Força na exportação

Força na exportação

Projeto lançado em 2020 abre caminho para pequenos e médios empreendedores rurais venderem produtos no exterior

Por
Nereida Vergara

No ano de 2020, o valor das exportações da agropecuária brasileira atingiu 110 bilhões de dólares, conforme a Apex Brasil. Menos de 0,1% deste montante corresponde a operações feitas por pequenos e médios empreendedores rurais de todo o país apoiados pelo Programa Agro.BR da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O número pode parecer uma gota d’água no oceano, mas tem aberto portas a produtores que não teriam como chegar ao mercado internacional sem uma capacitação específica para entendimento das regras de cada país e das necessárias certificações de produtos com potencial de venda. O Agro.BR foi lançado em março do ano passado, pouco antes do início da pandemia provocada pelo coronavírus. Em 12 meses, o programa já chega a 734 inscritos, mais de 3 mil capacitações realizadas e três rodadas de negociações com compradores da União Europeia, América Latina e China, entre outros.

De acordo com o diretor de Relações Internacionais da CNA e presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, a ideia de apoiar pequenos exportadores partiu de um novo posicionamento da diretoria da confederação no sentido de melhorar as condições de renda da parcela de agricultores brasileiros que não está dentro do mercado de commodities como soja, milho e carnes. “O Brasil está consolidado na exportação dos grandes produtos, mas há demanda para praticamente todos os produtos do agro brasileiros no mercado externo”, diz. Pereira afirma que itens como mel (foto acima), frutas e lácteos podem ser amplamente colocados no mercado asiático, em especial na China, onde grande parte da população ascende à classe média e passa a ter acesso a produtos que antes não consumia. “Já abrimos um escritório em Xangai e pretendemos abrir outro em Singapura, que darão suporte a este tipo de exportador”, completa.

Lígia Dutra, coordenadora de Relações Internacionais da CNA, relata que o Agro.BR contempla não apenas empreendedores rurais (como é o caso das agroindústrias), mas também produtores individuais e cooperativas. Foram definidos como de grande potencial os segmentos de fruticultura (que inclui flores e hortaliças), lácteos, pescados e produtos da aquicultura, mel e derivados e cafés especiais. Consultores da confederação fazem o atendimento dos interessados em cinco estados – São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso do Sul. Lígia destaca que, em 2020, o segmento das frutas faturou 1 bilhão de dólares com exportações, mesmo enfrentando processos de natureza complexa, que implicam em uma certificação sanitária diferente para cada mercado e para cada produto.

O acesso dos pequenos e médios produtores ao mercado exportador, entretanto, ainda é visto com cautela, justamente pela complexidade. O professor de Economia e membro do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento do Agronegócio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Nilson Costa, considera de grande importância a possibilidade aberta pela CNA, mas entende que há um longo caminho a ser percorrido. “É uma iniciativa muito positiva, pois vai possibilitar a inclusão da agricultura familiar em um outro patamar de comercialização, mas isso não se dá do dia para a noite”, salienta. Costa lembra que os trâmites de exportação são muito complexos, que há necessidade de o exportador ter escala produtiva e regularidade, conhecimento do país que vai receber o seu produto e certificações para cada produto e cada destino. Neste contexto, pontua, ainda é muito difícil para um pequeno agricultor ou uma pequena agroindústria ter capacidade de investimento e de superação da burocracia.

O assessor de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Kaliton Prestes, também define a tarefa como desafiadora, já que a produção dos pequenos agricultores é majoritariamente de alimentos que atendem a demanda interna.

Prestes sublinha que a Fetag vem trabalhando há muitos anos na perspectiva de ver a agricultura familiar investir em produtos com valor agregado. A entende que exportação certamente seria um nicho para aumentar a rentabilidade desta parcela dos produtores.

Dados divulgados pela CNA no último dia 16 indicam que as exportações de empreendedores apoiados pelo Agro.BR tiveram alta significativa em fevereiro, na comparação com o mesmo mês de 2020. Produtos apícolas cresceram 181,6% (em especial o mel, que atingiu alta de 198%); lácteos 12,8%; chá, mate e especiarias 10,7%; e frutas 4,5%.

