Aguardando a trégua do clima para trabalhar

Aguardando a trégua do clima para trabalhar

Produtores de soja e milho, com insumos comprados, pretendem escalonar plantio aproveitando os intervalos de tempo seco e dar bastante atenção ao manejo cuidadoso das lavouras de milho e soja em tempo de precipitações abundantes

Por
Itamar Pelizzaro

Os produtores gaúchos estão à espreita das condições climáticas para avançar na semeadura do milho, que tem projeção de 817 mil hectares e já teve metade da área plantada no Estado, conforme estimativa da Emater/RS-Ascar. Em regiões onde os plantios já foram feitos, as chuvas causaram perdas de nutrientes, e produtores têm reaplicado a adubação nitrogenada em cobertura devido às perdas ocasionadas pela lixiviação. Para o diretor executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro-RS), Sérgio Feltraco, a intenção de plantio deve se manter, apesar das condições climáticas desfavoráveis.

Segundo Feltraco, o produtor já está estruturado para a implantação das lavouras de milho. “Não acreditamos que, por conta das questões climáticas, ele possa inverter sua intenção de plantio, substituindo a semeadura da área planejada de milho, destinando esse espaço para soja”, afirma. Para o diretor, ainda não há prejuízo à cultura. “Diante do cenário de El Niño, as previsões colocam distribuição de chuva durante o ciclo produtivo, e a gente acredita que nesta campanha poderemos ter resultados positivos na produção de grãos no Estado”, diz. “Fazendo a semeadura de forma adequada, dentro de períodos recomendados, teremos condições para produzir volumes de milho significativamente maiores do que aqueles registrados na última safra”, acredita.

Coordenador da Câmara Setorial do Milho da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e da Comissão de Grãos da Federação da Agricultura (Farsul), Paulo Vargas recomenda ao produtor eficiência nas aplicações para compensar as janelas climáticas pequenas. Vargas afirma que o produtor está semeando o milho de forma escalonada, conforme o tempo permite. A consolidação da área projetada ainda está em aberto. "Vai depender muito da Metade Sul, com o sistema de irrigação sulco-camalhão, se conseguir plantar na época correta, que ainda está em fase de instalação da cultura", analisa.

Conforme a Emater/RS-Ascar, a semeadura alcançou 55% da projeção de área, com lavouras predominantemente na fase de germinação e de desenvolvimento vegetativo. As regiões Oeste, Noroeste e Norte do Estado estão próximas de concluir a semeadura. Já nas regiões Sul, Central e Nordeste, as atividades foram prejudicadas devido ao encharcamento e excesso de umidade no solo. “Onde houver atraso, perde-se a melhor época de plantio para boa produtividade”, afirma Vargas. Na região do Planalto, chuvas mais localizadas têm permitido os tratos culturais nas lavouras já implantadas. “A região de Planalto, onde tem coxilhas, é diferente das Terras Baixas. Por aqui a semeadura está andando, um pouco mais lenta, entremeada por interrupções por períodos de chuva”, diz. Neste cenário, impõem-se ao agricultor contar com assistência técnica confiável para dar suporte para enfrentar as dificuldades.

Olho no tempo e nos calendários da soja

A expectativa de produção e produtividade elevadas para o ciclo 2023/2024 da safra de soja se mantém no Estado. Este ano, o segmento precisou pressionar politicamente o governo federal para evitar a imposição de um calendário reduzido para o plantio. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) atendeu ao pedido e estabeleceu calendários diferenciados para três regiões. O plantio no Rio Grande do Sul se inicia em 1º de outubro, com janelas até 8 de janeiro de 2024 (região dos Campos de Altitude), 18 de janeiro (região Sul-Sudeste) e 28 de janeiro (Norte-Nordeste). 

Mesmo que o clima provoque atrasos na semeadura, o produtor já está pronto para executar suas tarefas. “Ele já adquiriu insumos e fez planejamento de manejo das áreas de soja, o que vai se acentuar depois da colheita do trigo. A gente entende que haverá condições climáticas e estruturais que permitirão ter boas lavouras de soja durante o ciclo deste ano”, afirma Feltraco.

