Há 130 anos acompanhando a política do RS
Da Revolução de 1923, com a posse de Borges de Medeiros, passando pela eleição de Leonel Brizola, até os mais recentes fatos, o Correio do Povo tem realizado uma cobertura jornalística detalhada da política gaúcha

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Esqueçam textos sucintos, a linguagem direta e o pouco espaço das páginas de jornais atuais. Há 130 anos, coberturas políticas não prezavam pelo famoso “lead” jornalístico (o quê, quando, onde e como) no primeiro parágrafo, tampouco no segundo. Não economizavam, também, nas palavras e pompas. Mas, desde então, se propunham a noticiar com imparcialidade momentos conflituosos da política gaúcha. Foi com essa proposta que o Correio do Povo nasceu, logo após a Revolta Federalista, entre 1893 e 1895. E foi assim que o jornal viria a cobrir, poucos anos depois, a Revolução de 1923.
O estopim para o conflito? A posse de Borges de Medeiros, em 25 de janeiro de 1923. Sob o título: “Foi conhecido e proclamado presidente de Estado, para o quinquênio de 1923-28, o dr. A. A. Borges de Medeiros”, a página narra a sessão que reconduziu Borges ao governo (à época chamado de presidência), pela quinta vez consecutiva. E, em cinco das nove colunas da longa página de jornal, a reportagem narra os discursos dos parlamentares que alçaram o chimango ao posto novamente, descrevendo os acontecimentos da sessão parlamentar que sacramentou a decisão.
Na página seguinte, duas longas colunas, em letras garrafais, apontam para o artigo “Pró-Assis Brasil”, exemplificando o que nos dias atuais chamamos de um contraponto – ainda que pouco comum, visto que em posses usuais e democráticas não há o contraditório.
É com esse olhar e se valendo dos longos textos que o Correio do Povo fez a cobertura da posse de outros tantos governadores gaúchos desde 1895, principalmente daqueles que marcaram a história do Estado. Como Getúlio Vargas, em 1928.
A posse do “presidente” de Estado, que viria a ser presidente do país, começou nos jornais antes mesmo do ato. O foco da matéria? As caravanas que chegavam para prestigiar o evento: políticos, jornalistas, empresários, produtores. A descrição de quem chegava tinha muito mais destaque do que as – quando ocorrem – citações de autoridades no pé da matéria de hoje. Mas, apesar dos 95 anos que separam a última cobertura de posse de governo para a que Getúlio foi levado ao poder, algumas semelhanças ficam: como o espaço dado a quem sai (neste caso, Borges de Medeiros) e para os secretários que atuarão no governo.
No dia seguinte à cerimônia, o jornal trazia, como hoje o faz, a notícia da solenidade, estampando em negrito a promessa de Getúlio de “ser fiel cumpridor dos deveres do meu cargo, em cujo exercício não faltarei jamais às inspirações do patriotismo, da lealdade e da honra". As letras miúdas e o dobro de colunas na página do jornal, apesar de visivelmente tão distintas, seguem apresentando as afinidades com o dia a dia. Tanto na cobertura quanto no evento em si. Seja pela descrição da transmissão de cargo, seja pelo público que até hoje lota o Palácio Piratini para acompanhar o evento.
Assim como as peculiaridades, que já aconteciam e vão seguir acontecendo na política: o vice, Dr. João Neves da Fontoura, não participou da solenidade, à época celebrada no edifício da Faculdade de Medicina da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Estava doente.
Leonel Brizola e Pedro Simon
Leonel Brizola não foi presidente do Rio Grande do Sul, tampouco do país – embora tenha tentado – mas foi um dos maiores nomes da política nacional e tornou o governo gaúcho símbolo de resistência durante a Campanha da Legalidade, que antecedeu à Ditadura Militar. Nas páginas do Correio do Povo, a reportagem que trata de sua posse, em 31 de janeiro de 1959, demonstra já no título o que viria a ser uma das marcas de Brizola enquanto político: o apoio popular. “Sob intensas manifestações populares, o Sr. Leonel Brizola assumiu o governo do Rio Grande do Sul”, diz o texto em letras garrafais. Ao lado, a foto da multidão, apesar de pouco nítida, não impede a compreensão do momento.
Apesar disso, a mesma página que traz, na notícia da posse de Brizola, os sinais da importância que o político viria a ter no cenário nacional, demonstra também pouca relação com o jornalismo de hoje. Seja pelo posicionamento das notícias – a posse do governador não está na capa e, sim, na “contracapa”, a última página do jornal. Seja pela divisão da página com outras matérias, a exemplo de uma reportagem sobre o ministro da Economia. Ou, ainda, porque a notícia que traz o resultado da eleição para a presidência da Assembleia Legislativa tem, em seu pé, o indicativo de que o restante está na página ‘30a’. No meio do jornal.
Agora, quando o lapso temporal diminui consideravelmente, o que resta é um jornalismo bem próximo ao que conhecemos, mas em um tempo onde o impresso não brigava com o digital pela atenção dos leitores. E é assim que, há 38 anos, o Correio do Povo fez a cobertura da posse de Pedro Simon, primeiro governador eleito diretamente após a redemocratização. Com direito a uma caderno especial, a ascensão do emedebista teve direito até a uma espécie de “minuto a minuto”, prática comum no futebol, onde se narra os lances de um jogo, só que com o do dia do governador, narrando desde o momento em que ele deixa sua casa, pela manhã, em direção ao cemitério – para visitar o túmulo de familiares, até às 20h, que retorna para um coquetel com os mais íntimos.
O jornal, em preto e branco, não economizou nas fotos e letras garrafais, no longo texto sobre o discurso do governador, que prometia salvar o Estado de uma crise fiscal que perdurou por muito mais tempo do que o seu governo, e no espaço aos atores secundários – deputados, secretários e o ex-governador. Era, afinal, outros tempos.