 

CNA aponta caminhos

No Rio Grande do Sul, 70 empreendimentos rurais, na maioria pequenos, contam com a ajuda de um consultor para se habilitarem ao comércio internacional

Lácteos estão entre os produtos com maior potencial para conquistar espaço em mercados fora do Brasil. | Foto: Ricardo Giusti/CP Memória

Há muitos requisitos para que um pequeno empreendedor rural consiga concretizar negociações com o mercado externo. Por esta razão, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) decidiu colocar consultores para atender individualmente os interessados neste processo em cada Estado. No Rio Grande do Sul, o responsável por este trabalho é Arturo Muttoni, que, em parceria com a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), vem orientando empreendimentos em áreas como fruticultura, mel, lácteos, erva-mate e noz-pecã. Muttoni reforça que o processo de exportação não é simples e há necessidade de paciência para atender critérios internacionais. Segundo ele, além das questões burocráticas – caso das inúmeras certificações sanitárias, diferentes para cada destino –, é imperativo um profundo comprometimento com a qualidade e a regularidade na produção, sob pena de fechar mercados ao invés de consolidá-los. “A produção dos empreendimentos não pode estar totalmente comprometida com o mercado nacional, deve haver capacidade para atender os pedidos e a possibilidade de ampliação, inclusive”, adverte.

O consultor explica que desde o início do Programa Agro.BR, em março do ano passado, foram feitas capacitações com os 70 empreendedores rurais gaúchos (a maioria pequenos) inscritos no programa. Entre eles, 20 já participam das rodadas de negócios. Essas capacitações, que ocorrem para os inscritos de todo o país, envolvem conhecer as particularidades de cada mercado, a cultura das nações alvos e os hábitos de consumo. “Em razão da pandemia, a maioria dos eventos foi on-line, o que nos permitiu chegar a um público maior que o imaginado inicialmente”, diz Muttoni, ao observar que, mesmo estando instalado na federação gaúcha, atende os três estados da Região Sul.

Além dos treinamentos para entendimento do comércio internacional e das barreiras legais a serem vencidas, os participantes do Agro.BR contam com apoio mercadológico. “As empresas que já estão em fase mais adiantada no processo fornecem um portfólio de seus produtos em português, que é traduzido pelo programa para o inglês, o espanhol e o mandarim”, destaca Muttoni. Estes portfólios estarão expostos, a partir de abril, na vitrine do Agro.Br, site em fase de finalização e que tornará disponível para o mundo – como divulgação e não como marketplace – o que pequenos e médios agricultores brasileiros podem oferecer. O consultor acrescenta ainda que é um mito achar que, para conseguir exportar, o pequeno e o médio agricultores terão de lotar sozinhos um contêiner no Porto de Rio Grande. “O envio de cargas pode ser em contêineres compartilhados, via rodoviária para a América Latina ou mesmo por avião, em cargas menores ou para demonstração”, destaca.

O professor de Economia da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), Marcos Lélis, é categórico ao falar dos efeitos que a iniciativa da CNA pode ter sobre a economia nacional, melhorando a distribuição de riquezas e dando impulso para que os pequenos e médios empreendimento rurais cresçam. “Só fazendo é que esse segmento conseguirá entender o processo e evoluir”, afirma. Lélis acredita que os empreendimentos que atingirem o status de exportadores tendem a avançar e ganhar “musculatura” e eficiência, o que favorecerá também a qualificação de seus produtos para atender o mercado interno.

 

Cooperativas proporcionam escala

De acordo com a superintendente de Relações Internacionais da CNA, Ligia Dutra, o Programa Agro.BR contempla nacionalmente um número significativo de cooperativas, que facilitam o processo exportador, já que ampliam a capacidade produtiva e diluem custos. No Rio Grande Sul, entre as que participam do Agro.BR estão as cooperativas Apícola do Pampa Gaúcho (Cooapampa), de Apicultores de Ivoti (Cooapi) e Santa Clara, a mais antiga do Estado no segmento de leite e derivados, com mais de 100 anos.

