Acordo na Ucrânia
Um acordo com Putin, nos moldes em que estão sendo cogitados, exige muitas precauções. Especialmente no que toca à exigência de a Ucrânia passar a fazer parte da Otan
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Vou continuar com meu exercício de pitonisa feito na coluna de 9 de novembro a respeito de um acordo para pôr fim à guerra na Ucrânia. Minha elocubração da ocasião tinha por base uma possível ação de Donald Trump após assumir a presidência dos Estados Unidos. Isto porque ele disse que assumiria num dia e terminaria com a guerra no outro.
Trump ainda não assumiu, mas o presidente ucraniano Volodimir Zelensky declarou que já falou com ele, tendo ficado satisfeito com a conversa. Pois, nesta segunda-feira, Zelensky fez uma revelação sobre o que entende ser possível levar ao fim da guerra. E esta revelação coincide com o que considerava possível de acontecer.
CONDIÇÕES
A manchete estampada pelos jornais mundo afora nesta segunda-feira dizia: “Zelensky sugere que cederia território em troca de proteção da Otan”. Esta mudança de tom foi feita durante entrevista exclusiva à emissora britânica Sky News. O presidente ucraniano deixou claro que a proteção da Otan seria sobre os territórios ucranianos que estão sob controle do governo. Aqueles que estão sob controle da Rússia ficariam para uma posterior negociação diplomática. Eufemismo para dizer que está concordando em entregá-los a Moscou.
O que resultaria disto? Zelensky teria que engolir a entrega de seus territórios à Rússia. Algo que contradiz com sua mobilização junto ao Ocidente, em busca de armamentos e recursos para tentar expulsar os russos de seu território. E o russo Vladimir Putin teria que engolir a entrada da Ucrânia na Otan. Algo que ele declarou antes da guerra que não aceitaria. E algo que foi o motivo pelo qual ele deflagrou a 24 de fevereiro de 2022 o que chamou de “operação militar especial”.
AJUDA
Na conversa telefônica que Zelensky teve com Trump, é possível que o presidente eleito dos EUA tenha lhe dito claramente aquilo que insinuou durante a campanha eleitoral, ou seja, que iria parar com a ajuda à Ucrânia, cujo montante já chegou a 67 bilhões de dólares. Já os países da Europa, embora estivessem dispostos a continuar com a ajuda, também estavam, como ainda estão, sentindo o peso financeiro que isto implica.
Para os europeus é preciso considerar também a má vontade que Trump tem para com a Otan. Quando esteve no governo fez cobranças fortes aos parceiros, no que toca à contribuição de cada um para organização, cujo percentual de 2% do PIB não estaria sendo atendido. Trump ameaçou cair fora da organização. O que seria um enorme impacto, tendo em vista que isto corresponderia à saída da Aliança Atlântica da maior potência militar do planeta.
PRECAUÇÕES
Um acordo com Putin, nos moldes em que estão sendo cogitados, exige muitas precauções. Especialmente no que toca à exigência de a Ucrânia passar a fazer parte da Otan. A história mostra que não dá para confiar que Putin, recebendo 20% do território ucraniano, irá se contentar com isto. Basta lembrar a negociação do chanceler britânico Chamberlain com Hitler, por ocasião da Segunda Guerra. Entendendo que Hitler, ao receber parte da Tchecoslováquia pararia a guerra, concordou com a entrega.
Embora a intenção do acordo fosse entregar a Hitler apenas os Sudetos (cadeia de montanhas na fronteira entra a República Tcheca, Polônia e Alemanha), Chamberlain acabou cedendo também à máquina de guerra nazi 66% do carvão tchecoslovaco, 70% do ferro e do aço e 70% da energia elétrica. E o que se viu depois? Hitler seguindo com avanço sobre a Europa.
MEDIDA
Daí ser condição fundamental para a entrega de territórios a Putin que ele aceite a entrada da Ucrânia na Otan. Neste caso, se Putin quiser avançar sobre um metro a mais do que lhe foi concedido, estará declarando guerra à Otan. E, convenhamos, com o tempo e o desgaste que está tendo no enfrentamento de apenas um país, irá pensar múltiplas vezes antes de enfrentar os 34 membros da Aliança Atlântica.
Mas, como salientei no início, trabalho no terreno dos indícios e das hipóteses. E estas são as que nos induzem à esperança de que se coloque fim a esta cruel guerra.