Como é viver em Presidente Lucena, a sexta melhor cidade do Brasil em qualidade de vida

Como é viver em Presidente Lucena, a sexta melhor cidade do Brasil em qualidade de vida

Município gaúcho se destacou em pesquisa que avaliou indicadores sociais e ambientais

Situada a pouco mais de 60 quilômetros de Porto Alegre, Presidente Lucena é uma das seis melhores cidades do Brasil

Por
Guilherme Sperafico

À primeira vista, Presidente Lucena parece apenas mais um pequeno município situado entre a Serra e a Região Metropolitana de Porto Alegre. O trânsito é discreto, formado quase sempre por veículos que cruzam a cidade apenas como atalho. Na avenida principal, que leva o nome da própria cidade, não é raro ver uma carroça, ou até mesmo uma junta de bois atravessando calmamente o centro, como quem reafirma que ali o tempo ainda corre em outra velocidade.

Em meio ao cotidiano simples, à tradição alemã mantida com orgulho e ao sotaque carregado de gerações que ainda falam o dialeto Hunsrückisch, Presidente Lucena acaba de conquistar um feito histórico: é o município com a melhor qualidade de vida do Rio Grande do Sul. E está entre os seis melhores do Brasil.

A colocação foi divulgada pelo Instituto Imazon, que elaborou um ranking com base no Índice de Progresso Social (IPS), avaliando os 5.570 municípios brasileiros. Presidente Lucena ficou na sexta colocação nacional, com 70,07 pontos, atrás apenas de Gavião Peixoto, Gabriel Monteiro, Jundiaí, Águas de São Pedro e Cândido Rodrigues — todos do interior de São Paulo.

A pesquisa leva em conta 57 indicadores sociais e ambientais, organizados em três dimensões: necessidades humanas básicas, fundamentos do bem-estar e oportunidades. Em todas elas, o município de pouco mais de 3 mil habitantes se destacou.

Presidente Lucena (RS) eleita a 6ª melhor cidade do Brasil para se viver | Foto: Ricardo Giusti

A notícia chegou como surpresa à população e ao prefeito Luiz Spaniol, que comanda o município após uma longa trajetória na agricultura, na indústria calçadista e na vida pública. “Ano passado ficamos em 11º. E este ano, para surpresa nossa, em sexto. A nível nacional é um ótimo resultado”, diz. Ele credita o desempenho à união entre comunidade, empresas e poder público. “O povo aqui é humilde, trabalhador, ordeiro. Isso faz toda a diferença”, acrescenta.

A fala pausada revela mais que orgulho, traduz um pertencimento cultivado desde a infância. Spaniol chegou a Presidente Lucena com um ano de idade, em cima de uma carroça de bois. Viu a cidade crescer com base em uma economia diversificada e num modelo de gestão enxuta. Cita duas empresas locais que empregam quase a mesma quantidade de trabalhadores do que a população local, e reforça que saúde, educação e saneamento são prioridades.

Com 3.077 habitantes, de acordo com o Censo 2022, a cidade mantém o abastecimento de água sob controle público, com 100% de cobertura. A coleta seletiva é tratada como parte da rotina familiar. As escolas oferecem turno integral e atividades culturais. Nos postos de saúde, o atendimento é rápido. E, segundo o prefeito, a criminalidade é quase inexistente. “Aqui é tudo mais igualitário. Não tem o rico bem rico nem o pobre bem pobre. Isso é uma das coisas mais maravilhosas que temos”, afirma.

A Prefeitura com prédio no estilo enxaimel é dirigida pelo prefeito Luiz Spaniol | Foto: Ricardo Giusti

Reconhecimento não altera a normalidade, mas orgulha os moradores

Mesmo com a fama repentina, a cidade segue seu próprio ritmo. Aos poucos, a população começa a perceber que aquele lugar tranquilo e de rotina previsível virou exemplo nacional. Um dos segredos apontados é, justamente, a tradição que não muda.

