Que Porto Alegre queremos?

Que Porto Alegre queremos?

Que a dupla Sebastião Melo e Ricardo Gomes tenha energia, paciência e habilidade para levar adiante projetos que mudem a cara da cidade

Guilherme Baumhardt

Documento de arrecadação também pode ser acessado no site da prefeitura

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Passada a eleição, passado o Natal, nossas atenções agora estão voltadas para as administrações municipais. Consciente ou inconscientemente, trata-se de um período de renovação de expectativas, de esperanças. Alguns prefeitos foram reeleitos, outros fizeram seus sucessores, algumas cidades promoveram mudanças radicais no time que toca o município e outras fizeram ajustes. Este último talvez seja o caso da capital do Rio Grande do Sul. Sebastião Melo e Nelson Marchezan Jr. não disputaram o segundo turno das eleições de 2016 por acaso. Havia um somatório de fatores, que começava pelo desgaste da esquerda e da extrema-esquerda. Marchezan saiu vitorioso naquele momento, fez reformas importantes (especialmente no que diz respeito às carreiras do funcionalismo), deu início a uma mudança cultural – a mais difícil das alterações em qualquer ambiente administrativo. Mas cometeu seus erros. E a cidade decidiu que queria mudar, mas não muito. Não escolheu Manuela D’Ávila, mas sim Sebastião Melo.

O time de secretários já ganhou mais do que um contorno. Ganhou forma. Algumas escolhas já mostraram sintonia com o que foi dito na campanha – caso do titular da pasta da Saúde, Mauro Sparta. Não há negacionismo, mas a busca por um equilíbrio que foi relegado a segundo plano, dentro de uma lógica que priorizou fechamentos e restrições, especialmente ao comércio, na tentativa de controlar um quadro que até hoje carece de mais respostas. Se dará certo ou não, não sabemos. O que temos até aqui é um modelo que produziu a falência de empresas, provocou demissões e o empobrecimento da população, com uma contrapartida cujo saldo positivo ainda é alvo de debate – a redução do número de mortes e casos de coronavírus, em Porto Alegre. Este, porém, é um aspecto bastante pontual. A pandemia vai passar. Seja pela vacina, pela imunização de rebanho, pela melhoria nos tratamentos, com a descoberta de novas medicações ou com remédios antigos que passaram a ser ministrados e que trazem resposta positiva aos infectados. Se a Covid-19 é uma página que dentro de alguns meses provavelmente será um episódio traumático do passado, quais os debates a serem enfrentados?

O mais importante deles é a cidade que queremos ser. Ao longo dos últimos anos, por mais 16 de anos de gestões petistas, a cidade foi regrada por uma lógica esquerdista, que apostava todas as suas fichas em serviços públicos, nem sempre bem prestados. Que acreditou que a melhoria da qualidade de vida passava por ampliar o debate acerca dos recursos da cidade (orçamento participativo). Isso tudo tem valor, algum valor. Mas não lança as bases para uma cidade do futuro. As gestões José Fogaça e José Fortunati tiraram do papel obras de maior impacto – a principal delas foi a ampliação do tratamento de esgoto da cidade (o chamado PISA colocou a cidade em outro patamar). Projetos antigos foram tirados da gaveta e colocados em operação – o conduto forçado Álvaro Chaves-Goethe é um exemplo –, enquanto a chegada da Copa do Mundo de 2014 serviu de combustível para que investimentos estacionados no tempo saíssem do papel. E, infelizmente, se arrastassem por longos anos até a sua conclusão.

De qualquer forma, Porto Alegre ainda é hoje uma cidade refratária ao investimento privado. Somos uma população doutrinada a achar que grandes edifícios produzem o mal, quando na verdade servem para aproximar, encurtar distâncias, reduzir a necessidade de deslocamentos. Grandes edifícios, no lugar de serem vistos como solução, passaram a ser chamados de “espigões”, e até o regime de ventos era invocado para dar voto contrário a este tipo de construção na cidade. Perdemos o passo. Vimos cidades e capitais próximas, como Florianópolis e Curitiba, nadarem de braçada ao longo das últimas décadas, também com problemas, mas menos hostis a cenários que já são consolidados mundo afora e vistos como solução, não como barreiras ao desenvolvimento.

Que a dupla Sebastião Melo e Ricardo Gomes tenha energia, paciência e habilidade para levar adiante projetos que mudem a cara da cidade. Para que Porto Alegre seja uma cidade mais limpa, mais agradável, mais receptiva para quem a visita e para quem deseja nela empreender. Que a população não compre velhos discursos surrados, cheios de boas intenções, mas carregados de um atraso que fica escondido atrás de manifestações antigas e pouco produtivas. Do contrário, seguiremos vendo cidades não tão distantes despontando rumo a um futuro mais promissor. E, pior, enxergando porto-alegrenses que, cansados, acabam deixando o pago e partindo para estes lugares menos teimosos, atrasados e recalcados.


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