Mais conhecimento para aderir à ILPF

Mais conhecimento para aderir à ILPF

Produção integrada sistêmica ainda enfrenta barreiras entre os agricultores, mas avança à medida que o conhecimento chega ao campo, potencializa a produtividade por hectare, preserva recursos naturais e mitiga e emissão de carbono

Por
Thaíse Teixeira

Se a integração fosse um jogo de cartas, e cada carta fosse uma opção agrícola, “o Rio Grande do Sul seria um dos baralhos mais ricos do mundo”. É assim que o diretor da Aliança SIPA (Sistemas Integrados de Produção Agropecuária), Paulo Carvalho, define o potencial da matriz produtiva gaúcha no cenário dos sistemas produtivos integrados. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Comitê Gestor Estadual do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+RS), o doutor em Zootecnia diz ainda que, aproximadamente, 20% das propriedades rurais gaúchas possuem algum nível de integração produtiva, o mais alto percentual entre todos os estados brasileiros. Mas apesar de o Estado liderar este ranking e de a perspectiva seguir em crescimento, o docente afirma que grande parte dos cultivos e das criações não são efetivamente integrados. 

Do campo, surgem as mais explicações para a não adoção da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, conceito estratificado pela Associação Rede ILPF em Integração Lavoura-Pecuária (ILP), Integração Lavoura-Pecuária e Floresta (ILPF), Integração Pecuária-Floresta (IPF) e Integração Lavoura-Floresta (ILF). A falta de conhecimento sobre o tema e do quanto a continuidade da produção em longo prazo depende da renovação dos recursos naturais (por meio das próprias atividades) tem sido um dos grandes limitadores da aplicação do que Carvalho considera como produção holística. “A lógica é tudo estar ótimo o tempo todo no sistema e não somente em uma única cultura ou ter em uma segunda opção de renda que, por ser menos relevante economicamente, seja secundária”, explica. A situação é de difícil percepção e, normalmente, é percebida pelas gerações seguintes após anos de exploração. “Se o produtor efetivamente integra os sistemas, vai para um nível de melhor uso de todos os seus recursos naturais, passa a ter lucro por hectare, e não só do grão”, exemplifica. 

Para quem está em contato direto com os produtores como Pedro Rodrigues, técnico do Serviço de Aprendizagem Rural no Rio Grande do Sul (Senar/RS), a adoção do correto conceito de produção integrada esbarra no anseio pelo retorno financeiro em curto prazo. “Temos muitas áreas com pecuária e agricultura, mas que não trabalham no conceito de integração. A ideia principal é termos uma produção sustentável, aumentando a produtividade por área, não esgotando os recursos naturais, mas os acumulando”, explica. O profissional, que percorre o Estado com o programa Duas Safras, relata que as imersões são preparadas de acordo com o perfil produtivo de cada região. “Temos de conhecer a aptidão de cada terreno, de cada área. Ano passado, fomos a nove regiões. Em cada uma a integração foi tratada de forma diferente”, lembra. 

Uma das dificuldades percebidas por Rodrigues é a insegurança dos produtores com relação à assertividade das mudanças necessárias à diversificação produtiva. Por esse motivo, o Senar/RS disponibiliza técnicos para acompanharem os processos diretamente nas propriedades, fazendo com que os gestores não desistam do processo. “Há períodos de crise, como essa estiagem, por exemplo, que atrapalham o planejamento inicial. Porém, com auxílio profissional, o produtor consegue seguir sem medo e justamente perceber os benefícios produtivos da integração”, argumenta. A “mágica” acontece durante as consultorias, que têm duração prevista entre dois e três anos. Custeada pela contribuição obrigatória do Funrural, cujo percentual subsidia atividades de extensão rural do Senar-RS, a assessoria contempla desde a definição da estratégia produtiva a cada propriedade – de acordo com as características naturais, mercadológicas e operacionais da região – até a escolha das tecnologias adequadas à realidade do produtor. 

