Jurandir Soares

O combate de Trump ao narcotráfico

Caberia às forças americanas abordar embarcações suspeitas e prender tripulantes. Fora disso é atropelo à lei

Há várias premissas sobre o narcotráfico em que há consenso. A primeira, de que precisa ser combatido. Outra, de que a América do Sul é uma grande produtora de drogas e que o mercado norte-americano é um destino prioritário. A chegada aos Estados Unidos se dá de diversas formas, sendo a principal por mar. Mais ainda, que há grandes evidências de que o regime de Nicolás Maduro na Venezuela é associado ao narcotráfico.

Tudo isto não justifica a forma como o presidente Donald Trump vem bombardeando embarcações com supostos traficantes. Já tivemos ao menos 10 episódios de embarcações bombardeadas e afundadas junto com os tripulantes. Foram ao menos 43 mortes sem que se tenha convicção de que se tratavam mesmo de traficantes. E há pelo menos um caso, de uma das vítimas, Rishi Samaroo, 41, que os parentes asseguram que era pescador, que nada tinha a ver com drogas.

VIOLAÇÃO

Essas ações violam as normas legais, pois caberia às forças americanas abordar as embarcações suspeitas, prender tripulantes e levá-los a julgamento. Fora disso é atropelo à lei. Uma caçada para eliminar um traficante só se justifica quando, sabidamente, se está em busca de uma figura contraventora conhecida, como foi o caso de Pablo Escobar. E como pode ser o caso muitos outros traficantes que lideram as múltiplas organizações existentes na América Latina, que vão dos cartéis Los Zetas e Sinaloa no México até os nossos PCC e Comando Vermelho, no Brasil, passando por tantos outros pelos países situados entre México e Brasil.

Assim é que tem-se que elogiar Trump por combater o narcotráfico, porém não se pode concordar com a forma como vem atuando. Os Estados Unidos se constituem numa das maiores democracias do mundo e onde a Constituição é cumprida à risca. Assim, não cabe ao presidente violar a lei para combater o narcotráfico.

MADURO

Trump demonstra ir em frente com sua estratégia. Tanto que disse nesta quinta-feira que poderia continuar a lançar ataques contra supostos traficantes de drogas sem que o congresso aprovasse uma declaração oficial de guerra. “Acho que estamos apenas tentando matar as pessoas que estão trazendo drogas para nosso país. Certo? Vamos matá-las.” Ou seja, Trump não está nem aí para as normas internacionais. Usa embarcações de guerra para operações que deveriam ser para a Guarda Costeira.

No entanto, o pano de fundo dessa ação de Trump parece não ser apenas o combate ao narcotráfico, mas a um regime que estaria associado ao sistema, que é a Venezuela de Nicolás Maduro. E, pelo que indica, ele já está prevendo uma invasão por terra, pois disse que, nesse caso, notificaria o Congresso, porém com a certeza de que o plano não enfrentaria nenhuma resistência dos legisladores.

DIFERENÇA

Uma ação dessa natureza não será fácil. Os EUA têm no seu histórico a invasão do Panamá, em 1989, que resultou na deposição e prisão do então presidente Manuel Noriega, acusado de ter transformado o país num centro de distribuição de drogas. Na ocasião foram utilizados cerca de 27 mil soldados americanos, tendo 23 resultado mortos e 324 feridos. Uma operação na Venezuela no atual contexto é muito mais complicada e teria custos muitos maiores, tanto em equipamentos como em vidas.

Daí a desconfiança com relação a essa ação. É possível que seja feito algum ataque específico contra algum ponto de distribuição de drogas no território venezuelano, rastreado pela CIA, que recebeu carta branca de Trump para agir no país. Mas daí a uma ação mais contundente para derrubar Maduro vai uma grande diferença. Embora nada seja descartável.

CONSUMIDOR

Por fim, cabe uma palavra sobre um ponto específico envolvendo a droga: o consumidor. Vejam o quanto é gasto para produzir e distribuir a droga e, mais ainda, no seu combate. Quantas vidas se perdem nesse caminho. Só não se fala no grande responsável por tudo isto, que é o consumidor.

Não houvesse quem consome, não haveria razão para produção e para o tráfico. O curioso é que nada se fala, em parte alguma, a respeito deste que é o maior responsável por toda essa catástrofe que se vive hoje. E o curioso é que em parte alguma se vislumbra alguma ação com relação ao elo final e principal responsável pela cadeia.