Quando sobra lacração e falta inteligência

Quando sobra lacração e falta inteligência

Não me surpreende que gente assim ainda tenha voz. Faz parte de um processo de tolerância e de liberdade dar vazão a ideias, por mais absurdas que sejam

Guilherme Baumhardt

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Alguns dias atrás, um dos grandes bancos do país precisou voltar atrás em uma ação equivocada de marketing. Mais precisamente dentro de uma estratégia ESG (sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança). Mas sobre isso falamos outra hora. A instituição em questão (o Bradesco, aos que não sabem) resolveu lançar uma campanha propondo a “segunda-feira sem carne”.

Em um vídeo, influenciadoras (sabe-se lá diabos que profissão é esta) propõem diminuir a ingestão de carne, pois “a criação de gado contribui para a emissão de gases de efeito estufa”. Em tempo: se um dia eu parar de comer carne, não será por sugestão de uma influencer ou de outra besta quadrada qualquer, mas por recomendação de um médico. Logo depois, vem a sugestão: “que tal se a gente reduzir o nosso consumo de carne e escolher um prato vegetariano na segunda-feira?”. Bife de soja para mim não é bife, e pimentão assado é bom, mas não chega aos pés de um pernil suíno na brasa. E o tiro saiu pela culatra – sem trocadilhos, por favor.

Quase que instantaneamente surgiram manifestações contrárias em redes sociais e, até mesmo, nas ruas. Em pelo menos cinco Estados brasileiros, pecuaristas se reuniram em frente a agências e fizeram um churrasco público, distribuindo carne para a população que passava pelo local. Instituições, empresas e produtores rurais comunicaram o fechamento de contas no Bradesco. O banco voltou atrás e está até agora tentando reduzir o prejuízo causado por um passo errado.

Engana-se quem pensa que é o “dinheiro do agronegócio” que falou mais alto. Pensar assim seria simplista demais. É ignorar toda uma cadeia. No caso da pecuária, ela é forte porque há uma demanda. E a demanda é grande porque as pessoas querem comer... carne! Cada vez com mais qualidade, cada vez com preços mais acessíveis. É daí que vem a força que obrigou um banco gigante a voltar atrás. O fechamento de contas é apenas a ponta de um efeito cascata.

Há todo um contexto por trás do episódio, dentro de uma agenda global, na qual muitos ainda seguem caindo como patos – grandes empresas, inclusive. O pessoal que vive de problematização precisa criar problemas. Mesmo onde eles não existem. Como as calotas polares não derreteram, o planeta não virou um deserto, as temperaturas na Terra não lembram o pavilhão de uma antiga siderúrgica e cidades costeiras não foram inundadas, os “patrulheiros do bem” (Al Gore, Greta Thunberg e outros) precisam de novos alvos na cruzada contra as “mudanças climáticas”. E a flatulência bovina virou o mais novo sinal (sonoro?) do fim do mundo, tudo isso partindo de uma premissa equivocada: o pum das vacas.

Especialmente na pecuária de ponta, de alto desempenho, pastagens são criadas para alimentar o gado que vai para o abate. Se há uma pastagem (plantada ou natural), ela naturalmente absorve o carbono da atmosfera. Se os traques de vacas, bois e touros fossem assim tão nocivos, o mundo provavelmente já teria sido extinto há bastante tempo.

Lembro de um político local (comunista) que levantava a voz contra as exportações de soja do Brasil. “Estamos exportando nossa maior riqueza, nossa água! Ela está nos porões dos navios que levam os grãos para o exterior!”, bradava o sujeito. Se o raciocínio torto tivesse algum amparo na realidade, estaríamos vivendo em um deserto, já que o Brasil produz e exporta soja há décadas. Significa ignorar também fenômenos climáticos que levam umidade e água de um canto a outro do planeta. Mas isso era demais para a compreensão do valente.

Não me surpreende que gente assim ainda tenha voz. Faz parte de um processo de tolerância e de liberdade dar vazão a ideias, por mais absurdas que sejam. Mesmo as mais infundadas acabam ganhando algum destaque. O que me espanta é que esse tipo de lacração ainda encontre respaldo em cabeças que deveriam ser preparadas para entender o mais importante: em um negócio, o cliente final – que não é o produtor rural, mas sim o cliente – é quem realmente tem a força. Uma força muito maior do que qualquer narrativa que queira penalizar o consumidor e aquilo que ele deseja.

Para essa turma, se as vacas comessem repolho e não pastassem, estaríamos na iminência de uma guerra química.


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