Sobre Camilos e Heleys

Sobre Camilos e Heleys

No Brasil funciona assim: Camilo Cola, mesmo com uma trajetória rica, não ganha homenagens

Guilherme Baumhardt

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Morreu no último sábado o brasileiro Camilo Cola. São grandes as chances de que o leitor não faça ideia de quem seja. Não condeno quem desconheça a história e a trajetória de Camilo. O fenômeno, porém, talvez seja revelador de uma fraqueza cultural nossa, de escolhas equivocadas, de idolatrar gente que pouco soma, e ao mesmo tempo ignorar pessoas que escreveram páginas importantes da nossa história.

Camilo Cola foi deputado federal pelo Espírito Santo. Mas ele não se destacou tanto por isso. Este capixaba, que nos deixou aos 97 anos, foi um veterano de guerra. Aos 21, era tenente do Exército Brasileiro e integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Europa, em 1945. Nascido em Conceição do Castelo, no Espírito Santo, foi um dos heróis nacionais na tomada do Monte Castelo, na Itália.

De origem humilde, aprendeu o valor do trabalho e construiu um império. Foi o fundador da empresa Viação Itapemirim, uma das maiores e mais importantes do país. Não foi a única. Empreendedor, teve atuação também nos ramos do turismo, construção civil, na área de seguros e no agronegócio. Ajudou a gerar emprego e renda por aqui. Camilo era perfeito? Certamente não. Ninguém é. Mas por tudo que fez, merecia mais destaque e homenagens mais robustas.

Na FEB, Camilo lutou contra fascistas e nazistas. Curioso. Não vi nenhuma manifestação dos que hoje se colocam como “defensores da democracia”. Não vi nenhuma menção de ditos antifascistas ao falecimento de Camilo. Será que o posicionamento político do capixaba explicaria isso? Grandes chances, afinal ele era “de direita”. E mais uma vez temos uma amostra de que para estes grupos (de esquerda), que se julgam detentores do monopólio da virtude, não interessa o que você defende, mas sim de que lado você está.

No Brasil funciona assim: Camilo Cola, mesmo com uma trajetória rica, não ganha homenagens. Assim como foram tímidas as manifestações em memória a Heley de Abreu Silva Batista, professora que em 2017 morreu após salvar mais de 20 crianças, depois que um maluco ateou fogo na sala de uma creche onde ela estava com os alunos, em Janaúba, Minas Gerais.

Neste mesmo Brasil, um policial militar foi morto semanas atrás durante incursão em uma favela, no Rio de Janeiro. Mas o maior destaque midiático foi para a morte dos quase 30 envolvidos com o tráfico de drogas – seja por registro policial, seja pelo relato de familiares que reconheceram os laços dos mortos com o crime. “Chacina” foi a palavra utilizada por muitos.

Estamos colhendo hoje aquilo que deixamos semear no país ao longo das últimas décadas. Com a nossa anuência, valores que eram caros a nós foram paulatinamente demolidos. Ser um sujeito correto virou careta. Com exceções, nossas escolas – especialmente as públicas – deixaram de ensinar e passaram a doutrinar. Sob o pretexto de questionar (algo sempre bem-vindo, desde que feito com ética e da maneira correta), pilares que sustentaram a construção da sociedade ocidental foram colocados abaixo.
O reflexo desse caldo torto, de gosto duvidoso e de odor putrefato hoje pode ser visto, por exemplo, nas recentes decisões do Supremo Tribunal Federal. E se chegou lá, vai demorar para arrumar.


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