Conheça a nova centenária do Asilo Padre Cacique, em Porto Alegre

Conheça a nova centenária do Asilo Padre Cacique, em Porto Alegre

Ao longo de sua vida, Marlene Garcia Barreto atuou como cozinheira, governanta e costureira

Marlene Garcia Barreto, de 100 anos, reside no Asilo Padre Cacique desde o início deste ano e mantém uma rotina ativa e criativa

Por
Rodrigo Thiel

Enquanto a capa do Correio do Povo do dia 19 de agosto de 1924 destacava a fuga de rebeldes paulistas durante uma revolta contra o então governo de Artur Bernardes, governador de São Paulo, nascia em Encruzilhada do Sul, na região do Vale do Rio Pardo, uma criança chamada Marlene Garcia Barreto. Passados mais de 100 anos depois de seu nascimento, Marlene segue viva, lúcida e bem de saúde no Asilo Padre Cacique.

Ela chegou ao lar em janeiro de 2025 e, atualmente, é a única pessoa idosa centenária atendida pela instituição, localizada no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Ao longo de sua vida, Marlene atuou como cozinheira, governanta e costureira. Por ser especialista em alta-costura, ela chegou a trabalhar no Rio de Janeiro, confeccionando peças de roupas para artistas na segunda metade do século passado.

Para ela, a criatividade e o envolvimento em diversas atividades ao longo da vida foram essenciais para chegar aos 100 anos em boas condições de saúde.

“Acredito que o segredo da longevidade é se envolver em atividades que realmente valem a pena. Mas também gosto de dizer que foi Deus que me destinou a viver esse tempo todo. Durante toda minha vida, eu fui uma pessoa sadia, então isso também me ajudou a chegar aos 100 anos”, contou a idosa.

O início de uma manhã com temperatura amena, digna do final do verão, e o jardim interno florido do Asilo Padre Cacique foram o palco de uma conversa com Marlene. Vaidosa, maquiada, de colar no pescoço e vestindo roupas que ela mesma criou, a costureira aposentada falou sobre a sua jornada de vida e sua rotina em um dos mais tradicionais lares de idosos do RS.

MUDANÇA PARA PORTO ALEGRE

Marlene conta que, quando nasceu, seu pai e sua mãe não eram casados. Por isso, ela foi criada por uma tia. Aos 16 anos, decidiu sair de casa e se mudou para Porto Alegre e, inicialmente, residiu com outros familiares. Neste período, trabalhou como cozinheira e, aos poucos, foi descobrindo seu interesse por costura. Após fazer um curso na área, passou a trabalhar neste segmento, já na década de 1940.

“Eu já nasci com um dom para a costura. Aos 18 anos, já tomava conta da minha vida. Fiz de tudo um pouco, mas sempre atuando também como costureira. Fiz um curso de alta-costura com uma famosa professora que tinha aqui em Porto Alegre e vivi minha vida costurando. Também fui governanta em uma casa de uma família judaica no Bom Fim. Depois disso, fui para o Rio de Janeiro.”

ALTA-COSTURA GAÚCHA NO CASSINO DO CHACRINHA

Inicialmente, ela foi para Niterói, no Rio de Janeiro, para atuar de forma temporária. Depois, ela retornou, na década de 1960, para a capital carioca. No Rio de Janeiro, ela viveu por 15 anos e trabalhava para a família de uma das figuras mais icônicas da televisão e do entretenimento brasileiro: José Abelardo Barbosa de Medeiros, o popular Chacrinha.

“Foi uma experiência muito marcante na minha vida. Costurei para a família dele, principalmente para a esposa, a dona Florinda, e para a Wanderléa (cantora da Jovem Guarda), que namorava com um dos filhos do Chacrinha, o Nanato. Eu era costureira de fazer vestidos novos.”

Ela lembra ainda de uma peça que produziu para a cantora, que havia sido convidada para um casamento. “Fiz um vestido para a Wanderléa, no qual eu passei a madrugada costurando. Ele tinha um bojo bem lindo e todo abotoado. Quando perguntaram para ela onde tinha comprado o vestido, ela falou que foi em Londres. A dona Florinda ficou sabendo disso e ficou danada da vida com a Wanderléa”, completou.

Perguntada sobre a inspiração para costurar, Marlene afirma que, desde criança, gostava de brincar de boneca. Para tornar o momento mais divertido, ela costumava cortar retalhos de tecido e transformar em vestidos e peças de roupas para suas bonecas. Depois de residir no RJ, Marlene voltou ao Rio Grande do Sul. Desta vez, para morar na casa de uma sobrinha. “Fiquei com ela até recentemente. Ela faleceu em outubro.”

MUDANÇA PARA O PADRE CACIQUE

A morte da sobrinha fez com que Marlene buscasse um novo lugar para chamar de lar. Com isso, foi acolhida no Asilo Padre Cacique em janeiro deste ano. Depois de dois meses na casa nova, ela destaca o carinho com que foi recebida. “Estou encantada. Tudo organizado, limpo e um tratamento excelente. Já deveria ter vindo há mais tempo para cá”, celebrou.

No lar, Marlene encontrou na escrita uma nova paixão, mantendo um diário pessoal e criando poesias e contos. “Eu ainda não consegui trazer minha máquina de costura para cá. Mas tenho gostado muito de escrever. Para mim, escrever é uma forma de buscar paz e compreensão, algo essencial para viver bem em grupo. No meu diário, gosto de registrar as memórias do passado. Acho importante manter essas recordações vivas.”

A idosa ressalta que, além de escrever, gosta de ocupar suas mãos com pequenos trabalhos manuais, como bordado, crochê e tricô. “Me adaptei bem, mas é claro, existe um certo ciúme por conta dos meus 100 anos”, brincou sobre ser a mais velha e única centenária no lar. Além dela, o único com mais idade é o próprio asilo, que completa 130 anos em junho de 2025.

O Asilo Padre Cacique é uma instituição centenária, não governamental e sem fins lucrativos, localizada em Porto Alegre, dedicada ao acolhimento e cuidado de idosos em situação de vulnerabilidade. Fundado em 1895, o asilo oferece moradia, assistência médica, atividades recreativas e culturais, garantindo qualidade de vida e bem-estar aos seus residentes. De acordo com a instituição, ao longo dos anos, o local se tornou referência na cidade pela sua atuação humanizada e pelo compromisso em proporcionar dignidade e conforto aos idosos que vivem no asilo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895