Cultivar para reacender interesse pelo feijão

Cultivar para reacender interesse pelo feijão

Variedade rajada, lançada neste mês pela Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul, mostra boa produtividade e chance de melhor preço para uma cultura que vem cedendo espaço para o plantio da soja

Por
Camila Pessoa*

Depois de 11 anos de pesquisa, a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) lançou, no início de abril, uma nova cultivar de feijão: a RS Centenário. Pertencente ao grupo comercial de feijões rajados, a cultivar possibilita a colheita mecanizada e tem um ciclo de produção mais tardio, o que leva a um melhor enchimento dos grãos e melhores índices de produtividade. A inovação chega em um momento em que o cultivo da leguminosa perde espaço na agricultura gaúcha, mesmo com o preço acima de R$ 250,00 a saca.

A previsão da Emater/RS-Ascar é que sejam colhidas 70,25 mil toneladas de feijão na primeira e segunda safras, o que representa uma perda de 27% em relação às estimativas iniciais. Se confirmada, esta será a segunda menor colheita da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1970, ficando atrás apenas do ano de 1986, quando a produção foi de 60,68 mil toneladas. Em área semeada também houve um decréscimo significativo, com estimativa de 52,2 mil hectares, cerca de metade das lavouras de 2010, quando foram plantados 103 mil hectares de feijão.

Juliano Garcia Bertoldo, melhorista do Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa da Agricultura Familiar (Ceafa) da SEAPDR, que desenvolveu a variedade com outros dois pesquisadores, conta que a RS Centenário foi nomeada em homenagem aos 100 anos da pesquisa agropecuária no Rio Grande do Sul, completados em 2019 e contados a partir da data de fundação da Estação de Seleção de Sementes, primeira ação oficial de pesquisa agropecuária do governo do Estado. De acordo com Bertoldo, trata-se de uma variedade de feijão diferente do preto e do carioca, mais conhecidos, podendo ter maior valor no mercado. 

Evolução da cultivar Iraí, também rajada, a RS Centenário tem produtividade que pode chegar a 1,68 tonelada por hectare, com semeadura adequada aos períodos de safra e safrinha, em lavouras irrigadas ou não, em plantio convencional ou direto e também para cultivos orgânicos. “É importante que outros tipos de feijões sejam disponibilizados aos agricultores e consumidores”, ressalta Bertoldo, segundo o qual cada tipo de feijão tem diferentes características nutricionais.

  Diferente dos feijões tradicionais. Foto: Juliano Garcia Bertoldo / Seapdr / Divulgação

A secretaria espera lançar, ainda este ano, outras cultivares, de feijão preto e de carioca. “Já temos algumas linhagens em fase de avaliação preliminar e outras em etapas mais avançadas”, relata Bertoldo. A variedade do grupo preto, diz, está mais avançada e apresentou bons resultados de rendimento. Sobre a queda na produção do alimento, Bertoldo salienta que ela aconteceu em outros grãos, como milho, trigo e arroz, com os produtores migrando para o cultivo da soja. 

“É importante a produção de novas variedades, novos incentivos do governo e políticas públicas que promovam o incentivo do feijão”, ressalta Juliano Bertoldo. “Ao longo de vários anos se percebe essa tendência (de queda na produção de feijão) e é importantíssimo que novas políticas sejam adotadas para incentivar essa e outras culturas”, finaliza o melhorista.

Para o coordenador da Área de Culturas e de Defesa Sanitária Vegetal da Emater-RS/Ascar, Elder Dal Prá, outro fator significativo na desistência dos agricultores de plantar feijão é a redução de mão de obra. “Essa questão nas propriedades familiares faz com que os agricultores busquem cultivos mecanizáveis, como é a soja”, explica Dal Prá. A rentabilidade também é uma questão envolvida no abandono do cultivo. “A gente tem uma característica de volatilidade nos preços do cultivo do feijão e isso faz com que o agricultor também não tenha tanta segurança na plantação”, explica o coordenador. 

Conforme Dal Prá, há uma mudança de perfil dos produtores de feijão, que costumavam ser, em sua maioria, agricultores familiares. Agora, a produção em propriedades maiores, com colheita mecanizada, tem aumentado. Segundo o coordenador, o impacto econômico para o Estado também é mínimo, uma vez que a produção de feijão gaúcha é pouco expressiva: os 30,6 mil hectares estimados para a segunda safra deste ano são pouco se comparados aos cerca de 6,3 milhões de hectares de soja. “É óbvio que a gente deveria ter uma produção suficiente para atender o nosso mercado consumidor do Estado, mas, hoje, o que se produz em outros estados supre muito bem a nossa necessidades”, complementa.

Os problemas citados pela Emater são sentidos pelo agricultor familiar Aldori Scota, de 63 anos. O produtor reconhece que a necessidade de colheita manual e a mão de obra escassa são obstáculos. “Eu tenho dois filhos, mas nenhum deles está aqui”, diz Scota, que cuida da produção junto com sua esposa, Eloiza Madalena Scota. Contra a corrente, Scota continua plantando a mesma área de feijão e pretende aumentá-la no ano que vem, de meio para um hectare. Ele vê boa lucratividade no preço da saca, mas admite que, atualmente, os custos aumentaram, em especial pela necessidade de uso de mais fertilizantes no solo. “Agora a terra está desgastada, mas o feijão hoje ainda tem um bom preço. É melhor do que a soja, porque não precisa aplicar veneno”, comenta, ao mencionar a demanda por aplicação de agrotóxicos como um dos fatores negativos na produção da oleaginosa. 

*Sob supervisão de Nereida Vergara

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895