Detalhes de um sabor incomum

Detalhes de um sabor incomum

Pesquisa identifica mel branco em extinção

Por
Carolina Pastl*

É sabido que as abelhas produzem mel de tonalidade amarela a partir do pólen de diversas espécies de flores. O que talvez seja pouco conhecido é que uma delas também fabrica, a partir da predominância de apenas uma espécie de flor, uma variedade de mel branco que está cada vez mais rara na região de Cambará do Sul. Foi o que descobriu pesquisa da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), feita com a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) no final do ano passado.

Após o apicultor Sélvio Carvalho, que cultiva 160 colmeias de abelhas africanizadas em 150 hectares de uma área conservada com araucárias no município, comunicar à Seapdr que abelhas nativas do tipo sem ferrão também produziam mel branco no local, resolveu-se analisar o pólen de amostras do material de cinco espécies delas em laboratório. Foi então que se descobriu que mais de 90% do pólen contido no mel produzido pela guaraipo (um tipo de abelha sem ferrão) vinha da planta carne-de-vaca, que, assim como o inseto, é nativa da região e está em extinção. Nas demais espécies de abelhas, mais de 45% do pólen também vinha da mesma planta. “Ou seja, é preciso preservar a carne-de-vaca, pois, se ela se extinguir, o mel branco também irá”, esclarece a coordenadora do projeto e pesquisadora do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da Seapdr, Sidia Witter. Os resultados foram publicados na revista científica Biota Neotropica, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O nome popular carne-de-vaca está associado à cor da madeira que é avermelhada e parece com a coloração das carnes bovinas. | Foto: Fernando Dias / Seapdr / Divulgação

Para se preservar o mel, a planta e o inseto, o grupo quer divulgar aos apicultores da região dos Campos de Cima da Serra alternativas de manejo, como evitar o desmatamento de florestas de araucárias e da mata atlântica, onde a carne-de-vaca é encontrada, e o uso de agrotóxicos em lavouras próximas; limpar as colmeias no final da primavera para que seja possível colher o mel branco mais puro durante a floração da planta, em janeiro e fevereiro; e aliar à apicultura a meliponicultura regional, para agregar renda ao apicultor e preservar a flora e fauna. No Rio Grande do Sul, há 24 espécies de abelhas sem ferrão, enquanto o Brasil concentra 250 – sendo o maior reduto desse tipo de abelha no mundo.

“A meliponicultura caiu como uma luva. Aprendi a preservar o ambiente com o meu pai, então já é uma tradição familiar”, ressalta Carvalho. Atualmente, há 40 ninhos de guaraipo em troncos de árvores nativas, inclusive de carne-de-vaca, em sua propriedade. Cada ninho produz cerca de 2 quilos de mel por ano, enquanto as com ferrão chegam a 20 quilos de mel por colônia por ano. O preço do mel branco, no entanto, é mais valorizado e pode alcançar 10 vezes mais que os demais.

Sélvio preserva o ambiente e coleta o mel branco em respeito ao meio ambiente. | Fotos: Fernando Dias / Divulgação / Seapdr 

A pesquisa também fará análises físico-química, microbiológica e nutricional do mel branco da guaraipo e caracterizará as sementes da carne-de-vaca para gerar subsídios para elaboração de um Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade e solicitação de registro de Indicação Geográfica do Produto. O projeto está em fase de captação de recursos.

*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895