O custo de infraestrutura necessária também desencoraja alguns agricultores, especialmente os que não veem no arrendamento uma opção para que outra atividade seja realizada de forma paralela e integrada à sua, com inclusão ou não do componente agroflorestal. “O agricultor precisa entender que, no curto prazo, vai deixar de ganhar, mas vai lucrar muito mais no longo prazo, e não só com o manejo sustentável. Vai manter e aumentar o potencial produtivo da propriedade, valorizando a própria terra, ampliar a renda, a empregabilidade, tornar o negócio atrativo aos jovens e estabelecer a sucessão familiar”, enumera Rodrigues. 

A troca de informações desencontradas e infundadas, aprendidas de uma geração para a outra, também é inimiga da integração. Trata-se de concepções sem embasamento que adquirem status de verdades absolutas, como, por exemplo, a de que o gado, ao pisotear a área de lavoura, contribui para a compactação do solo. “Se você colocar um exagerado número de animais por hectare, vai compactar mesmo. A carga animal deve ser observada de tempo em tempo e, com a seca como a deste verão, por exemplo, precisa ser alterada”, explica Rodrigues. 

“Tudo é questão de conhecimento. Se você põe gado demais em cima da terra dá problema mesmo, mas quando o utiliza da maneira adequada, devolve a vida para o solo através do esterco, da urina, da microbiota do solo, dos insetos, e você amplia seu volume de produção e reduz a necessidade de usar insumos químicos”, retoma Carvalho. Segundo ele, há de se entender que o grão é exportador e o gado é o reciclador de nutrientes do solo, e que essa é a maneira mais rápida e eficaz de ampliar a produção e a produtividade, respeitar e preservar o meio ambiente e produzir alimentos de forma sustentável para esta e para as próximas gerações. 

Diversificação turbina a produção gaúcha

Ao contrário do que ocorre na região Central do Brasil, em que a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) é bastante utilizada para recuperar solos degradados, Rio Grande do Sul usa estratégia para ampliar os cultivos e torná-los sustentáveis

Ofoco dos sistemas integrados difere de uma região para outra do Brasil. Enquanto no centro do país o sistema é bastante utilizado para recuperar áreas já degradadas pela agropecuária, no Sul, é diversificar a produção. “Ninguém fala em degradação de solo agrícola aqui. No entanto, temos extensas áreas agrícolas que só produzem uma commodity por ano”, aponta o diretor da Aliança SIPA(Sistemas Integrados de Produção Agropecuária), Paulo Carvalho. A situação fica ainda mais clara quando se verifica que, dos 6 milhões de hectares cultivados com soja no Rio Grande do Sul, aproximadamente 1 milhão de hectares se tornam lavoura no inverno, conforme a Aliança SIPA. “O resto é o que eu chamo de ‘oportunidade’ e opera com cobertura de solo para fazer palhada (plantas forrageiras). Agora, eu pergunto: por que não colocar um gado em cima da forragem para recuperar o solo agrícola e as perdas de nutrientes acumuladas em longo prazo?”, questiona o professor.

Foi justamente o que compreendeu Gabriel Mello Souza Fernandes, da Estância Maria, de Pedras Altas, quando resolveu fomentar a produção de pasto para o gado de corte criado em ciclo completo desde 1999. Os testes iniciaram em 2009, em um pequena gleba dos 2,4 mil hectares da propriedade localizada na fronteira com o Uruguai, região de altas temperaturas e de pouca chuva durante o verão. “Nossa ideia era irrigar para conseguir terminar o gado nos primeiros meses do ano e, assim, comercializá-lo por melhores preços frente à tradicional redução de oferta característica nessa época do ano”, conta o pecuarista. 

As primeiras experiências foram tão animadoras que, juntamente com os irmãos e com a mãe, também administradores do negócio, Fernandes decidiu, em 2012, iniciar os mesmos testes na produção de soja, e, em 2014, implantar de vez a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) entre o cultivo da oleaginosa e a pecuária de ciclo completo. A mudança foi lenta e gradual, mas a contratação de consultorias especializadas lhe absteve do alto custo que poderia advir da falta de conhecimento especializado na área. “É muito caro errar. Na balança do que vale a pena, o preço de uma consultoria por hectare é infinitamente menor que o do rombo que um erro pode trazer para seu negócio”, enfatiza Fernandes. 