O diretor administrativo e financeiro da Santa Clara e vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios e Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat), Alexandre Guerra, considera a oportunidade dada pela CNA muito valiosa, pois leva o empreendimento do desejo de exportar para a “capacidade de fazer”. Guerra diz que a cooperativa tem participado de todas as capacitações oferecidas pelo Agro.Br, no sentido de aperfeiçoar seus processos e de estar pronta para quando tiver a chance de vender ao exterior. Não há ainda uma data para a primeira exportação, mas o foco da cooperativa é colocar no mundo seus queijos especiais. “Ainda somos importadores de lácteos, mas as oportunidades estão surgindo”, observa o dirigente. Durante sua gestão na presidência do Sindilat, Guerra levantou a bandeira da qualificação do produto brasileiro para atender a demanda crescente de alguns países por lácteos, como é o caso da China.

 

Morangos orgânicos para ganhar o mundo

Compradores do exterior mostraram interesse no produto congelado e liofilizado, que já pode ser encontrado em supermercados gaúchos. | Foto: Ana Viana / Divulgação

Dez mil metros de estufas e um sistema de processamento moderno guardam, em Novo Paraíso, distrito do município de Estrela, no Vale do Taquari, morangos orgânicos in natura, congelados e liofilizados, que já podem ser encontrados em redes de supermercados no Rio Grande do Sul e se preparam para ganhar o mundo. O proprietário da Fazenda Paraíso, Luiz Pianta, criou, junto com a esposa, Márcia Kartsche, a marca Fraise, que agora integra o grupo de empresas apoiadas pelo Programa Agro.BR.

Pianta explica que a fazenda tem capacidade para produzir 100 toneladas de morangos por ano, em ambiente controlado e seguindo os preceitos da agricultura orgânica. Com irrigação que utiliza inclusive a água da chuva, a Fraise consegue selecionar e embalar os frutos na própria fazenda. O processo de liofilização – que proporciona a secagem do morango – é terceirizado.

“Pretendemos destinar pelo menos 30% da nossa produção para a exportação e sabemos que há, no mundo todo, uma grande demanda para o produto orgânico”, ressalta Pianta. Conforme o empresário, a Fraise ainda não exportou, mas tem negociações em andamento com compradores estrangeiros, que poderão, inclusive, visitar a estrutura em Estrela. O empreendimento também investe na produção de pimentas com vistas a atender o mercado externo.

 

Inovação no uso da erva-mate

Ariana Maia e o sócio Clovis Roberto Roman apostam na folha nativa como ingrediente de infusões que sugiram brasilidade ao mundo. | Foto: Inovamate / Divulgação

Bebida típica dos gaúchos e de alguns países sul-americanos, o chimarrão é a imagem que predomina quando se pensa no uso da erva-mate. Uma empresa de Ilópolis, um dos polos ervateiros do Rio Grande do Sul, decidiu, entretanto, explorar a planta nativa para além deste conceito e buscar mercados para um produto diferenciado com potencial para surpreender os consumidores do mundo. A Inovamate, criada em 2016 como uma startup, investiu em pesquisa científica para desenvolver blends de infusões que tenham a erva-mate como ingrediente, mas que sugiram brasilidade onde quer que sejam consumidos.

São cinco opções que representam regiões do Brasil, nas quais a folha da Ilex paraguariensis é usada como base de combinações que incluem ingredientes típicos. A região Sul tem mistura da erva verde com canela, uva-passa e maçã. Café, cranberry e alcaçuz fazem o blend do Sudeste. Laranja, pimenta rosa e funcho representam o Norte; coco, cacau e anis estrelado, o Nordeste; e buriti, abacaxi e gengibre, o Centro-Oeste. Os chás são acondicionados em embalagens de 100 gramas, para preparação em bules e infusores, e estão em fase de teste de degustação em países como os Estados Unidos e Portugal.

A diretora administrativa da empresa, Ariana Maia, destaca que a capacidade produtiva da Inovamate poderá chegar a 100 mil quilos de folhas processadas por ano. A matéria-prima vem de ervais de propriedade do sócio de Ariana, Clovis Roberto Roman, parte com manejo agroecológico e parte de plantio orgânico. Inscrita no Programa Agro.BR, a agroindústria tem se beneficiado do conhecimento propagado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Por enquanto, estamos aprendendo os trâmites para exportação e como obter as licenças para colocar nosso produto em cada país”, conta a diretora.