Um dos exemplos disto é Milton Dhein, de 54 anos. Agricultor desde menino, cruzava calmamente a avenida Presidente Lucena com uma junta de bois em pleno dia de semana para buscar pasto para fazer silagem, como faz com frequência. Vive na cidade desde que nasceu, antes mesmo da emancipação do município, em 1992. Diz que nunca quis sair e não vê razão para isso. “Para mim está tudo muito bom. Moro a vida inteira aqui”, destaca.

Milton vende batata-doce, aipim e trabalha com criação de gado e porcos. A produção é toda vendida para uma rede de supermercados da região. Os netos, pequenos, ainda não falam português, se comunicam apenas no dialeto alemão, herança dos imigrantes que colonizaram a região. “É uma cidade muito tranquila. Não falta nada. Só rezo para não ter problemas na saúde, o resto vai embora”, resume.

O agricultor Milton Dhein circula com uma junta de bois pela avenida mais movimentada da cidade | Foto: Ricardo Giusti

Carlos Carvalho, de 48 anos, é um dos que chegaram há pouco. Gerente de um posto de combustíveis, mora há quatro anos na cidade. “Eu vim pelo emprego. Começou com a minha esposa, que trabalha com confecção de roupas, e depois eu vim para cá”, relata.

Natural de Lagoa Vermelha, morou em Caxias e Farroupilha antes de decidir fixar residência em Presidente Lucena. “A cidade é um lugar muito bom de morar, acolhedor. Fui muito bem recebido, são pessoas de boa índole. Viemos para ter uma qualidade de vida melhor”, explica.

O mesmo sentimento é compartilhado por Ivan Seewald, 44 anos. Corretor de imóveis, conhece cada rua e vizinho da cidade, onde vive há 15 anos. Mudou-se porque familiares moravam na cidade e acabou ficando. “É uma cidade ampla, muito boa de morar. A qualidade de vida é excelente, todos se conhecem”, resume.

Para ele, a cidade passou a ser mais do que um lar: virou destino procurado por quem busca tranquilidade e estrutura. “Hoje, de dez clientes que pego da Região Metropolitana, oito optam por Presidente Lucena. A estrutura é muito boa, porque o alemão é muito conservador e gosta das coisas certinhas. Tu não vê lixo nas ruas. Se vê, alguém já recolhe. A gente cuida da cidade”, garante.

A tradição também está nas mãos de Gislaine Kehl, 31 anos, dona da Doces Ivotiense, que há 55 anos produz a tradicional schmier — doce de frutas típico, feito em diferentes sabores, sendo o mais conhecido de cana com batata-doce.

A fábrica começou de forma artesanal e hoje produz 1.600 quilos por dia, distribuídos em todo o Estado. “Nasci e cresci na cidade. É gratificante poder auxiliar de alguma forma. E feliz por ser moradora. A gente percebe a qualidade de vida, a saúde. Na educação, tenho um filho de dois anos e vejo que eles são muito bem cuidados nas escolas”, afirma.

Essa vocação para receber visitantes também é levada adiante por Augusto Dhein, 40 anos, que ao lado dos pais e do irmão conduz o restaurante Dheinhaus, em um dos imóveis mais simbólicos para a cidade, uma construção em estilo enxaimel, erguida em 1935, que já abrigou um armazém, um salão de baile e foi a primeira sede da Prefeitura.

Nos finais de semana, o restaurante recebe turistas da Região Metropolitana e da Serra. Muitos param na cidade justamente para almoçar ali. “A gente vai mantendo. Mesmo com o crescimento da cidade, tentamos manter a originalidade”, ressalta. No espaço ao fundo, há uma pracinha, pôneis, pequenos animais e uma estrutura que torna o passeio ainda mais atrativo para famílias com crianças.

