portão da garagem.

Ao militante superconsciente já foi recomendado acompanhamento psicológico. Terapia, para ser mais claro. Ou o que explicaria um sujeito que viaja a uma praia paradisíaca, em férias, com a família, e, diante de um cenário de tirar o fôlego, gastar tempo, energia e uma pedaço de pau para marcar na areia um “Fora Bozo”? É alguém que precisa de ajuda. Mas ele discorda. Há uma causa, há uma bandeira. A democracia depende dele.

O militante superconsciente é um engajado. E não raras vezes é um artista. E ele é ao mesmo tempo músico, ator, roteirista, diretor, malabarista, pintor, escritor e poeta. Ele muitas vezes se autointitula um intelectual e, junto dos seus amigos autointitulados intelectuais, se reúne para decidir os rumos daqueles seres menores e inferiores, gente incapaz de definir o próprio destino. Na cabeça brilhante dos nossos autointitulados intelectuais, liberdade é bom somente para eles. Aos demais, bacana mesmo é o cabresto, principalmente se for aquele imposto pelo Estado, com o apoio deles, nossos autointitulados intelectuais.

O militante superconsciente começa o dia mobilizado. Toma seu suco detox, come flocos de milho com leite e açúcar demerara. Tudo orgânico, sem defensivos agrícolas, afinal, o agronegócio mata. Tudo já está à mesa, graças à Dona Maria, empregada doméstica pela qual ele tem o maior amor, carinho e respeito. Nosso herói adora a Dona Maria. Só não conseguiu deixá-la em casa durante a pandemia da Covid-19. Ela não entendeu nada, porque via o chefe na televisão dizendo para todos ficarem em casa, que sair era um risco. Nas redes sociais, então, era um festival de #ficaemcasa pra cá e #ficaemcasa pra lá. Quando ela viu aquilo, mandou uma mensagem perguntando se ela, então, não deveria ir trabalhar. E ele respondeu: “De jeito nenhum, Dona Maria! Preciso das minhas camisas passadas e da minha tapioca integral! Onde a senhora está com a cabeça?!”. E fechou a mensagem com um “kkkkkkkkk”. E Dona Maria seguiu acordando às 5h, todos os dias, para pegar o ônibus lotado rumo ao trabalho.

O militante consciente é também um valente. Depois do desjejum, ele sai para seu jogging matinal com a camiseta onde é possível ler “Ninguém solta a mão de ninguém!”. O porteiro do prédio não entende patavina. Acha que aquilo é uma relíquia dos tempos de escola, o uniforme que a turma usou durante a visita ao zoológico, com a orientação que servia para que nenhuma criança se perdesse em meio a jacarés e leões.

Nas costas da camiseta do nosso militante superconsciente há também, claro, um “Fora Bozo”. E Seu Zé segue não entendendo nada. O único Bozo que ele conhece é o palhaço que fez algum sucesso na televisão. O porteiro acha que o patrão está desinformado e já pensou em alertá-lo: “Ô, chefia, parece que o tal Bozo já morreu”. Mas sempre volta atrás na última hora. Os vizinhos dizem que nosso herói adora dar discurso. O apelido no condomínio é “Palestrinha”. Como seu Zé tem coisa mais importante para fazer do que ouvir falatório, ele fica na dele.

Aos mais chegados, nosso militante superconsciente diz que é um “guerrilheiro da democracia” e cita como exemplos de vida figuras democráticas como Che Guevara, Pol Pot, Josef Stalin. Além disso, gosta de enaltecer a alternância de lideranças na Albânia, quando Enver Hohxa deixou o poder para dar lugar a Enver Hohxa e assim sucessivamente. Aquele é o modelo a ser seguido. E sempre que termina a palestrinha, grita “Fora Bozo!”.

O militante superconsciente é um sujeito sui generis. Ele não apenas acha que é o dono da verdade. Ele tem certeza. O que seria de nós sem os nossos militantes superconscientes?


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