Protagonistas do anonimato

Protagonistas do anonimato

Para um partido que já teve três fortes candidatos à Presidência da República – e fez questão de naufragar em todas as oportunidades – o eleitorado, com toda a razão, parece ter reservado um lugar especial ao tucanato: o ostracismo.

Guilherme Baumhardt

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Quando um colunista se arrisca a prever o futuro, são duas as possibilidades. Primeiro, o risco de quebrar a cara com leituras que não se confirmam. O outro caminho é uma espécie de glória, de acertar, de mostrar para todos uma habilidade de enxergar além dos demais. No caso do PSDB, falar sobre o futuro é, na verdade, mergulhar no óbvio. Os tucanos perderam o bonde da história. Só não perceberam isso ainda.

A realização de uma prévia – uma novela que ainda não se encerrou – talvez seja o tapa na cara, o sopro de realidade que faltava. São pouco mais de 40 mil filiados aptos a votar. Se o processo seletivo interno, que pretende definir o nome do partido para a disputa presidencial de 2022, tivesse utilizado canetas BIC e guardanapos de papel de um boteco barato, saberíamos no domingo ou, no mais tardar, na segunda-feira quem teria sido o escolhido. Até agora o resultado, porém, é uma incógnita. O aplicativo não funcionou como deveria e os votos das urnas eletrônicas ficaram “congelados”, até que o outro sistema (o dos telefones) voltasse a operar.

O pior, porém, não é o festival de trapalhadas, mas a irrelevância que a disputa interna tucana representa. É como se no Grande Prêmio do Brasil de Fórmula-1 estivéssemos interessados em saber quem ficou na 15ª colocação após a corrida, e não nos três primeiros pilotos, aqueles que ocupam os lugares do pódio. A verdade é: exceto pela imprensa, ninguém está dando a mínima para Eduardo Leite, João Doria Jr. e Arthur Virgílio.

Os tucanos perderam o rumo. E não foi em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro. A bússola quebrou (se é que um dia existiu) na primeira eleição do ex-condenado (e solto pelo STF) Lula. Passando por uma severa crise de identidade e objetivos, as lideranças do PSDB nunca souberam defender, por exemplo, as privatizações, que colocaram o Brasil em um outro patamar de desenvolvimento. Havia um sentimento de vergonha. Enquanto alguns fugiam do passado, outros olhavam admirados para o petismo encastelado no poder e, talvez, sentissem até uma certa admiração interna, algo na linha do “queria ser tanto como vocês”.

Para um partido que já teve três fortes candidatos à Presidência da República – e fez questão de naufragar em todas as oportunidades – o eleitorado, com toda a razão, parece ter reservado um lugar especial ao tucanato: o ostracismo. Bebendo na fonte do poema de Carlos Drummond de Andrade: “o PSDB era o partido que tinha Geraldo Alckmin, que detestava Aécio Neves, que ferrou com José Serra, e todos juntos entregaram o poder ao PT”.

Durante anos uma parcela dos brasileiros delegou aos tucanos a missão de ser a principal voz de oposição ao petismo e ao radicalismo de esquerda. O partido nunca comprou a tarefa. Até surgir, em 2018, a figura de Jair Bolsonaro. E o resto é história. Alguns podem argumentar que as chances do PSDB estão na chamada terceira via, de se apresentar como alternativa agora à polarização existente. Agora, em novembro de 2021, eu digo: este espaço parece muito melhor ocupado hoje por Sergio Moro.

As vitórias de Eduardo Leite e João Doria Jr., nas disputas pelos governos do Rio Grande do Sul e São Paulo, precisam de análise mais apurada, para evitar conclusões apressadas. No primeiro caso estamos tratando de um Estado sui generis. Os gaúchos jamais reelegeram um governador. Além disso, se Luiz Carlos Heinze ou Onyx Lorenzoni tivessem disputado o Palácio Piratini arrisco dizer que o resultado do pleito teria sido outro, tamanha a força da onda bolsonarista em 2018. Enquanto isso, em São Paulo, Doria inventou (malandramente) o voto “Bolsodoria”, abandonou Geraldo Alckmin no meio do caminho e surfou para uma vitória – apertada, diga-se de passagem.

O PSDB colhe hoje aquilo que plantou: um vazio existencial, uma inexpressividade que deixaria figuras como Mario Covas envergonhado


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