Vizinho incômodo
Crise entre Venezuela e Brasil está mexendo com alguns radicalismos e corre o risco de escorregar para um confronto mais sério, tendo em vista as questões regionais
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Deveria estar falando hoje sobre as eleições dos Estados Unidos, que acontecem na próxima terça-feira, pela importância que o país tem no contexto internacional. No entanto, torna-se necessário seguir falando a respeito da crise que se estabeleceu com a Venezuela, desde que o Brasil decidiu vetar a entrada do país vizinho no Brics. Isto porque esta crise está mexendo com alguns radicalismos e corre o risco de escorregar para um confronto mais sério, tendo em vista as questões regionais. Questões estas que escorregam para algo muito mais perigoso que é a pretensão venezuelana à maior parte do território da Guiana.
ETAPAS
Vamos então ao tema por etapas. Começo com o fato de que o ditador Nicolás Maduro não acreditava que o Brasil fosse manter o veto ao Brics, tanto que tomou seu avião e foi a Kazan, na Rússia, onde se realizava o encontro. Lá ainda fez uma cobrança ao chanceler Mauro Vieira sobre o tema, o qual teria lhe dito que o Brasil não vetaria. Pelo menos foi isto que Maduro disse e que está em um áudio, no qual aproveita para ridicularizar o nosso chanceler, dizendo que ele ficou nervoso na sua frente, quase desmaiando. O que foi objeto de risos debochados dos que o ouviam.
Na sequência vieram as críticas ao Itamaraty, que estaria conspirando contra a Venezuela. E estas começaram por Mauro Vieira, passaram pelo diplomata Eduardo Segoya, que referendou em Kazan a decisão brasileira, e chegaram até o grande amigo de Maduro, o encarregado das questões internacionais Celso Amorim.
PRESERVAÇÃO
O presidente Lula foi preservado, como se fosse possível afastá-lo de uma decisão que é apresentada pelo Itamaraty. E que, evidentemente, representa a posição do governo brasileiro, cuja autoridade máxima é justamente Lula. Segundo o embaixador aposentado Rubens Barbosa, Maduro ainda estaria guardando a esperança de um encontro com Lula na COP 30, a ser realizada no próximo ano em Belém, Pará, e ouvir do brasileiro um aceite à Venezuela.
No entanto, se Maduro tenta preservar Lula, isso não está acontecendo com seus parceiros. Nesta quinta-feira, a Polícia Nacional Bolivariana, controlada pelo chavismo, publicou em suas redes sociais uma imagem que mostra a silhueta do presidente Lula, com o rosto borrado, e a bandeira brasileira desfigurada, acompanhada da mensagem de que Caracas “não aceita chantagens de ninguém”. Na imagem ainda há a hashtag “Quem mexe com a Venezuela se dá mal”. “Nossa pátria é independente, livre e soberana. Não aceitamos chantagem de ninguém, não somos colônia de ninguém. Estamos destinados a vencer”, diz. A publicação ainda marca o perfil de Diosdado Cabello, ministro do Interior e influente dirigente chavista. Ou seja, Lula deixou de ser poupado.
GUIANA
Na entrevista que nos concedeu para o programa Acontecendo da Rádio Guaíba, comandado por Lasier Martins, o embaixador Rubens Barbosa chamou a atenção que é preciso manter uma boa relação com a Venezuela, não só por questões econômicas e pagamento de dívida, mas em função da Amazônia. Segundo ele, o combate ao crime organizado, contrabando de drogas e armas naquela área exige cooperação. E mais, há a questão da Guiana, que, “se a Venezuela invadir, e eu espero que isto não venha acontecer”, poderemos ter implicações com o Brasil. Neste caso, eu lembro que, para invadir a Guiana por terra as tropas venezuelanas têm que passar pelo território brasileiro. Daí também a necessidade de o governo brasileiro tentar dissuadir os chavistas de se meterem nessa aventura, pois parece certo que Inglaterra e Estados Unidos viriam em defesa da Guiana, travando-se uma guerra aqui em nossa vizinhança.
ROMPIMENTO
Porém, o momento atual é de um atrito cada vez maior entre Brasil e Venezuela. Os últimos acontecimentos estão comprovando isto, Vale lembrar que Maduro chamou “para consultas” o seu embaixador em Brasília, ao mesmo tempo em que convocou o embaixador brasileiro em Caracas para dar explicações. No jargão diplomático, isto é um pré-rompimento de relações. Porém, Maduro está na espera da COP 30 e não vai fazer isto.
Lula, de sua parte, sofre dois tipos de pressão. Uma, dos setores que estão convencidos de que o regime de Maduro é uma ditadura e que as eleições de julho foram fraudulentas. Estes querem a ruptura. Porém, setores influentes do PT não querem saber de rompimento. Até porque, dentro do partido, há muitos setores que entendem que tudo hoje na Venezuela é uma maravilha. Não olham para os 7 milhões de venezuelanos que foram obrigados a deixar o seu país. Tampouco questionam por que María Corina Machado e Edmundo González tiveram que se exilar na Espanha. O fato é que Maduro, de aliado do governo brasileiro, se tornou um vizinho incômodo.