Desafios no horizonte da sucessão rural

Desafios no horizonte da sucessão rural

Envelhecimento da população do campo, especialmente na agricultura familiar, evidencia dificuldade de manter os jovens na atividade, o que requer ensino especializado, políticas públicas, diálogo e perspectiva de sucesso

Por
Itamar Pelizzaro

O envelhecimento da população rural, nas últimas décadas, tem mantido aceso um sinal de alerta sobre a necessidade de promover a sucessão familiar no campo. O desafio é complexo, especialmente para a agricultura familiar, que concentra 80,5% das propriedades e 25,3% da área rural no Estado, conforme o último Censo Agropecuário do IBGE.

“Sucessão familiar é o resultado de um processo que exige tempo e maturidade para que aconteça”, analisa o superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS), Eduardo Condorelli. A construção de um sucessor, na visão do dirigente, inicia-se pela identificação de pontos de gestão e operação do negócio ainda inexplorados. Depois, segue para a formação de um ambiente que desperte a curiosidade e o interesse do jovem. “Em um espaço harmônico, haverá condições para a complementariedade de funções, jamais de disputa, em que os temas de gestão - fundiária, fiscal, trabalhista, ambiental, econômica e financeira – tornam-se porta de entrada para ele”, diz.

Também é importante a valorização do trabalho rural junto à família. “Se não tomarmos o cuidado de mostrar que ali, sim, é um lugar para que os jovens possam depositar parte significativa de sua vida, às vezes, falando mal, desqualificando o trabalho, reclamando do dia a dia, aí mesmo a gente nem começa o processo sucessório, porque ninguém vai se interessar por um lugar que não é legal para manter sua vida.”

Não raro, gerações mais velhas que enfrentaram a penosidade do trabalho sem tecnologia e em isolamento tendem a preferir que os filhos ganhem a vida na cidade. A juventude, por sua vez, vive um processo mais tardio de amadurecimento. “Na minha época, aos 15 anos, já se decidia se queria ficar na agricultura ou ir embora”, conta o secretário executivo da Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas (Agefa), Adair Pozzebon, 44 anos. “Hoje, o jovem decide com 20 e poucos anos”, comenta.

Para Pozzebon, o tema requer ações combinadas de educação e políticas públicas para abrir espaço em propriedades que ocupam, em média, 18,6 hectares. A pauta principal envolve ter escolas no campo com currículo adequado e que dialoguem com o cotidiano rural. Segundo o secretário, 45% dos municípios gaúchos, com entre 5 mil e 7 mil habitantes, são essencialmente agrícolas, mas contam com escolas de Ensino Médio urbanas, sem propostas pedagógicas específicas. 

A demanda está no radar da Secretaria da Educação do Estado (Seduc). “A partir de 2024, pretendemos que todas as escolas do campo, da rede estadual, tenham matriz curricular com componentes voltados para a realidade agrícola”, informa a assessora pedagógica da Subsecretaria de Desenvolvimento da Educação, Ana Paula Fialho. O Estado também deve reativar o Comitê Estadual de Educação do Campo, que acompanha e assessora a educação rural. Outro ponto, aponta Pozzebon, que deve ser levado ao comitê é o fechamento de escolas. “Isso foi muito massivo nos últimos 10 anos no RS. Na região do Vale do Rio Pardo, 54% das escolas no campo foram fechadas entre 2007 e 2017. 

Um exemplo exitoso está nas Escolas Famílias Agrícolas (Efas), que aplicam a Pedagogia da Alternância – uma semana na escola em internato e outra na propriedade – nas unidades de Santa Cruz do Sul, Caxias do Sul, Vale do Sol e Canguçu. “Valorizamos a formação integral de cerca de 600 alunos, sendo que 87% dos formados nas Efas mantêm vínculo com a agricultura”, afirma Pozzebon. As Efas também ajudam a despertar a consciência para as oportunidades rurais. 

Uma política pública para o segmento é a Bolsa Juventude Rural, do governo estadual, que, este ano, oferece 207 bolsas de R$ 300 mensais, por 10 meses, para alunos do Ensino Médio entre 15 e 29 anos – as inscrições estão abertas e vão até 6 de outubro. “Mesmo assim, em uma mão vão sobrar dedos para contar as políticas públicas que existem para fomentar o jovem e vinculá-lo à agricultura”, diz Pozzebon.

