Juventude sem esperança é combustível para o Hamas

Juventude sem esperança é combustível para o Hamas

30 Anos Após o Acordo de Paz. Uma análise aprofundada das complexas dinâmicas que envolvem o conflito de décadas entre Israel e a Palestina.

Jurandir Soares

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Volto a lembrar que, há 30 anos, israelenses e palestinos assinaram um acordo de paz, com o correspondente reconhecimento do Estado da Palestina e do Estado de Israel. Isto se deu depois de a Organização de Libertação da Palestina, que se destacara em atentados contra Israel, ter deposto as armas e ter partido para a via da negociação, através de seu líder Yasser Arafat. Ele foi signatário do documento pelo lado palestino, com o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin e o chanceler Shimon Peres, pelo lado israelense. Os três foram contemplados com o Prêmio Nobel da Paz. O tempo foi passando, Rabin foi assassinado por um jovem judeu radical, e os termos do acordo não foram sendo colocados em prática. E o que se viu foi um endurecimento maior com a questão por parte das autoridades israelenses e um descaso e relaxamento por parte das próprias autoridades palestinas. E o que aconteceu nesse período? Aumentou a frustração entre os palestinos e deu lugar ao ressurgimento do movimento terrorista palestino, agora através do Hamas. Este, em 2007, tomou conta da Faixa de Gaza, praticamente subjugando aquela parcela dos palestinos que ali vivem.

A protelação da criação do Estado da Palestina está fazendo a juventude palestina que vive na Cisjordânia, onde impera a moderação, ir perdendo a esperança e, com isto, ir abrindo terreno para o avanço do Hamas. Exemplo contundente é a mais recente eleição para a Universidade Birzeit, uma das mais importantes dos territórios palestinos. Os adeptos do Fatah, que sempre tiveram maioria, elegendo o presidente, perderam a eleição. Os partidários do Hamas colocaram 28 integrantes a mais no conselho. Outro detalhe, até na Cisjordânia despontam movimentos radicais, cujo objetivo é praticar atentados em Israel ou contra israelenses. Estes dados constam de uma matéria da BBC, que fala de uma geração que perdeu a esperança no sistema político. Nasceram sob a perspectiva de um acordo assinado há 30 anos, que nunca foi colocado em prática. E mostra entrevista com um jovem que diz: “Não temos perspectivas de futuro. Somos cidadãos de segunda classe. Assim, nossa escolha é entre ser prisioneiro ou mártir”.

Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo, em entrevista à AP, diz que a situação se complica pelo fato de Tel Aviv não ter cumprido o princípio de “terra por paz” que guia os acordos, sob o argumento de que a Autoridade Palestina falha continuamente em manter a segurança na região. Enquanto isso, muitos palestinos passaram a acusar o órgão de trabalhar não pelos interesses de sua própria população, mas de Israel, que, junto com os Estados Unidos, é responsável por financiar as forças de segurança locais. A coordenação da segurança está, desse modo, no centro da crise de legitimidade palestina. Mas não é o único fator que contribui para esse processo, pois há um panorama que inclui ainda o declínio do partido no poder, Fatah, cuja principal plataforma política, a solução de dois Estados, tem se tornado cada vez mais obsoleta. E surgem as acusações de corrupção e incompetência que recaem sobre a sigla e seu chefe, Mahmoud Abbas, que também é o presidente da Autoridade Nacional Palestina. Abbas, aliás, é um problema em si. Aos 87 anos, 17 deles no poder, ele é visto por muitos como um líder inapto.

Menachem Klein, autor de "Arafat and Abbas: Portraits of Leadership in a State Postponed" (Retratos da Liderança de um Estado à Espera), faz críticas ainda mais duras ao presidente. “Abbas reage de forma agressiva a qualquer oposição, governa por decretos presidenciais, usa a força para suprimir críticas legítimas e não possui nenhuma visão sobre como encerrar a ocupação israelense. Na prática, ele colabora com a anexação da maior parte da Cisjordânia por parte de Israel”, afirma. O pesquisador, que é professor emérito do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Bar-Ilan, em Israel, diz ver como única solução possível para o impasse a convocação de eleições presidenciais e legislativas, que não ocorrem desde 2006. Ou seja, a criação do Estado da Palestina, que é anseio daquela população, não encontra atualmente respaldo nem em Israel nem mesmo em sua própria liderança. Fatores que fazem crescer a desilusão dos jovens, que não veem perspectiva de futuro. O que abre o campo para serem cooptados para o terrorismo.


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