O prejuízo incalculável

O prejuízo incalculável

Quem contribuiu para a morte destes espaços será responsabilizado?

Guilherme Baumhardt

publicidade

A pandemia ceifou vidas, encurtou histórias, deixou cicatrizes e marcas difíceis de serem esquecidas. As mais traumáticas são, sem dúvida, as perdas humanas. Parentes, amigos, conhecidos. Inevitável pensar naqueles que nos deixaram, na vida que teriam pela frente, não fosse o coronavírus. Netos que não conhecerão os avós, filhos que partiram precocemente, antes dos pais. Não há como calcular essa dor.


Há um prejuízo que pode, em parte, ser estimado. Uma empresa que fecha pode deixar dívidas, um saldo devedor. Há bens materiais que possuem valor. Mas há também uma história. Não apenas de quem ali trabalhou, mas dos frequentadores e clientes. Em Porto Alegre, um dos espaços culturais mais importantes da cidade foi colocado à venda. O Guion Cinemas, no bairro Cidade Baixa, busca um comprador. Não se trata apenas de salas escuras, com telas gigantes e potentes sistemas de som. No Guion você encontrava discos e obras de arte. E encontrava amigos. E namorava. E assistia a filmes que não estariam em cartaz nos cinemas “convencionais” – a maioria com amplo espaço dedicado aos chamados blockbusters (os campeões de bilheteria), mas reduzida programação para películas com roteiros mais trabalhados, que não precisam apelar para efeitos sonoros e visuais para fixar a atenção do espectador. Companhias abrem e fecham todos os dias. Lembramos com carinho de empresas como a Varig, durante décadas um orgulho do Rio Grande do Sul. Somam-se a ela inúmeras outras, que deixaram saudade, mas também um legado para o Estado. Mas nunca num cenário como o atual. Lembramos das grandes que se foram. Agora são as micro, pequenas e médias as que mais sofrem. Há um prejuízo aí que não se estima, que não tem calculadora ou operação matemática capaz de chegar a um denominador.


No caso das pessoas, já choramos e sentiremos falta. No caso dos espaços que frequentamos, em muitos casos sequer pudemos sentir essa ausência, já que muitos permanecem fechados. Torço para que o Guion tenha outro desfecho. Que os atuais proprietários consigam retomar a operação, para que não fique a sensação de que eu deveria ter frequentado mais as suas salas, ter visto mais filmes, ter ido mais vezes. Se isso não ocorrer, quem vai pagar essa conta? Quem contribuiu para a morte destes espaços será responsabilizado?


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895