A inserção da juventude na gestão e operação da propriedade também é defendida pela secretária geral da Fetag-RS e coordenadora estadual de jovens, Jaciara Müller. “A gente precisa se sentir pertencente e poder opinar em todos os espaços, para ter certeza se queremos ou não permanecer no campo”, avalia. Para ela, o importante é a propriedade continuar produzindo alimentos. “Às vezes, o jovem recebe uma propriedade dos pais que não estão mais em vida e precisa dar sequência a algo que nunca fez nem pode pensar como se faz”, explica. O assessor de Política Agrícola e Agroindústrias da Fetag-RS, Jocimar Rabaioli, defende a agroindustriallização como estratégica. “A agroindústria familiar exerce papel fundamental, com jovens dominando a produção da matéria-prima, a industrialização e a comercialização, em uma cadeia mais curta, agregando valor aos produtos”, pontua. 

No cooperativismo, o tema também é desafiador. O presidente do Sistema Ocergs, Darci Hartmann, avalia que a boa rentabilidade do agro, nos últimos anos, ajudou a fixar jovens no campo, embora as estiagens recentes tivessem efeito contrário. “Acreditamos que, gradativamente, o processo está se organizando. Estamos investindo forte, através do Sescoop (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo), para formação, profissionalização, treinamento e capacitação, para que o jovem possa assumir a propriedade. Além das tecnologias, ele precisa ter instrumentos de gestão e de análise para tomar as melhores decisões de gestão e crescer na atividade”, analisa.

Ações dentro e fora da porteira

Suzana Garcia de Garcia é a quarta geração à frente da Agropecuária Cerro Coroado, que conta com unidades em Barra do Ribeiro, Eldorado do Sul, Charqueadas e na Região das Missões. Como presidente da Comissão Jovem da Farsul, tem como maior desafio preparar sucessores e sucedidos | Foto: Arquivo Pessoal / Suzana Garcia / CP. 

Se, na agricultura familiar, o maior desafio é evitar o êxodo dos jovens das pequenas propriedades, no agronegócio empresarial o foco está no preparo para atuar dentro e fora da porteira. “A comunicação é um dos maiores desafios da nova geração. Precisamos nos comunicar com o público externo para que ele saiba a realidade e a verdade sobre nosso trabalho, que é feito com muito amor e sustentabilidade”, defende Suzana Ludwig Garcia de Garcia, presidente da Comissão Jovem da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Suzana é a quarta geração à frente da Agropecuária Cerro Coroado, cuja administração compartilha com o pai, Teófilo, e com o irmão, Teófilo Filho. O negócio abrange lavouras e atividades pecuárias em Barra do Ribeiro, Eldorado do Sul, Charqueadas e Região das Missões. 

Suzana entende que a juventude tem a missão de estreitar a relação entre rural e o urbano, além de fortalecer o segmento jovem no setor. Ao lado da vice-presidente, Amanda Rosado, e de 12 diretores, a comissão lidera cerca de 350 produtores que integram as 38 comissões jovens de sindicatos rurais filiados à Farsul. “Nosso objetivo é aumentar, fortalecer a juventude, além de prepará-la com conteúdo e informação para desmistificar diversos assuntos com os quais algumas pessoas batem contra o agronegócio”, destaca. Com esse norte, a comissão da Farsul busca preparar jovens para atuar nas áreas sindical, jurídica e política – representando o agro em todas as esferas de governo. A comissão também não descuida do trabalho dentro da porteira. “Isso vai nos fortalecendo para a nossa atuação na propriedade”, afirma Suzana. 

Na questão da sucessão, Suzana identifica o desafio de preparar sucessores e sucedidos. “Não é porque um sucessor está entrando que o sucedido não vai ter espaço e voz. Precisamos trabalhar em conjunto e ouvir a pessoa que trabalhou por tantos anos na propriedade e que vai nos auxiliar em muitos pontos no nosso percurso. Mas temos de ter voz para conseguir o nosso espaço aos poucos, construindo, demonstrando nossas metas, objetivos e conhecimento daquilo que fazemos”, diz.

A sucessão em uma propriedade mais estruturada requer um sucessor também bem instruído. A Comissão Jovem da Farsul existe desde 1998 e é a mais antiga do Brasil. Suzana assumiu o cargo pretendendo dar continuidade ao trabalho da gestão anterior, fortalecer as redes com mais municípios e unir a juventude. Em paralelo, a comissão compartilha experiência com pares de outros estados e trabalha de forma articulada com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e com a Federação das Associações Rurais do Mercosul (Farm).

