#Fica Espanhol em novo desafio

#Fica Espanhol em novo desafio

O ensino do Espanhol voltou ao centro do debate

Por
Vera Nunes

A garantia do Espanhol como disciplina obrigatória, através da Emenda 74 à Constituição do Rio Grande do Sul, em 2018, foi uma conquista festejada por todos os envolvidos com a questão, especialmente o movimento Fica Espanhol, que mobilizou as escolas públicas gaúchas, e cuja causa tem adeptos em todo o país. No ano anterior (2017), a oferta da língua havia deixado de ser obrigatória para se tornar facultativa, devido à reforma do Ensino Médio sancionada pelo então presidente, Michel Temer. Na justificativa do Ministério da Educação (MEC), somente o Inglês seria obrigatório, “por ser necessário para inserção no mundo de trabalho, além de ser a língua mais disseminada e a mais ensinada no mundo inteiro.”

Foi um protesto intenso no RS, estado onde 40% das cidades estão situadas na área fronteiriça, região até 150 km da divisa com a Argentina e o Uruguai. A mobilização funcionou e a Língua Espanhola voltou a ser obrigatória no Estado, com matrícula optativa. Tudo parecia, então, estar garantido, mas, na prática, não foi o que ocorreu. Assim, a Frente Parlamentar, proposta na época pela deputada estadual Juliana Brizola, voltou à ativa e já coleciona uma série de relatos sobre as dificuldades na oferta da Língua Espanhola nas escolas públicas.

Fronteira

Maurício Bratz é professor com formação em Língua Portuguesa/Língua Espanhola e atua em Porto Xavier, cidade fronteiriça de San Xavier, na Argentina. “Nós só estamos separados pelo rio (Uruguai)”, assinala, lembrando que, devido a essa proximidade, nas redes públicas do município sempre foi ofertada a disciplina de Espanhol. Quando surgiu a obrigatoriedade do ensino de Inglês, imediatamente veio a questão: “O que fazer com o Espanhol?”. Segundo ele, algumas escolas simplesmente tiveram que fazer uma opção, para fechar a grade curricular. “Nas escolas do campo, por exemplo, entre a disciplina de Educação Agroecológica, que absorveu os professores de Técnicas Agrícolas, e o ensino de Espanhol, as escolas optaram pela primeira. E os professores de Espanhol, continua ele, foram deslocados para outras disciplinas”. Já na rede municipal, onde leciona desde 2019, a Língua Espanhola é ofertada em todas as escolas, do 6° ao 9° ano. “No contexto de fronteira, não há como ser lecionada outra disciplina”, avalia o docente.

A professora Angelise Fagundes, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Cerro Largo, diz que a realidade do professor de Porto Xavier não é única e muitos docentes não concursados, mesmo sem formação adequada, aceitam o deslocamento para outra disciplina, por medo de perder seu contrato. O grupo criou, então, um espaço para denúncias anônimas. “Somente na última semana recebemos cerca de 30 relatos semelhantes”, contabiliza. Para a professora da UFFS, é preciso alterar o Referencial Curricular Gaúcho, documento norteador dos currículos das escolas gaúchas. “Queremos que a Língua Espanhola esteja presente e de forma mais articulada, tanto no currículo do Ensino Fundamental como do Médio, e que os professores não tenham suas cargas horárias diminuídas ou que sejam deslocados para outras áreas”, assinala. Integrante do grupo de docentes da Área de Espanhol de Universidades Federais e Institutos Federais atuantes no Estado, ela defende, na verdade, o plurilinguismo nas escolas públicas. “Temos regiões onde é forte o alemão, em outras comunidades se fala o russo, o polonês. É uma cultura que vai se perdendo”, adverte.

Carga Horária

Juliana Brizola e o procurador-geral de Justiça Fabiano Dallazen trataram do procedimento transformado em inquérito civil que fiscaliza a rede pública escola. Foto: Tiago Novo Coutinho / MP-RS/ CP

O professor Henry Daniel Lorencena Souza, também integrante do movimento Fica Espanhol e atualmente na presidência do Conselho Rio-grandense de Professores de Espanhol (Corpe), afirma que um levantamento entre os associados da entidade apontou que a Secretaria Estadual da Educação não retirou o Espanhol do currículo, mas, sim, aumentou a carga horária dos professores, como forma de atenderem mais escolas. “Isso, evidentemente, se deve a não realização de concursos ou mesmo de novas contratações. Portanto, a questão principal é a falta de professores para poder cumprir o que determina a emenda constitucional 74”, pondera Henry, salientando, porém, que a situação das escolas municipais é mais complexa, “pois encontramos realidades muito díspares entre as diferentes cidades”, observa.

A presidente da Frente Parlamentar Fica Espanhol, deputada estadual Juliana Brizola, reuniu-se, no início deste mês, com o procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen, para tratar de um procedimento instaurado em 2019, em andamento na Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre do Ministério Público (MP). O procedimento dá conta de relatos de professores de Espanhol que estão sendo deslocados para outras áreas de atuação. A suspeita é que a constituição estadual não vem sendo cumprida.

Na oportunidade, o procurador-geral apontou a realização de reuniões junto com Promotorias Regionais de Educação, com o objetivo de buscar alternativas para o cumprimento da Constituição do Estado, respeitando as normativas da Base Nacional Comum Curricular e o Referencial Curricular Gaúcho, que são norteadores da educação estadual. Segundo a deputada Juliana, “o MP afirmou que se empenhará para que a legislação do Espanhol seja cumprida no Estado. Informou que esse procedimento inicial se transformou em inquérito civil desde metade do ano passado e que a nova promotora que assumiu o caso já oficiou a Secretaria Estadual da Educação para que a Pasta informe o que está fazendo e os locais onde o Espanhol está e não está sendo fornecido”, complementou.

A assessoria da parlamentar relatou que o último movimento do Ministério Público, datado de 10/5/2021, é para que a Secretaria Estadual apresente “informações atualizadas sobre os movimentos administrativos adotados recentemente para a implementação da matéria de Língua Espanhola nos currículos escolares da rede pública estadual, apontando (referente ao ano letivo de 2021) quais foram as orientações emitidas para tal, e apresentando um estudo atualizado sobre a presença da Língua Espanhola nos municípios”. Procurada, a Promotoria de Justiça Regional de Educação de Porto Alegre (Preduc-POA) explicou que dentro do inquérito civil, neste momento, está sendo realizado um diagnóstico da oferta do ensino do idioma nos 25 municípios de abrangência territorial da Preduc-POA junto às Coordenadorias Regionais de Educação.

Questionada sobre a oferta do ensino de Espanhol, a Secretaria Estadual da Educação informou que, “conforme a portaria n° 293/2019, que dispõe sobre a organização curricular do Ensino Fundamental e do Ensino Médio na Rede Estadual, a disciplina de Língua Inglesa é um componente obrigatório da Matriz Curricular. Ainda, conforme a mesma portaria, no seu artigo 20, diz que o currículo do Ensino Médio, além de incluir, obrigatoriamente, o estudo da Língua Inglesa, deverá ofertar, em caráter optativo, uma segunda Língua Estrangeira (preferencialmente a Língua Espanhola), após consulta feita junto à comunidade escolar e disponibilidade de docentes nas Coordenadorias Regionais de Educação (CREs)”. A secretaria informou também que, atualmente, na rede pública estadual de ensino existem 1.804 professores de Língua Espanhola.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895