O fantasma é real

O fantasma é real

Hoje nossos hermanos vivem numa espécie de “Brasil Sarney”, com tabelamentos inúteis de preços e desabastecimento

Guilherme Baumhardt

Presidente da Argentina, Alberto Fernandez, comentou postagem de Jair Bolsonaro no Twitter

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Tem bastante gente por aí querendo que você acredite que o risco socialista/comunista não passa de um devaneio, algo que habita a cabeça da extrema direita. O problema começa aí. Geralmente quem escreve “extrema direita” é incapaz de escrever “extrema esquerda”, mesmo que esta esquerda defenda o fuzilamento de opositores políticos, feche os olhos para as ditaduras mais sanguinárias da história ou simplesmente faça cara de paisagem quando perguntada sobre a situação da Venezuela ou da Nicarágua, por exemplo. Você lerá ou ouvirá no máximo um “esquerda”. Ou, quem sabe, “a ala mais radical do partido”. Ou seja, quando o bicho pega, a turma capricha para dar uma suavizada nas tintas.

Há uma estratégia clara em curso. Estão entrando em campo os pré-candidatos que simpatizam (de maneira pública e notória) com regimes ditatoriais vigentes hoje ou aqueles disfarçados de democracia. Mas as figuras que vão disputar a sua atenção e o seu voto não vêm com foice e martelo. Calma, meu amigo, que isso é coisa de comunista. A conversa mole dessa turma é cheia de ginga e malandragem. E uma fantasia, feita especialmente para enganar o pato – ou seja, você. Teorias sobre como colocar o país nos trilhos e defender a propriedade privada chegam em pacotes perfumados e bem-acabados, elaborados por gente que sabe muito sobre campanha e sobre enganar incautos.

Alguns dizem: “O Brasil foi governado pelo PT por 14 anos e não virou uma república socialista. Não foi por falta de vontade, desejo e simpatia com a doutrina. Tal qual o sapo jogado na panela de água fria e que morre após ser cozido em fogo brando, o PT, sim, tentou fazer isso conosco, com medidas que flertavam com o autoritarismo. Outros afirmarão: “Lula não é de esquerda, afinal, ele adora as coisas boas da vida, que só o capitalismo proporciona”. E eu pergunto: alguém tem notícia de que os irmãos Castro tenham passado fome? Ou de que falte luxo no cotidiano do ditador norte-coreano? Alguém pode dizer se Chávez e Maduro passaram fome à frente da Venezuela?

Em Cuba, a população se vira para manter rodando carros norte-americanos da década de 1950 (usados para passeios com turistas), ou as porcarias fabricadas pelos soviéticos nos anos seguintes. Os Castro, porém, andavam em luxuosas limusines alemãs. Na Venezuela, rica em petróleo, não há comida. Mas Nicolás Maduro foi filmado tempos atrás no restaurante daquele balaqueiro que atira sal na carne como se estivesse jogando purpurina sobre uma fantasia de Carnaval. O lugar é um dos mais caros do mundo e por lá desfilam astros da música, do esporte e do empresariado. Ah, e Nicolás Maduro.

Alguns acham que o fantasma socialista/comunista é um devaneio. Acreditam que é impossível que ocorra conosco o que aconteceu com Cuba e Venezuela. Bem, os argentinos leem mais do que nós, têm mais bagagem cultural do que a média dos brasileiros e já foram considerados uma potência mundial (houve um tempo em que Buenos Aires rivalizava com Paris e Londres). Tudo foi pelo ralo. Hoje nossos hermanos vivem numa espécie de “Brasil Sarney”, com tabelamentos inúteis de preços e desabastecimento. Para ficar completo, só falta buscar o boi no pasto e usar no peito um broche “soy fiscal de Fernández”. Mas, calma, assim como sempre ocorre, se você mostrar as linhas acima para um esquerdista ele provavelmente dirá: “Não dê atenção para esse lunático, não passa de um representante da extrema direita”.

Em 2022, quando você encontrar a urna, quem representa a vanguarda do atraso estará lá. Fantasiada, é claro. Não será o sapo barbudo, mas o autor da “Carta aos Brasileiros”. Não será um “coroné” do Nordeste, mas um estadista fantasiado de chanceler. Todos bastante produzidos. Quem acha que o lobo mau vira santo quando veste o xale da vovozinha, acaba virando almoço.


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