Retrocesso é trunfo do Hamas

Retrocesso é trunfo do Hamas

O reino saudita também condenou o país por seus...

Jurandir Soares

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O conflito do Oriente Médio deu um salto de conflagração com a explosão de um hospital em Gaza em que, segundo as informações, morreram cerca de 500 pessoas. O mundo ficou diante de uma dualidade de acusações. O Hamas atribuindo o fato a Israel, como decorrência dos bombardeios que vem fazendo em Gaza, e Israel atribuindo à Jihad Islâmica, outro movimento terrorista sediado na área e que costuma produzir foguetes de forma artesanal, recuperando, inclusive, artefatos disparados por Israel e que não explodiram. Não quero entrar no mérito da responsabilidade sobre o fato. Quero abordar o resultado do mesmo. Resultado político, independente das centenas de vidas perdidas. E este resultado, pelo menos no momento, está beneficiando o Hamas, que está conseguindo melar um dos maiores avanços que estavam se registrando na região: os acordos de Israel com países árabes.

O primeiro resultado foi a suspensão de uma reunião que deveria ocorrer nesta quarta-feira entre o presidente americano, Joe Biden, e lideranças árabes, em que se incluíam o presidente do Egito, Abdul Al-Sisi, o rei da Jordânia, Abdullah II, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mohamad Abbas, entre outros. Ao mesmo tempo a Arábia Saudita emitiu uma nota responsabilizando Israel pelo ataque. O reino saudita também condenou o país por seus “contínuos ataques contra civis, apesar dos apelos internacionais”. “A Arábia Saudita rejeita categoricamente este ataque brutal, uma violação flagrante de todas as leis e normas internacionais, incluindo o direito humanitário internacional”, declarou o Ministério das Relações Exteriores em comunicado divulgado nesta terça-feira. O governo saudita ressaltou a necessidade de a comunidade internacional “abandonar padrões duplos e seletividade” na aplicação do direito humanitário quando se tratam das “práticas criminosas de Israel”. Também pediu a abertura imediata de corredores seguros para a entrega de alimentos e medicamentos aos civis em Gaza. Ou seja, mesmo que não tenha sido Israel quem fez o ataque, para o mundo árabe isto parece fato incontestável.

Com isto o Hamas consegue evitar o que estava prestes a acontecer, ou seja, a assinatura de um acordo de paz e de cooperação entre Israel e Arábia Saudita. Seria mais uma etapa dos chamados Acordos de Abrahão, implementados por iniciativa do então presidente dos EUA Donald Trump e que resultaram na assinatura de acordos de paz de Israel com Emirados Árabes Unidos, Barhein, Marrocos e Sudão. A aliança israelo-saudita seria a coroação de um processo que poderia resultar não só na concretização do Estado da Palestina, como no desenvolvimento extraordinário daquela área. Os sauditas colocavam a questão palestina como um elemento básico para a assinatura do acordo. E este acordo implicaria uma parceria que incluiria a tecnologia e o conhecimento de Israel com os investimentos árabes. Conforme fora ressaltado, o objetivo era transformar a Palestina num novo Vale do Silício ou numa nova Luxemburgo.

Este retrocesso deixa claro que o Hamas não quer a concretização do Estado da Palestina, tampouco a felicidade dos palestinos. Quer, como já disse na coluna de terça-feira, é criar um estado fundamentalista islâmico. Aliás, essa organização que impõe o seu domínio sobre a Faixa de Gaza se serve dos civis palestinos para serem seus escudos. E como disse Thomas L. Friedman, editorialista de Política Internacional do New York Times, “o Hamas força Israel à loucura para incendiar a aproximação árabe-israelense”. O fato é que, mesmo que não tenha sido Israel o autor do ataque ao hospital, os bombardeios que o país faz sobre a Faixa de Gaza depõem contra ele. Afinal, em decorrência da caça aos terroristas morrem contingentes de civis palestinos. E, em função desses bombardeios, a suposição maior que fica é de que foi um míssil de Israel que atingiu o hospital. Buscar provar que não foi é o grande desafio para os israelenses.


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