Especial

De que forma a pandemia influenciou a relação entre clubes e imprensa

Foto : Mauro Schaefer

Talvez ninguém imaginasse o poder da internet e das redes sociais até o isolamento social nos obrigar a manter o distanciamento. As ligações por chamada de vídeo foram a saída em tempos em que a proximidade física não era mais possível. O reflexo dessa distância no futebol ajudou a acelerar um processo que já dava seus primeiros sinais antes mesmo de março de 2020.

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As falas dos jogadores que antes eram normais para a imprensa e o próprio torcedor foram substituídas gradativamente por pequenas e controladas manifestações e em alguns momentos atingindo o silêncio quase absoluto. Cinco anos depois de o vírus assustar todo um planeta, este é o cenário que impera no futebol brasileiro.

Para Vitor Rodriguez, assessor de imprensa do Grêmio durante a pandemia, as entrevistas antes feitas sem agendamento e solicitação prévia deram lugar para novos meios de comunicação. As redes sociais e o YouTube, por exemplo, surgiram como novos espaços para o clube em uma tendência que se tornou mundial e foi acelerada a partir de 2020.

"Da mesma forma, os treinos que antes eram abertos, hoje são fechados, por privacidade. Abre-se quando o clube entende que alguma ação deva ser realizada, como no Media Day (dia de entrevistas) e apresentação de atletas. Quando o clube entende que deva ser feito, assim o faz e convoca a imprensa", destaca o jornalista.

Quando o período crítico do distanciamento deu trégua e a retomada gradual das atividades começou a acontecer, a maioria, senão todos os clubes brasileiros optou por manter os jogadores longe dos microfones o máximo possível. As conversas que antes eram diárias se tornaram escassas. A imprensa ficou cada vez mais distante dos Centros de Treinamentos e a proximidade sentida pelo torcedor também diminuiu.

Para o clube, a prática se tornou favorável para um controle maior do que é divulgado, além de evitar eventuais declarações polêmicas. Atrelado a isso, o aumento dos profissionais atuando na imprensa, mas não necessariamente jornalistas em diferentes canais de comunicação passou a gerar situações que destoavam do conteúdo jornalístico ou de informação, o que incomodava os entrevistados e os próprios repórteres da mídia dita tradicional.

Pandemia acelerou processo

Assessor do Inter ao longo de toda a pandemia, Gabriel Cardoso destaca que antes mesmo de 2020 os formatos tradicionais de coletivas já davam sinais de desgaste. "A pandemia acelerou as mudanças e trouxe oportunidades tanto para os clubes quanto para os jornalistas. No Inter, fomos pioneiros na implementação das entrevistas online, um modelo que se consolidou no cenário esportivo. Veículos antes restritos ao presencial passaram a adotar esse formato, o que ampliou o alcance da cobertura e beneficiou todas as partes. Ajustamos nossa estratégia, intensificando a produção de conteúdo próprio com entrevistas e imagens disponibilizadas regularmente", conta Gabriel.

Além disso, o jornalista aponta que as novas práticas trazidas pela internet facilitaram o trabalho dos jornalistas que não se faziam presentes nos estádios, além de expandir a visibilidade do clube. A ausência das falas cotidianas dos jogadores foi substituída, em certa parte para o torcedor, pelas redes sociais. O sistema de disponibilizar imagens e vídeos dos bastidores de jogos e treinos se tornou um hábito que passou a ser bem visto pelos fãs, que talvez tenham a impressão de estarem mais próximos de seus ídolos.

Fernando Carvalho, presidente do Inter de 2002 a 2007, acredita que os clubes não irão se desvencilhar desta prática e que ela veio para ficar.

"Eles vão adotar esse sistema, já que ele vigorou por algum tempo e agora passou a ser cômodo para todo mundo. Acho que isso é normal e se nós pegarmos o funcionamento das relações no exterior, já era assim há mais tempo. Talvez com um pouquinho mais de liberdade, mas era assim há mais tempo", afirma o dirigente.