Retrocesso e solução

Retrocesso e solução

O melhor caminho, talvez o único, é dois Estados para dois povos

Jurandir Soares

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Um dos atos políticos mais significativos decorrentes dos atentados terroristas praticados pelo Hamas em 7 de outubro foi o retrocesso nas negociações para o que seria um histórico acordo entre Israel e Arábia Saudita. E este retrocesso fica estampado pelas palavras escolhidas pelo regime saudita para condenar os bombardeios israelenses ao campo de refugiados de Jabalia, em Gaza. Para os sauditas o ataque foi “desumano” e a ofensiva sobre “a assediada Gaza um banho de sangue” cometido pelas “forças de ocupação israelenses”. Esta censura é a mais recente demonstração de um retrocesso que, seguramente, irá implicar uma demora na retomada das negociações. No dia 13 de outubro, Riad anunciou que o acordo se tornava impossível no curto prazo. E isto ocorre menos de um mês depois de uma entrevista concedida pelo príncipe Mohamed Bin Salman, no dia 20 de setembro, à Fox News, em que afirmou que “o acordo estava a cada dia mais próximo”.

Apesar dos terríveis atentados praticados pelo Hamas, a ofensiva israelense, que já provocou a morte de mais de 9.000 civis palestinos, não deixou alternativa para o regime saudita, que trata de recuperar “sua posição central no mundo islâmico, em um momento de sofrimento muçulmano em Gaza”, analisa, no New York Times, Kristian Contes Ulrichsen, especialista em Oriente Médio do Instituto Baker da Universidade de Rice, em Houston. O acordo com os sauditas seria a coroação dos chamados “Acordo de Abrahão”, iniciativa do então presidente norte-americano Donald Trump, que já resultaram em tratados de Israel com Emirados Árabes Unidos, Barhein, Marrocos e Sudão. Algo visto como capaz de promover uma cooperação para levar a um extraordinário crescimento no Oriente Médio e, ao mesmo tempo, firmar uma aliança entre países que têm um inimigo em comum, o Irã. Assim como Israel, as monarquias sunitas do Golfo Pérsico têm profundas divergências com o regime xiita dos aiatolás.

É verdade que sempre se falou nos benefícios que estes acordos trariam para a região, incluindo-se os palestinos. Porém, nunca se falou especificamente na constituição do Estado da Palestina, reivindicação histórica do pessoal que vive na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Pois esta guerra está deixando mais claro do que nunca a necessidade de se trabalhar pela constituição de tal objetivo. Em primeiro lugar, é preciso salientar que ficou nítido que Hamas não luta pela constituição de um Estado palestino, mas de um estado fundamentalista islâmico. E isto passa, na visão do grupo, pela destruição de Israel. Assim é, que é preciso dar força para o Fatah, da Autoridade Palestina, estabelecido na Cisjordânia, que já declarou publicamente que aceita a existência de dois Estados, Israel e Palestina, convivendo com fronteiras definidas e seguras. Este Fatah foi corrido de Gaza pelos Hamas.

Um passo importante neste sentido foi dado nesta sexta-feira, em Tel Aviv, pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken. “A única maneira de garantir uma segurança duradoura” para Israel é os palestinos “realizarem as suas aspirações legítimas para o seu próprio Estado”, disse Blinken numa entrevista coletiva. “O melhor caminho, talvez o único, é dois Estados para dois povos." Esta, sem dúvida, é a questão chave desse conflito. Mas não é fácil no atual contexto, porque implica agora não só a implementação de negociações políticas para tal como também ações de força para eliminar o Hamas. E essa eliminação do grupo terrorista passa, fundamentalmente, por dois países. Irã e Catar, que são os seus financiadores e fornecedores de armamentos. O apoio do Irã não surpreende, pois se trata de uma república fundamentalista islâmica, plenamente identificada com os ideais do Hamas. Agora, o que surpreende é o apoio do Catar, uma monarquia do Golfo que, a exemplo de seus vizinhos, investe maciçamente nos negócios de turismo. Algo que ficou escancarado com o fato de ter sediado recentemente a Copa do Mundo de futebol.

Trabalhar nesse sentido é o caminho para o pós-guerra, numa iniciativa que deve ser conduzida pelos Estados Unidos. Mas, sabidamente, não será tarefa fácil, porque, apesar de todas estas questões expostas, acrescenta-se o ódio que está sendo retroalimentado com esta guerra.


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