Reis

Reis

Há uma ditadura instalada. O termo oficial, porém, é “Estado Perfeitamente Responsável”, um lugar sem igual.

Guilherme Baumhardt

publicidade

Nas ruas não há soldados ou armas. Não há militares ou tanques. Circulam em ritmo frenético carros pretos, de um lado para o outro. Dentro deles, oficiais de justiça – gente que está apenas “cumprindo ordens”. São uma espécie de nova polícia, que não usa cassetete ou pistola, mas despachos. Muitos despachos. Há uma ditadura instalada. O termo oficial, porém, é “Estado Perfeitamente Responsável”, um lugar sem igual.

Mas nem sempre foi assim. A transição do sistema antigo para o novo foi tumultuada. Primeiro, chamaram de “semipresidencialismo”. E disseram que a Suprema Corte era o poder moderador. Um belo dia, um gaiato resolveu ler a Constituição e lá ele viu que esse negócio não existia. Ele podia ser um gaiato, mas era também astuto. Pesquisou aqui e ali e descobriu, também, que o tal poder moderador era coisa comum em impérios e monarquias, não em repúblicas como aquela.

Por querer tumultuar a ordem, o sujeito metido a arauto da ciência política foi mandado para a jaula. E depois desapareceu. Não se tem notícia do seu paradeiro. Parece que em sua homenagem virou nome de rua ou praça. Não aqui, mas em Marte ou Júpiter. O sujeito, porém, tinha razão. E os onze integrantes na Suprema Corte convocaram uma reunião de emergência.

A primeira medida: no lugar de Suprema Corte, eles agora comandavam a Suprema Força. Pronto. Não poderia ficar mais claro: as coisas mudaram. Na mesma sala fechada, sem acesso da imprensa (ou o que restou dela), eles não seriam mais ministros, mas reis! Meses Toefl, conhecido por levar tempo demais para passar na prova de fluência em língua inglesa, sugeriu que eles adotassem nomes no idioma de Shakespeare. Era mais chique e lembrava a monarquia britânica. E assim foi feito. Um virou King EggHead, outro se transformou no King SoftMouth enquanto Meses Toefl passou a se chamar King CantPassAJudgeTest. Ele gostou, só não entendia o porquê das risadinhas debochadas dos colegas. Ficou tão faceiro que fez até cartão de visitas.

Naquele reino, as eleições viraram uma mera formalidade. Escolher um presidente, governadores e parlamentares era apenas uma atividade frugal de um domingo qualquer. A população escolhia como passar o tempo. Entre um passeio de bicicleta ou uma partida de xadrez, alguns preferiam gastar alguns minutos digitando botões numa urna eletrônica. Para quê? Para nada, exceto criar a ilusão de que havia algum poder no voto e para que os reis pudessem afirmar, com pompa, que “todo poder emana do povo”.

Enquanto um ou outro era preso, por crime de opinião ou por apenas dizer o que pensa, ainda pairava no ar a ideia de que aquele sistema “valia a pena”. Ignorando a frase atribuída a Benjamin Franklin (“Aqueles que abrem mão da liberdade por um pouco de segurança não merecem nem liberdade e nem segurança”), eles apenas ignoravam o que estava por vir: a chegada do dia em que os reis se transformariam em deuses, e passariam a decidir sobre a vida e a morte.

Prêmio Press

Aproveito para agradecer todas as mensagens de carinho pela conquista do Prêmio Press (organizado pela Revista Press e que chegou neste ano a 22ª edição), na categoria Colunista de Jornal do Ano. Obrigado a todos que votaram, seja no voto profissional, voto popular ou no júri de autoridades. A coluna ainda não completou dois anos, ou seja, trata-se de um espaço ainda jovem, mas que já foi reconhecido com um dos mais importantes prêmios do país. Faço aqui uma menção especial ao presidente do Correio do Povo, Sidney Costa, e ao diretor de redação, Telmo Flor, pela confiança ao longo deste período. Aproveito para parabenizar também a colega de CP Alina Souza, vencedora na categoria Fotógrafa do Ano.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895