Separados no nascimento?

Separados no nascimento?

Há uma direita no Brasil e nem um pouco envergonhada. Desde liberais que são avessos a aumento de carga tributária, como os integrantes do partido Novo, até conservadores, como alguns dos integrantes do PSL, DEM e afins

Guilherme Baumhardt

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Há 15 ou 20 anos eu era chamado de louco quando dizia que PSDB e PT tinham muito mais pontos em comum do que divergências. Nada como o tempo para mostrar que até mesmo a loucura pode trazer também algumas boas doses de lucidez.

Tucanos e petistas não foram separados no nascimento por uma questão de datas. No início da década de 1980, o PT surge em São Paulo no ventre do sindicalismo industrial, em meio ao ABC paulista. No Rio Grande do Sul, no sindicato dos bancários. Ancorado por uma parcela da intelectualidade (?) – artística, universitária e da “classe média consciente” –, sedenta por encontrar um líder popular que vestisse o uniforme perfeito do proletariado que anseia pelo poder, o partido nasce. E encontra o seu guia, um sujeito que hoje é um condenado em três instâncias. O PSDB é fundado em 1988, de uma dissidência do MDB, insatisfeita com os rumos da sigla após o fim da ditadura. O tucanato nasce, entre outras coisas, com a “pureza” que havia sido perdida após nomes – José Sarney, um antigo “arenoso”, é um exemplo – ingressarem na velha sigla de oposição ao regime militar. Além disso, traz ares de modernidade, de uma esquerda arejada, agora vestida de social-democracia, a mesma atualização da esquerda europeia que, em função da falência da União Soviética, diz mais ou menos o seguinte: “Ok, o mundo decidiu ser capitalista, mas vamos tratar de tornar esse negócio mais ‘humano’”. E surge a defesa do estado de bem-estar social.

PT e PSDB foram antagônicos no Brasil por pura falta de opção, mas nascem de cepas muito parecidas. Como ser de direita em terras tupiniquins virou algo proibido após duas décadas de militares no poder (fina ironia, uma das ditaduras mais estatizantes do planeta e que, do ponto de vista econômico, era o sonho de muito comunista mundo afora), as duas siglas criaram um cenário que em os tucanos foram empurrados para a direita, mas nunca o foram. Além disso, um precisava do outro para tornar a narrativa hermeticamente bloqueada e, assim, fechar a porteira para a entrada de terceiros. Deu certo por mais ou menos 20 anos. Durante os anos FHC vimos uma explosão na carga tributária para níveis jamais vistos antes. Liberalismo? Claro que não. Para completar, pergunte ao petista que está ao seu lado quem assentou mais famílias do movimento bandoleiro conhecido como MST? Ganha uma foice e um martelo quem respondeu Fernando Henrique Cardoso, que durante sua gestão deu uma boa dose de guarida à turma que invade terras, desrespeita propriedade privada e promove doutrinação marxista em seus acampamentos sob o mantra de “estamos educando nossas crianças”. Boa parte disso com dinheiro dos pagadores de impostos.

Porque privatizou meia dúzia de estatais, o PSDB passou a ser chamado de neoliberal. Só esqueceram de contar que a privatização trouxe um sem-fim de agências reguladoras, um sistema que dificulta a entrada de novos players e que em nada estimula a concorrência. Um avanço? Sim, mas longe do ideal. Por uma questão de justiça é preciso reconhecer que algumas iniciativas tucanas foram rechaçadas por petistas, Plano Real e Lei de Responsabilidade Fiscal, avanços inegáveis para o país, entre elas. É como se fossem os capítulos que conferem ao PSDB o título de “irmão responsável”, enquanto ao PT resta aquele da vida rock’n’roll, no pior sentido.

Hoje o cenário é outro. Há uma direita no Brasil e nem um pouco envergonhada. Desde liberais que são avessos a aumento de carga tributária, como os integrantes do partido Novo, até conservadores, como alguns dos integrantes do PSL, DEM e afins. E o inevitável finalmente aconteceu. PT e PSDB parecem agora andar de mãos dadas em inúmeras situações que 15 ou 20 anos atrás seriam inimagináveis. Querem exemplos? A prorrogação das alíquotas majoradas do ICMS no Rio Grande do Sul só aconteceu graças aos votos petistas. Em São Paulo, o tucano Bruno Covas anunciou Marta Suplicy como nova secretária de Relações Internacionais da prefeitura. Alguém pode dizer que Marta não está mais no PT. Correto. Mas desde quando é preciso estar em um partido para defender suas ideias? Marta não deixou de ser petista. Só abandonou a estrela. Quem sabe ela não entra agora no PSDB?


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