Um pé no campo e outro na cidade

Cleiton Arendt se formou técnico em Agricultura e, atualmente, trabalha com grupos de estudos, unidades pedagógicas e hortas comunitárias. O profissional também presta assessoria para a cooperativa Ecovale, além de manter cultivos na propriedade da família, localizada no município de Vale do Sol | Foto: Arquivo Pessoal / Cleiton Arendt / CP.

O diploma de técnico em Agricultura conquistado por Cleiton Arendt, de 26 anos, permitiu a ele não apenas ampliar seus conhecimentos na área, mas perceber que o poderia compartilhar ao mesmo tempo que continuaria aprendendo com a experiência de outras pessoas. Assim, o egresso da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc), hoje, mora no centro da cidade de Vale do Sol e concilia as atividades na propriedade de 8,8 hectares da família, na comunidade de Linha Fontoura Gonçalves, onde mantém um apiário e cultiva milho e feijão crioulos, para produção de sementes, com trabalhos na cidade, de assessoria técnica no Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia FLD/Capa Santa Cruz. 

Cleiton assessora grupos que têm como base a agroecologia e produzem cultivos livres de agrotóxicos ou de adubos sintéticos. Também atua junto a grupos de estudos, unidades pedagógicas, hortas comunitárias e presta assessoria para a cooperativa Ecovale, que está na região do Vale do Rio Pardo há 23 anos. 

Os pais, Sinélio e Isolde, permanecem na propriedade familiar. Dos cinco filhos do casal, três permanecem na agricultura. Cleiton é o caçula e o único que produz nas terras da família, Os outros dois irmãos têm propriedades próprias. “Meus pais trabalharam desde jovens com a cultura do tabaco, sendo que todos os irmãos contribuíram”, conta. Por receber assessoria da FLD/Capa, os pais sempre tiveram em mente a diversificação e a produção dos próprios alimentos. 

A pedagogia da alternância da Efasc permitiu a Cleiton unir a teoria à prática, o que lhe abriu horizontes. “Os trabalhos de estudos relativos à propriedade e à comunidade me possibilitaram enxergar coisas que eu não via ao meu redor. Acredito que isso ajuda muito, hoje, no meu trabalho”, diz. Antes de se formar, Cleiton apresentou seu Projeto Profissional do Jovem (PPJ) sobre avicultura colonial, implantando um aviário de pequeno porte, com piquetes na propriedade. “Essa atividade fortaleceu a renda da família e auxiliou em uma tomada de decisão dos meus pais, de pararem com o cultivo de tabaco na propriedade”, conta. 

Após formado, Cleiton foi convidado a trabalhar em uma chamada pública de assistência técnica e extensão rural e atuou em cooperativas do movimento dos pequenos agricultores por alguns anos. “A Efasc foi e é muito importante na minha vida. Minha formação não me fez sair de lá somente com um diploma de técnico agrícola em mãos, mas me fez uma pessoa melhor. Me fez entender que eu não preciso ter e não vou conseguir ter todo o conhecimento guardado no meu cérebro, mas que eu posso compartilhar o mesmo e aprender com outras pessoas”, destaca. 

Plantio na escola e colheita na faculdade

Silvia Jappe (à esquerda) passou a cursar Agronomia na UFPel depois de concluir o Ensino Médio na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Com previsão de se formar em 2024, quer continuar os estudos acadêmicos para exercer a docência | Foto: Arquivo Pessoal / Silvia Jappe / CP.

Às vésperas de se formar em Agronomia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a jovem Silvia Naiane Jappe, 22 anos, encontrou na educação a trilha para seguir ligada à agricultura. “A Efasc (Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul) proporcionou um olhar mais amplo da agricultura e da importância da produção agrícola na produção de alimentos, possibilitando que eu continuasse na área das ciências agrárias”, afirma. “A Efasc é uma grande incentivadora para que seus estudantes continuem os estudos, a graduação.” 

A família Jappe cultiva cerca de 120 hectares no interior do município de Herveiras, com fumo, soja, milho e outras culturas para subsistência, além de gado de corte. A irmã mais velha, Sabrina, estuda Medicina Veterinária e trabalha na propriedade, onde também reside o caçula, de nove anos. Silvia reconhece que a passagem pela escola agrícola permitiu ampliar seu conhecimento pessoal e profissional a partir de uma dinâmica diferente de aprendizado. “Com a Pedagogia da Alternância, conseguimos evoluir no processo de teoria e prática, esse que é tão importante para consolidar os diferentes conhecimentos das realidades agrícolas, produtivas e sociais”, descreve. 