As mudanças incluíram desde a compra de maquinário, algo até então inimaginável, até a contratação de mão de obra mais técnica e qualificada que a utilizada na bovinocultura de corte. Fernandes também mudou radicalmente o manejo produtivo da Estância Santa Maria para que ambas as atividades se beneficiassem das características climáticas e ambientais locais, que conferem maior produtividade aos grãos durante o verão e à pecuária no inverno. “O grande negócio, a meu ver, é a lavoura. Só que a pecuária tem um espaço muito interessante porque traz ao produtor uma segunda renda, uma garantia de recursos em anos atípicos como este que estamos vivendo, por exemplo”, afirma. 
Atualmente, a Santa Maria destina 1,4 mil hectares à safra de soja, que inicia após o deslocamento dos 2 mil animais para uma área de 800 hectares, onde há oferta de sorgo irrigado e de campo nativo adubado. A lotação de 2,6 cabeças por hectare resultam do que Fernandes chama de “pastoreio horário”, manejo por meio do qual o gado come por algumas horas e volta ao potreiro. “Aos jovens, damos uma comida melhor, como o capim Sudão. Já as vacas comem o pasto nativo”, diz. 

O gado retorna à área ocupada com a sojicultura pouco após o término da colheita, quando já encontra alimentação farta e de qualidade. “Quando a soja amarela a folha, a gente voa com o azevém BRS Ponteio, cultivar da Embrapa adaptada à região Sul”, detalha. O capim, já emergido na época da colheita, acaba um pouco cortado pelo maquinário, mas é estimulado a crescer. “Quando colhemos a soja, ele já está nascido em baixo. Na primeira chuva, a gente já aplica o adubo nitrogenado e, em seguida, inicia o pastoreio”, detalha o produtor.

A irrigação adotada para ambas as produções provém da captação de água da chuva. Os cinco açudes da propriedade ocupam 200 hectares e, neste ano, garantiram uma produtividade média de 65 sacas de soja por hectare à família. Devido ao terceiro ano de escassez hídrica no Estado, o resultado foi inferior à média de 70 sacas por hectare alcançada nos últimos três anos e à marca de 75 sacas por hectare proveniente da cultivar BMX Zeus, implantada nas duas últimas safras. No entanto, o resultado é mais de seis vezes o que estão colhendo as propriedades vizinhas, que, sem irrigação, amargam rendimento entre 5 sacas e 15 sacas por hectare. 

Com uma equipe de 16 funcionários, a Estância Santa Maria também usa parte da produção para terminar o gado e faz reserva forrageira a pasto. “A terra é o insumo mais caro. Precisamos produzid alimento para o mundo. Nosso desafio é sermos cada vez mais eficientes e competitivos, produzindo de maneira sustentável para as próprias gerações”, conclui o produtor.

Mensuração de emissões volta à pauta do Codesul

O trabalho encabeçado pela Secretaria da Agricultura (Seapi) na condução do ABC+RS é realizado de forma transversal com as secretarias do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) e do Desenvolvimento Rural (SDR). Enquanto as ações do programa são implementadas, outras iniciativas correm paralelas e são igualmente importantes para a agricultura de baixo carbono. “O programa foi desenhado pela Seapi, mas a Sema por ter a Assessoria do Clima, acompanha e incentiva essas ações certificando as Boas Práticas Ambientais, buscando a ampliação e a valorização desses métodos como ativos que podem agregar valor aos produtos oriundos desse tipo de produção”, explica a secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Marjorie Kauffmann.

Uma das ações conjuntas foi alinhavada durante a COP 27, em novembro do ano passado, no Egito, quando as pastas do Meio Ambiente e da Agricultura assinaram protocolo no âmbito do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul (Codesul) com representantes de Santa Catarina, do Paraná e do Mato Grosso do Sul para, em bloco, contratar um projeto de mensuração dos GEEs realizado via monitoramento por satélite (STARSS). “As práticas para mitigação e redução dos gases ocorrem paralelamente à implementação de sistemas de mensuração melhores e mais específicos aos nossos biomas e à nossa realidade”, diz.

