Equipes trabalham com os raros acervos resgatados no Museu Nacional

Equipes trabalham com os raros acervos resgatados no Museu Nacional

Confira matéria especial sobre os cuidados em espaços culturais de Porto Alegre para evitar e combater incêndios.

Por
Veridiana Dalla Vecchia

Logo após o incêndio de 2018 no Palácio São Cristóvão, o corpo social do Museu Nacional foi tomado por um sentimento de luto e perda, mas a recuperação das coleções, parcial ou inteiramente, trouxe ânimo para quem trabalha pela reabertura do espaço. O inventário do material resgatado ainda está em curso. Professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional /UFRJ, Lucas Antônio da Silva também é curador do acervo de Arqueologia do Museu e conta como estão os trabalhos na instituição, em especial no setor de Arqueologia, que, segundo ele, é possivelmente o que possui o maior número de peças, mais de 500 mil. 

O professor fala, em entrevista para o Correio do Povo, sobre as dificuldades de reorganização da estrutura e dos cuidados que estão sendo tomados agora e para o futuro. Ele lembra que o incêndio provocou perdas materiais inestimáveis e também deixou marcas psicológicas profundas. Muitos professores perderam décadas de pesquisa e boa parte de suas carreiras. Silva destaca, porém, que o Museu ainda tem coleções importantes e, poder resgatá-las, dá forças para seguir trabalhando.

Quantos acervos têm o Museu Nacional?

Como ele é um Museu de História Natural, ele possui uma diversidade muito grande de acervos, relacionados, por exemplo, à Geologia, à Zoologia, de vertebrados e de invertebrados, à Botânica. No nosso departamento, que é o Departamento de Antropologia, temos três curadorias, Etnologia, Arqueobotânica e Arqueologia. A curadoria de Arqueologia tem hoje, possivelmente, a maior coleção do Museu Nacional em termos de volume de acervo, são mais de 500 mil peças. 

Havia uma catalogação de tudo o que existia dentro do Museu? Sabe-se exatamente o quanto se perdeu e o quanto sobrou? 

No caso da Arqueologia, tínhamos um sistema de gerenciamento que na época era um pouco frágil, mas que deu uma dimensão do que perdemos ou não. Claro, isso também vai depender de um inventário do que foi resgatado. Mas possuíamos um banco de dados bem amplo, com algumas pequenas falhas, mas que vai ajudar, quando a gente terminar esse inventário do resgate, a ter uma ideia do que a gente perdeu e conservou. 

Então, ainda não se sabe então exatamente o que sobrou do incêndio? 

Ao certo, não. A gente tem alguma ideia. Por exemplo, o Museu Nacional tem uma das primeiras coleções de materiais arqueológicos tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Quer dizer, possui uma característica de proteção diferente do restante, que é a coleção Balbino de Freitas, que, aliás, é de Torres, no Rio Grande do Sul. Hoje, estamos trabalhando, a curadoria e o núcleo de resgate, no inventário do que foi salvo dessa coleção. Então, tínhamos um controle muito grande de como era essa coleção porque ela era tombada. 

As peças hoje estão sendo armazenadas como e onde? 

O Museu Nacional conta com algumas estruturas. Não era só o palácio, ainda que boa parte das atividades do Museu Nacional estivessem concentradas no palácio. Atividades de ensino, pesquisa e extensão e parte dos acervos estavam guardados no palácio. No entanto, o Museu possui um horto botânico e tem um novo campus de ensino. No horto botânico existiam departamentos com algumas reservas. A Arqueologia tinha duas reservas no horto botânico, nas quais estavam armazenados materiais não tão relacionados à exposições. E agora, no campus de ensino e pesquisa, a direção do Museu Nacional, junto com a UFRJ e outros parceiros e apoiadores, estão desenvolvendo um trabalho no sentido de buscar contêineres habitacionais, que são os adequados para esse uso, de acervo e trabalho. Também já se iniciou a construção dos prédios que vão abrigar as coleções do Museu. A ideia, com esse novo projeto, é que o palácio seja só para as exposições. A gente não vai ter outras atividades que não sejam atividades expositivas. E aí, no campus novo, a gente vai ter as atividades de pesquisa, ensino e extensão e de guarda dos acervos. 

Em relação à segurança e proteção das peças, como será no palácio o sistema de segurança? 

A estrutura do prédio era, boa parte dela, a mesma de quando ele foi construído, no século 19. Claro, ele passou por reformas, inclusive durante o período da gestão da UFRJ, para adaptá-lo à condição de instituição de ensino, pesquisa e extensão. Eu não tenho detalhes da questão da segurança do projeto. O que chega aos professores não são tanto as questões de segurança, mas as questões que envolvem a distribuição do espaço expositivo. O que acho é que houve um esforço muito grande da direção do museu e da UFRJ no sentido de criar um espaço adequado para o recebimento das exposições e para segurança do público. Antes, o palácio conservava muitas características da construção original, até porque ele é um espaço tombado, então era difícil fazer alterações significativas. Sei que existe um esforço muito grande também do Iphan no sentido de proporcionar espaço para que sejam feitas essas melhorias. É um projeto muito grande e tem avançado significativamente. A nova estrutura do museu vai ficar incrível do ponto de vista expositivo. Vamos ter os três andares do museu abrigando todas as exposições, permanentes e temporárias, e terá locais para atividades, para receber escolas. Há uma preocupação muito grande também nesse sentido, de proporcionar a segurança para as coleções, mas sobretudo para o público que visita.

O senhor estava no Museu na época do incêndio? 

Eu entrei depois do incêndio no Museu, mas havia sido aluno de 2014 e 2018. Defendi (a tese de doutorado) em março de 2018. Oficialmente, já não era mais aluno quando ocorreu o incêndio, mas, obviamente, como alguém que vivenciou a realidade do Museu à época, foi uma coisa que me abalou bastante, mesmo que já não tivesse esse vínculo. E quando entrei como docente, no ano passado, e aceitei esse desafio da curadoria. Por um lado, foi um pouco chocante lidar com essa realidade do incêndio, das dificuldades, mas, por outro, visualizar esse potencial que o museu tem de contar histórias sobre nós e sobre os outros, dá uma força para a gente seguir. Tenho colegas mais velhos que até hoje encaram o incêndio como algo muito pesado, não conseguiram ressignificar. 

Muitos professores perderam pesquisas que estavam armazenadas no palácio, certo? 

Sim, perderam sua carreira, ou boa parte da carreira. Imagina, havia colegas que estavam há mais de 30 anos, sem dúvida nenhuma, fazendo pesquisas com acervos, ou montando acervos, que foram completamente perdidos. Então, claro, a gente nunca consegue acessar a dor do outro, mas acho que, no caso da Arqueologia, tem essa coisa do material resgatado, da força que ele ainda tem por serem acervos raríssimos. Mesmo com o incêndio, o Museu Nacional ainda possui a maior coleção egípcia na América Latina, da arqueologia egípcia da América Latina, tem uma coleção belíssima de artefatos greco-romanos, de história antiga de modo geral. Tem também coleções relevantíssimas da arqueologia brasileira, por exemplo, tem a Balbino de Freitas, que é de Torres, e outras tantas, de arqueologia amazônica, de arqueologia do Sertão. Enfim, uma diversidade muito grande. Então acho que isso nos dá força para seguir, saber que esse potencial todo, lá em 2026, ou seja a data que for, vai estar acessível a todos. 

Confira a matéria especial sobre os cuidados em espaços culturais de Porto Alegre para evitar e combater incêndios.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895