Canal completa 25 anos em mãos panamenhas

Canal completa 25 anos em mãos panamenhas

Em meio a ameaças de Donald Trump, panamenhos comemoram o aniversário de entrega do canal em cerimônia que homenageou Jimmy Carter

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Por
AFP

O Canal do Panamá celebrou, no último dia de 2024, seus 25 anos em mãos panamenhas em cerimônia solene em que o falecido ex-presidente americano Jimmy Carter foi lembrado e as ameaças de Donald Trump de recuperar a hidrovia interoceânica foram ignoradas.

A cerimônia, realizada no jardim da sede da Autoridade do Canal do Panamá (ACP), próximo ao canal, contou com a presença do presidente panamenho, José Raúl Mulino, e de centenas de convidados, incluindo a ex-presidente Mireya Moscoso, que simbolicamente recebeu o canal das mãos de Carter em 31 de dezembro de 1999. “Hoje sentimos a mesma emoção” que há 25 anos, disse Moscoso, que lembrou que, após assinar os documentos de entrega do canal, Carter lhe disse “it’s yours” (é seu) e ela começou a chorar.

Cerimônia realizada no jardim da sede da Autoridade do Canal do Panamá | Foto: Arnulfo Franco / AFP / CP

Mulino declarou em discurso que estava feliz pelos 25 anos de soberania panamenha no Canal, mas acrescentou que “uma tristeza nos invade devido à morte de Jimmy Carter”, que morreu dia 29 de dezembro, aos 100 anos. Em memória ao ex-presidente americano, ganhador do Nobel da Paz em 2002, foi observado um minuto de silêncio.

Carter e o líder nacionalista panamenho Omar Torrijos assinaram os tratados de transferência do canal em Washington em 1977. “Com a assinatura dos tratados Torrijos-Carter, os panamenhos comprometeram-se como nação com uma operação segura do canal, aberto ao trânsito pacífico para navios de todas as nações, em tempos de paz ou de guerra, e sem qualquer discriminação”, disse o chefe do ACP, Ricaurte Vásquez.

O canal de 80 quilômetros, construído pelos EUA, foi inaugurado em 1914. Para protegê-lo, Washington estabeleceu um enclave onde tremulava a bandeira americana e tinha bases militares, policiais e judiciais próprias. “O Panamá sempre terá gratidão por ter decidido, junto com meu pai, a devolução do canal e o desmantelamento da colônia, fazendo justiça histórica ao Panamá”, escreveu o ex-presidente panamenho Martín Torrijos (2004-2009), filho do general, no Instagram.

A presença americana gerou décadas de reivindicações panamenhas pelo controle da via. Na cerimônia de terça-feira, também foram homenageados cerca de 20 de panamenhos mortos em 1964, depois que alguns estudantes tentaram içar uma bandeira nacional na antiga área do Canal, então um enclave americano.

Além de Trump, a ameaça climática

Nem Mulino nem os outros oradores mencionaram as ameaças de Donald Trump em seus discursos. O presidente eleito dos Estados Unidos disse que o seu país deveria “retomar o controle” do canal por causa das “tarifas ridículas” que o Panamá cobra para passar por ele. “Essa completa fraude contra nosso país vai acabar imediatamente”, advertiu o republicano.

O republicano também acusou a China de interferir na rota interoceânica que liga o Pacífico ao Atlântico. Chegou até a afirmar que havia soldados chineses operando ilegalmente a via.

“Não há soldados chineses no canal, pelo amor de Deus”, respondeu o presidente panamenho, José Raúl Mulino.

“Qualquer tentativa de retroceder ou violar nossa soberania receberá a condenação e o repúdio de todos os panamenhos”, declarou o ex-presidente Omar Torrijos à AFP. “Nenhum delírio imperial de Trump vai causar um retrocesso, o canal é do Panamá e dos panamenhos”, afirmou à AFP o líder sindical Saúl Mendez, durante um protesto simultâneo à cerimônia no qual uma bandeira dos Estados Unidos foi queimada.

“Não há nada que una tanto os panamenhos quanto a defesa do canal. Mas ter uma relação tensa com a superpotência, principal parceira comercial e principal usuária do canal, é uma situação muito desvantajosa para um país como o Panamá”, explicou a cientista política Sabrina Bacal à AFP.

Canal do Panamá | Foto: Arnulfo Franco / AFP / CP

Além de Trump, porém, o canal enfrenta outra ameaça: uma seca que obrigou a redução do número de navios que transitaram pela via em 2023. Embora a situação hídrica tenha se normalizado, é necessário um investimento bilionário para desviar águas de um rio a fim de garantir o fornecimento de água para o canal.

“O Canal do Panamá é muito mais que uma infraestrutura estratégica”, é o motor da economia nacional, destacou o ministro do Canal, José Ramón Icaza, que afirmou ainda que a rota é “uma maravilha do mundo”.

A via interoceânica movimenta 5% do comércio marítimo mundial, contribui com 6% do PIB do Panamá e 20% de suas receitas fiscais. Desde 2000, gerou para o tesouro panamenho cerca de 28 bilhões de dólares, muito mais do que nos 85 anos de administração americana (1,87 bilhão de dólares).

Os Estados Unidos, com 74% da carga, e a China, com 21%, são os principais usuários do canal. O valor dos pedágios é determinado pela capacidade e carga do navio, não pelo país de origem.

No entanto, muitos panamenhos não se sentem beneficiados pelo canal. “Não deveríamos estar tão pobres como estamos, porque o canal gera muito dinheiro”, declarou à AFP Clotilde Sánchez, de 55 anos, faxineira em um prédio futurista em forma de parafuso na zona bancária da capital. “O povo não se beneficia com o canal, apenas os políticos se beneficiam”, concorda sua colega Nadili Pérez, de 40 anos.

Segundo Sabrina Bacal, “esse sentimento de não perceber os benefícios do canal existe há anos, mas a realidade é que o canal é a principal fonte de riqueza dos panamenhos”.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895