Vargas confirma que o planejamento da safra está aguardando execução e diz que a etapa pré-plantio de dessecação, normalmente um mês antes do plantio, já foi feita por parte dos agricultores. Aos que aguardam condições favoráveis, ele lembra que deve-se priorizar dias em que não haja risco de ocorrer deriva dos produtos pelo vento. 

Além de reforçar a importância dos aspectos agronômicos, Vargas alerta que o produtor deve estar atento à venda da produção. “Se o Brasil conseguir plantar bem e produzir bem, e os americanos e os argentinos também, acredito que o mercado vai cair. Então é importante buscar orientação para a comercialização da próxima safra”, recomenda. 

Solo encharcado inviabiliza dessecação de área onde soja será plantada em Jaguarão

Na propriedade da família Strauss, em Jaguarão, fronteira com o Uruguai, máquinas e insumos estão nos galpões. Os campos encharcados deverão causar atraso na semeadura da soja em uma área de cerca de mil hectares. O engenheiro agrônomo Róger Strauss, que é servidor estadual e tenta conciliar horários para ajudar o pai, Arlei, a mãe, Carmen, e o irmão, Renan, nas atividades rurais, percorreu a área na terça-feira e confirmou o encharcamento do solo. Assim, o início da dessecação do azevém, utilizado como planta de cobertura durante o inverno, e de plantas daninhas está inviabilizado, por enquanto. 

“O solo está todo encharcado. Precisaremos de um período de, no mínimo, sete dias sem chuva e com bastante sol para secar o solo e iniciar o processo de dessecação, para depois fazer a semeadura”, analisa Róger. Na safra passada, os Strauss começaram a dessecar os campos em 27 de setembro. “Hoje, 26 de setembro, não temos condições devido ao excesso de umidade. Já choveu mais de 400 milímetros em setembro em Jaguarão. No ciclo anterior, durante a safra, a precipitação durante todo o processo produtivo da soja foi de pouco mais de 400 milímetros”, compara.

Se persistir a umidade e a família se vir obrigada a fazer o manejo das terras em condições não ideais, há riscos de atolar o trator e de trazer impactos no solo, como rastros e afundamento, o que exigirá gradagem superficial para nivelamento que permita fazer os sulcos para deposição das sementes. “Começamos a nos atrasar se a chuva não der trégua”, afirma.

Nessa situação, o manejo inicialmente planejado de semear diretamente na palha após a dessecação será alterado. “Se ainda tiver muita umidade na época da semeadura, vamos ter de fazer uma gradagem leve para poder melhorar a plantabilidade”, afirma. Os Strauss sabem que os atrasos no plantio, planejado para novembro, afetarão os resultados. “Perdendo a janela ideal de semeadura, perderemos o potencial produtivo da soja”, diz.

Cuidados na semeadura garantirão boa produtividade

Em um cenário de incertezas, o produtor rural deve cuidar ainda mais dos aspectos técnicos para ter boa qualidade no plantio das culturas, o que vai garantir boa produtividade. “Se errar alguma coisa no plantio, não tem correção lá na frente”, alerta Paulo Vargas, da Farsul. As recomendações da entidade incluem ajustes para ter a população correta de semente nos sulcos de plantio, para melhor aproveitamento de luz e água, e rotação dentro das próprias culturas do milho e da soja. “É muito importante o plantio em velocidade correta, sem correria, com semente de qualidade, com dessecação feita com antecedência. Também é preciso semear com palhada seca para evitar encapsulamento de sementes”, alerta. “Ainda, ele tem que ter várias cultivares para escapar de qualquer problema mais sério.” 

Conforme Vargas, em um período chuvoso, a semeadura pode ser não tão profunda, o que vai garantir emergência mais rápida . Outra dica para um plantio de qualidade é ter espaçamento equidistante das sementes, para que não concorra disputa entre as plantas por nutrientes. 

O produtor recomenda evitada a aplicação de fertilizante a lanço, para não haver lixiviação. “De preferência, utilizar fertilizantes na linha de plantio e cobrir bem o sulco da semeadura, para ter proteção melhor”, afirma. “A semente bem colocada, de forma correta, no sulco e bem protegida vai ter potencial melhor de nascer bem ”, destaca. Nas regiões de coxilha, a erosão é evitada com o solo coberto por palhada o ano todo e rotação de culturas.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895