Silvia ingressou no Ensino Médio da Efasc em 2015 e viu sua rotina mudar, aliando o conhecimento teórico com a prática cotidiana. “Além de valorizar as pessoas que estão à nossa volta, como agricultores e comunidade”, acrescenta. Seu Projeto Profissional do Jovem versou sobre “Quintais Orgânicos: Saberes, fertilidade do solo e segurança alimentar”, tendo como objetivos avaliar o impacto da produção de frutíferas na propriedade familiar a partir dos conhecimentos prévios, a dinâmica da fertilidade do solo e da relação social com a segurança alimentar. 

Ela realizou o estágio do curso superior no Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Santa Cruz do Sul, Sinimbu, Vale do Sol e Herveiras. Logo depois, ingressou na Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel da UFPel. Atualmente, ela cursa o último semestre e vai iniciar o estágio obrigatório no final no próximo mês, com vistas à gradução no início de 2024. Em mente, Silvia tem a ideia de prosseguir na vida acadêmica, com uma pós-graduação. “Com certeza, tenho em mente auxiliar da melhor forma possível na propriedade, mas também continuar estudando, pois o meu sonho e desejo é seguir na docência”, confessa.

A valorização do trabalho em família

Agricultora Lidiane Frantz (à direita) vive com a família no interior de Santa Cruz do Sul, Juntos, o grupo produz tabaco semiorgânico e 80% dos alimentos que consome. A produtora ainda leva parte da sua produção de hortaliças para vender em uma feira rural próxima à comunidade | Foto: Arquivo Pessoal / Lidiane Frantz / CP.

Este ano de 2023 marca o fechamento de um ciclo de crescimento pessoal e profissional para a jovem Lidiane Elisa Frantz, de 20 anos. A garota, que chegou tímida na Efasc, em Santa Cruz do Sul, tinha medo de se expor e de ser julgada pela turma formada por 32 colegas vindos de 10 municípios diferentes. Mas teve força de vontade para continuar e seguiu em frente. “Eu não dava opinião, não falava muito, tinha dificuldade de me expressar. Na correção das atividades, tinha medo de me expor e do julgamento dos colegas. Ao final do primeiro ano, o tutor responsável da escola sugeriu que eu me enturmasse e falasse mais”, lembra. 

E assim foi feito. Lidiane superou a insegurança e, antes de se formar, realizou seu Projeto Profissional do Jovem (PPJ) sobre a produção de chimia com uma receita produzida pelos Frantz há mais de quatro gerações. “Observei que, na comunidade de Linha Andrade Neves, que tem cerca de 130 pessoas, a maioria tem mais idade e gosta da chimia, mas somente minha família fazia”, relata. Atualmente, a família produz cerca de 200 quilos por ano, mais da metade para consumo próprio. “A produção de chimia, para nós, é seguir em frente sem nunca esquecer nossas raízes, o trabalho de nossos antepassados germânicos”, diz.

Atualmente, Lidiane trabalha na propriedade da família, onde cultiva hortaliças que vende em uma feira semanal na comunidade de Monte Alverne, na zona rural de Santa Cruz do Sul. Ela promove contatos com clientes e faz a gestão financeira do próprio negócio. “As coisas ruins não podem nos desmotivar, temos de continuar. Hoje, minha percepção é de continuar no meio rural, ter propriedade, produzir, tirar o sustento dela e trabalhar de forma mais tranquila, sem a agitação da vida urbana.”
A família Frantz compartilha um pedaço de terra de 27,8 hectares em Linha Andrade Neves, interior de Santa Cruz do Sul, com sete familiares – os pais Albino, 64 anos, e Nair, 62 anos, os irmãos Douglas, 24 anos, e Ronaldo, 35 anos, a cunhada Martina, 27 anos (casada com Ronaldo) e o sobrinho Gustavo, de seis anos. A irmã mais velha, Merlin Maisa, 40 anos, é casada e reside em outra propriedade.

Os Frantz têm no tabaco semiorgânico a principal fonte de renda. “A gente produz mais de 80% da alimentação na propriedade. Só compramos fora o que não conseguimos produzir, como sal, açúcar, erva-mate e produtos de higiene”, conta Lidiane, que enumera a diversidade da produção: apicultura, criação de bovinos, suínos, aves, peixes e hortaliças. A propriedade conta com um sistema antigo. “Não temos trator e implementos agrícolas, porque o relevo da propriedade dificulta. Nossa fonte de tração são burros e mulas”, conta a jovem.