O encaminhamento do tema estará na pauta da próxima reunião do Codesul, prevista para maio, a qual será conduzida pelo novo presidente do bloco, o governador do Esado Eduardo Leite. “O governador assume o cargo e os secretários passam a coordenar câmaras técnicas específicas do Codesul. Nesse sentido, eu passo a coordenar a Câmara de Meio Ambiente do Codesul, onde vamos encaminhar a questão contratação do serviço de mensuração por satélite do STARSS, que poderá ser feita tanto pelo bloco ou de forma individual, por estado”, conclui Marjorie.

ILP destaca-se entre as tecnologias do Plano ABC+

Metas estabelecidas pelo Comitê Gestor Estadual do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+RS) visam ampliar áreas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta em mais de 1 milhão de hectares no Rio Grande do Sul até 2030

Atransferência de conhecimento realizada pelo Sistema S (Farsul, Senar e Sebrae) e pela Aliança SIPA são apenas algumas das ações executadas pelo Comitê Gestor Estadual do Programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC+RS) para ampliar a área de produção integrada (ILPF) em mais de 1 milhão de hectares no Rio Grande do Sul até 2030. O objetivo atende regionalmente a uma das oito tecnologias preconizadas pelo Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária - ABC+ para o período 2020-2030, do Ministério da Agricultura (Mapa), cuja meta é mitigar a emissão de 1.042,41 milhões de toneladas de carbono equivalente ao meio ambiente. “Para que o Estado consiga ampliar a adoção das tecnologias que compõem o programa, a Secretaria da Agricultura e entidades que integram o comitê gestor estadual do Plano ABC+RS, planejam a realização de seminários, dias de campo e instalação de unidades de referência tecnológica (URT) com o objetivo de promover a conscientização e o convencimento dos produtores para que consigam implementar de forma adequada as tecnologias que resultam efetivamente no aumento da produção agropecuária”, explica o secretário da Agricultura, Giovani Feltes.

No aguardo do aval do Mapa para oficializar as metas do ABC+RS no Diário Oficial do Estado (DOE), o coordenador do comitê gestor, Jackson Brilhante diz que, atualmente, a ILP responde por quase a totalidade dos 2,2 milhões de hectares ocupados com sistemas integrados no Estado, ou 12,6% do total nacional. A estratégia, que cresce à média de 100 mil hectares ao ano no RS, levou o estado à terceira posição no ranking da Rede ILPF, perdendo apenas para o Mato Grosso (2,281 milhões de hectares) e para Mato Grosso do Sul, com 3,169 milhões de hectares. 

Segundo o vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e ex-secretário da Agricultura, Domingos Velho Lopes, o desafio da entidade frente a esses compromissos é disseminar o reconhecimento mundial sobre a agricultura de baixo carbono já realizada pelos produtores gaúchos. “O RS já é carbono neutro ou sequestrador de carbono. Só que, para afirmar isso, precisamos de medições”, condiciona. A chancela veio em 2021, quando o sistema ILPF foi reconhecido como modelo de desenvolvimento sustentável pelo Grupo de Trabalho Conjunto em Agricultura Koronivia no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Foi quando também o setor passou a ocupar lugar de destaque na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP) . 

Plano ABC+

Como o governo federal pretende diminuir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência dos sistemas de produção agropecuários frente à mudança do clima, a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade e dar estabilidade climática aos sistemas produtivos de 72,68 milhões de hectares no país até 2030:

I - ampliar em 30 milhões de hectares as áreas com adoção de Práticas para Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD);
II - ampliar em 12,58 milhões de hectares a área com adoção de Sistema de Plantio Direto;
III - ampliar em 10,10 milhões de hectares a área com adoção de Sistemas de Integração;
IV - ampliar em 4 milhões de hectares a área com adoção de Florestas Plantadas;
V - ampliar em 13 milhões de hectares a área com adoção de Bioinsumos;
VI - ampliar em 3 milhões de hectares a área com adoção de Sistemas Irrigados;
VII - ampliar em 208,40 milhões de metros cúbicos a adoção de Manejo de Resíduos da Produção Animal; 
VIII - ampliar em 5 milhões os bovinos em Terminação Intensiva.

Fonte: Decreto 471, publicado no Diário Oficial da União (DOU) de 10 de agosto de 2022

Correio do Povo
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