O próximo passo será fazer os investimentos necessários para atender especificidades de embalagem, certificações e pagamentos de taxas inerentes ao processo. “Nossa ideia é oferecer ao mundo uma nova experiência”, acrescenta Ariana, que é carioca, mas grande apreciadora da erva-mate. Além dos compostos regionais, a empresa tem uma linha de mais 14 produtos, que incluem a fusão da erva-mate com outras variedades de chás derivados da planta Camellia sinensis, como o verde e o oolong.

 

Para exportador de mel, programa abre mais portas

Das 200 toneladas de mel e derivados processadas no ano passado pela Zunn, agroindústria localizada em São Gabriel, na Região das Missões, 120 toneladas foram exportadas para países da União Europeia, Emirados Árabes, Estados Unidos, Canadá e China. A empresa tem dez funcionários e obtém matéria-prima por meio de parcerias com 80 apicultores do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O carro-chefe das exportações, que se iniciaram em 2018, é o mel (de eucalipto e floral), mas também são vendidos produtos como própolis, pólen, cera de abelhas e suplementos nutricionais.

Sócio-proprietário e apaixonado pela apicultura desde a adolescência, Edson Jobim conta que o mel, em embalagens de um quilo e de 500 gramas, é o produto mais procurado pelos compradores chineses, mas relata que a demanda não é constante. A Zunn acumula pedidos que lotem um contêiner no Porto de Rio Grande, com 20 toneladas, e então faz o envio. Para qualificar a produção e permitir atender a demanda estrangeira, assim como para obter todas as autorizações de caráter legal e sanitário, Jobim estima que foi investido cerca de R$ 1 milhão. Hoje, garante, são usados 70% da planta industrial, o que permite à empresa crescer se houver aumento da procura. “Vale a pena porque os produtos para exportação têm uma acréscimo de pelo menos 20% sobre o preço praticado no mercado nacional”, diz o empresário, que prefere não revelar os valores de venda de seus produtos no comércio interno e no exterior.

Mesmo não sendo estreante, a Zunn está cadastrada no Programa Agro.BR desde o final do ano passado e já participou de reuniões preparatórias para encontrar compradores, mas ainda não esteve em nenhuma rodada de negociações. “Acreditamos que, sim, o programa vai nos abrir portas para o futuro”, completa Jobim.

 

Novos mercados para o suco

Cooperativa já tem produto licenciado para exportação, mas aposta no Agro.BR para se aproximar dos mercados estrangeiros

Franciele diz que capacidade de processamento da Monte Vêneto aumentou e agora é necessário procurar novos mercados. | Foto: Joelso Tomazi / Divulgação

Uma das 12 empresas do país que já contam com o Selo de Uva Puro, certificação concedida pela Associação Brasileira de Elaboradores de Suco de Uva Puro, a Cooperativa Monte Vêneto, com sede em Cotiporã, na Região da Serra do Rio Grande do Sul, está empenhada em acompanhar as etapas do Programa Agro.BR. Embora já tenha licenciado seu produto para exportação, o empreendimento aposta no programa como forma de se aproximar dos mercados estrangeiros.

A gerente de vendas da cooperativa, Franciele Dal Mas, conta que a Monte Vêneto fez algumas exportações pontuais no passado para países da América do Norte, China e Venezuela. “Mas o que acontece agora é que nossa capacidade de processamento aumentou e precisamos encontrar novos mercados para o nosso produto”, revela. Com matéria-prima calculada em 3,5 milhões de quilos de uva por ano, entregues por 170 famílias da região, o parque industrial da cooperativa produz por ano cerca de 2,7 milhões de litros de suco integral. Além do suco de uva, são fabricados outros sabores de bebidas, com frutas como a goiaba, manga, maçã e tangerina.

De acordo com Franciele, os produtos da Monte Vêneto estão disponíveis tanto no varejo quanto nas vendas institucionais – como, por exemplo, a merenda escolar –, mas a pandemia e suas consequências econômicas têm afetado a comercialização. “Por isso, acreditamos que exportar é uma excelente oportunidade e o Agro.BR está nos dando as ferramentas para isso”, afirma a gerente, antecipando que já estão sendo feitas negociações de venda com a União Europeia (UE) a partir dos canais abertos pelo programa. “Não temos um destino preferencial”, admite. “Pelo contrário, estamos interessados em negociar nosso produto para qualquer país”, finaliza.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895