Lidiane entrou na Efasc em 2019. No ano seguinte, com a pandemia, precisava recorrer a vizinhos para acessar a internet, ter aulas remotas, baixar os materiais escolares e, depois, reenviar os trabalhos. Mas logo a família instalou internet na propriedade. Mais segura e comunicativa, agora, Lidiane tem clareza e convicção de seu destino. “Ser agricultor familiar é motivo de muito orgulho. Obter o sustento do campo exige coragem, força de vontade, técnica e vocação. Ser agricultor é, acima de tudo, o amor pela terra, o apego pela vida no campo, o viver do e no rural. É o orgulho de se alimentar do seu trabalho”, finaliza.

Emater promove o diálogo e a qualificação

O fotojornalista Rogério Fernandes provoca jovens a pesquisar referências na arte e a se comunicar melhor por meio da fotografia | Foto: Carine Massierer / Especial / CP.

Agência de extensão rural capacita jovens em centros multidisciplinares e atua diretamente com as famílias para que os futuros produtores tenham oportunidade de vivenciar a prática agrícola antes de definir o rumo profissional

Responsável pela assistência técnica e extensão rural pública no Rio Grande do Sul, a Emater-RS/Ascar deverá realizar, em 2024, uma pesquisa ampla para conhecer em profundidade o pefil da atual juventude rural. A extensionista rural Clarice Vaz Emmel Bock, que coordena o trabalho com mulheres e jovens na instituição, diz que a atuação na área é diversificada e atende 12% dos jovens gaúchos - em torno de 12 a 15 mil produtores assistidos por ano. “Nosso foco principal é a qualificação e a formação da juventude nos centros de treinamento da Emater”, explica. 

Nos cursos de empreendedorismo e desenvolvimento, os encontros envolvem desde jogos, lazer, formação, dias de campo, troca de experiência e visitas a propriedades. Em 2023, estão sendo feitos cursos em cinco centros de treinamento. “A ideia é expandir esses cursos para 12 regiões do Estado”, adianta. As formações contam com a parceria, geralmente, das prefeituras, e vão além dos temas técnicos, englobando também questões ambientais, de comercialização, cooperativismo, associativismo, questões fiscais e de relacionamento e posicionamento.

Os jovens são recrutados a partir de conversas com as famílias. “Não tem como fazer sucessão rural sem que a família esteja decidida a dar oportunidade de os jovens fazerem algo na propriedade”, assinala Clarice. “O maior gargalo que vemos é a família não dar oportunidade de o jovem se expressar, dar sua opinião ou decidir aquilo que quer fazer ou que tenha, dentro da propriedade, sua renda própria. São fatores importantes na tomada de decisão do jovem para ficar ou não no espaço rural”, destaca.

Conforme Clarice, a convivência com a juventude, nos cursos, mostra que esse público gosta do lugar em que vive e se sente valorizado pela atividade que exerce. “Até alguns anos atrás, ser agricultor era algo meio pejorativo. Hoje, não, já tem um novo olhar para o rural e para a profissão agricultor.” A qualidade de vida no campo e a flexibilidade para definir horário de trabalho são fatores que contribuem para o jovem decidir ficar no interior. Por ano, cerca de 150 jovens participaram dos cursos. “Já temos mais de 500 jovens que passaram por essa formação”, calcula Clarice. 

O curso parte da premissa de preparar a juventude para decidir se quer ficar ou não no rural. Além das atividades propostas, a grade oferece ainda oportunidade para o jovem escolher temas e desenvolver um projeto produtivo. O conteúdo é ministrado em módulos de três dias cada, ao longo de seis a oito meses, no centro de treinamento. Após os três dias, o jovem volta para a propriedade e retorna no mês seguinte, apresentando a atividade desenvolvida e trabalhando outras temáticas. Conforme Clarice, o trabalho é lúdico e dinâmico, com excursões e estudos sobre marketing e redes sociais. 

Na região de Caxias do Sul, fotografia e vídeo entraram nas atividades. O fotojornalista Rogério Fernandes e o cinegrafista Paulo Carneiro, funcionários da Emater, estão ensinando técnicas para aprimorar os conteúdos visuais. “Provoco a juventude a furar a bolha, a pesquisar referências na arte para criar um vocabulário imagético e se comunicar melhor pela fotografia, passando mensagens de preservação, ecologia e turismo rural, fundamentalmente para sensibilizar o olhar, porque muitas vezes as pessoas passam batido pelas coisas”, diz Fernandes.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895