Para ele, o reconhecimento também é motivo de orgulho. “O pessoal comenta sobre o prêmio, e quem conhece a Presidente Lucena sabe que, como todas as cidades, até tem problemas, mas são mínimos. A qualidade é bem boa. E o pessoal daqui ficou muito contente com o resultado”, conclui.

Resultado começa nas escolas e emociona quem ajudou a fundar a cidade

Assim como boa parte da população, Carla Thais da Silva Gomes, diretora da Escola Frederico Bervian, chegou a Presidente Lucena vinda de Porto Alegre, com a família, em busca de tranquilidade e melhores condições para viver. “Nós encontramos em Presidente Lucena a qualidade de vida que buscávamos, com saúde, educação e segurança”, diz.

Professora formada em 2007, ela assumiu a direção da escola onde 116 alunos, do pré ao 5º ano, estudam em tempo integral com alimentação completa, oficinas no turno da tarde e ensino da língua alemã. “As crianças têm direito a tudo, independentemente de a família contribuir ou não com o contraturno. O acolhimento é o grande diferencial”, afirma.

Além da qualidade pedagógica, a escola se destaca como aliada em políticas públicas do município. A coleta seletiva, por exemplo, virou hábito reforçado diariamente entre os alunos. “A gente tem os defensores da natureza, pequenos agentes que cuidam do ambiente. É um trabalho constante, feito com as famílias também. Não adianta só a escola ou só a casa, tem que ser em rede”, explica.

Para ela, o reconhecimento nacional é reflexo desse esforço coletivo. “Ficamos muito felizes. É o reconhecimento de uma trajetória que vem de muitos anos. A gente só tenta manter e qualificar”, ressalta.

A criminalidade em Presidente Lucena é tão rara que nem mesmo as autoridades locais conseguem lembrar a última vez que o município registrou um homicídio. Em 2023 e 2024, por exemplo, não houve, inclusive, nenhum caso de roubo. Os números recentes apresentados pela Brigada Militar mostram uma queda nas ocorrências gerais e um aumento expressivo nas ações preventivas.

O número de pessoas abordadas mais que dobrou desde 2022, saltando de 1.824 para 4.228 em 2024. A previsão para 2025 é ainda maior: mais de 5.500 abordagens — quase o dobro da população local. Segundo o tenente Luiz Fernando da Silva Quevedo, comandante da Brigada Militar de Ivoti — que é o responsável pelo efetivo de Presidente Lucena —, a estratégia tem sido de ostensividade, visibilidade e fiscalização. “Quanto mais se é visível ostensivamente, mais baixos são os índices de criminalidade”, afirma.

Para quem viu todo o trabalho que levou ao reconhecimento alcançado por Presidente Lucena começar, a emoção fala mais alto. Aos 84 anos, Antônio Nilo Hansen, primeiro prefeito da cidade, lembra com orgulho de ter participado da luta pela emancipação, conquistada em 1992. Hoje, ao saber que o município que ajudou a fundar é referência nacional, não consegue conter as lágrimas de felicidade. “É muito mais do que gratificante. Estamos colhendo aquilo que plantamos há mais de 30 anos”, diz.

Ele lembra do início difícil, sem infraestrutura, sem máquinas, nem mesmo veículos. “Tivemos que comprar tudo. Até picareta. Faltava energia para as indústrias. A schmier era feita com lenha”, recorda.

A luta, conta, começou quando percebeu que as demandas locais não eram atendidas. Com mobilização da comunidade, alcançaram os requisitos mínimos e convenceram o então governador Alceu Collares a assinar a criação do município. “Foi uma batalha, mas conseguimos. A população aqui é fiel, de bom coração. E o político não pode dormir, tem que pensar no futuro. E foi isso que fizemos até aqui”, conclui.

Presidente Lucena (RS) eleita a 6ª melhor cidade do Brasil para se viver 1ºprefeito: Antônio Nilo Hansen | Foto: Ricardo Giusti

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895