Memórias e tradições: museu preserva a herança alemã em São Leopoldo

Memórias e tradições: museu preserva a herança alemã em São Leopoldo

Um acervo rico em objetos, documentos e fotos que revelam a saga dos imigrantes alemães no sul do Brasil

Legado em cada detalhe: Ingrid Marxen, do Museu, apresenta réplica das portas construídas pelos imigrantes

Por
Lisiane Mossmann

João Ludovico Hüpper chegou à Real Feitoria do Linho Cânhamo, que daria origem, mais tarde, à cidade de São Leopoldo, com cerca de quatro meses. Era 25 de julho de 1824. Com ele e seus pais, João Frederico e Margarida Hüpper, chegaram mais 36 imigrantes em busca de um novo lar, consolidando a presença alemã na região.

A história de João Ludovico, que nasceu a bordo do veleiro Anna Louise, vindo da cidade de Hamburgo, Alemanha, é apenas um dos muitos capítulos que o Museu Histórico Visconde de São Leopoldo conta sobre a chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul. Localizado em São Leopoldo, transformou-se em um guardião da memória e da cultura dos imigrantes alemães que ajudaram a moldar a identidade da região.

Ao entrar no seu prédio de dois pisos, o visitante se conecta com a história da chegada dos imigrantes alemães, a partir do acervo composto por objetos, documentos, fotografias e mapas. O museu narra a saga dos alemães que, a partir de 1824, deixaram suas casas na Europa com a promessa de concessão de terras férteis para o cultivo e criação de animais, propriedade individual da terra, o que era algo incomum no continente europeu na época, além da isenção de impostos por um período.

O Império brasileiro ainda prometeu ferramentas e sementes para iniciar a agricultura, empréstimos para financiar a compra das terras e assistência técnica para o desenvolvimento das propriedades. Também tinham acordado a criação de escolas para os filhos dos imigrantes e professores alemães para lecionar nas escolas. Um acordo que em boa parte não se cumpriu.

A diretora de Relações Institucionais do Museu, Ingrid Marxen, diz que o início da colonização foi um período difícil em que as famílias passaram dificuldades financeiras e também fome. Nas suas malas – o museu possui uma original feita em couro e madeira –, a Bíblia e, quem sabe, peças como vestidos e camisas de lã e linho, calças e casacos de couro, chapéus e lenços, botas e sapatos. Talvez ainda pratos, copos e talheres de metal ou madeira, panelas e frigideiras de ferro e cobertores e lençóis. Na época, as malas eram geralmente pequenas e compactas, pois os colonos precisavam transportar tudo a pé ou em carroças.

Ingrid, ao ser questionada sobre qual, na sua opinião, seria o objeto mais importante do acervo, não hesita: “São três: a mala, o exemplar da bíblia de 1765 e a lousa para estudar”. Afinal, os três itens representam a herança deixada por esses desbravadores do sul do País: a esperança do recomeço, a educação e a religiosidade.

A Bíblia, original e traduzida por Martinho Lutero para o alemão, está em escrita gótica. Afinal, a Alemanha era primordialmente o país na Europa que a usava e permaneceu a utilizando até o século XX. “Essa bíblia simboliza também os primeiros não católicos que ingressaram ao país a partir do acordo feito com o Império brasileiro”, acentua Ingrid.

Fundado para preservar a história

Quem busca compreender a história da imigração alemã no Brasil, obrigatoriamente precisa visitar ou fazer pesquisas no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. Fundado em 1959 pelo professor e historiador Telmo Lauro Müller, têm a tradição da preservação e do resgate da cultura germânica no País.

Seu início foi em uma sala da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), onde o professor Telmo começou a guardar objetos importantes que estavam sendo descartados. Ele decidiu, então, organizar uma coleção, que mais tarde se tornaria o acervo do museu. Em 20 de setembro de 1959, o museu foi oficialmente fundado, coincidindo com o feriado gaúcho da Revolução Farroupilha.

O museu, por algum tempo ficou, localizado em um prédio na esquina da avenida Independência, em São Leopoldo. Posteriormente, mudou-se para o local onde está atualmente, ampliando seu espaço e seu acervo. Atualmente, o museu conta com mais de 10 mil objetos, 25 mil livros, 85 mil fotos, 9 mil periódicos e 12 mil documentos, sendo um espaço de pesquisa e conhecimento para quem se interessa pela história local e da imigração alemã.

O Museu Histórico Visconde de São Leopoldo também desempenha um papel fundamental na divulgação da cultura e história da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Com visitas guiadas e uma programação educativa, atrai escolas e turistas interessados em conhecer mais sobre essa parte importante da história gaúcha e brasileira. Seu surgimento se deu, principalmente, a partir de muito trabalho voluntário, além da ajuda da iniciativa pública e privada.

A instituição preserva não apenas objetos, mas histórias de vida e sonhos de um povo que cruzou o oceano em busca de esperança. A jornada de João Ludovico e sua família é emblemática dessa saga, marcando o início de uma nova comunidade, a cidade de São Leopoldo. Através de seu acervo rico e diversificado, o museu oferece uma janela para o passado, permitindo que os visitantes compreendam as motivações, desafios e conquistas desses pioneiros.

As narrativas encontradas no museu

A narrativa começa com a chegada dos primeiros imigrantes, como os Hüpper, que trouxeram consigo não apenas seus pertences, mas também suas tradições, cultura e uma forte determinação. O museu destaca a importância da terra e da agricultura para esses imigrantes.

As exposições do museu são cuidadosamente pensadas para mostrar a transição da vida na Europa para a adaptação ao novo mundo. Os objetos pessoais, como louças, livros e roupas, são testemunhas silenciosas das vidas que tocaram e das histórias que contêm. Falam sobre a vida cotidiana e as tradições mantidas apesar da distância de sua terra natal.

O museu também aborda a contribuição dos imigrantes alemães para o desenvolvimento da região, desde a agricultura até a educação, com a criação de escolas e a importação de professores da Alemanha. Essa influência é sentida até hoje e o museu serve como um lembrete da diversidade cultural que forma o Brasil.

Atividades históricas variadas

O Museu Histórico Visconde de São Leopoldo se transformou em centro cultural com variadas atividades: visitas guiadas às exposições, seminários temáticos, ensino de história para crianças e atendimento a pesquisadores. Além disso, oferece cursos, atividades pedagógicas e lúdicas e produção científica baseada em seu acervo.

Também realiza pesquisa e catalogação de seu acervo, restauração e cursos específicos, além de coletar e registrar permanentemente a história da cidade. Uma das iniciativas é o Centro de Pesquisas, criado em parceria com o Genealogia/RS, que oferece atendimento presencial e personalizado para pesquisadores interessados em informações genealógicas e históricas da imigração alemã. Com um banco de dados com cerca de 1,5 milhão de registros, baseado em mais de quinhentos livros em papel e formato digital, o Centro de Pesquisas facilita bastante as pesquisas.

O museu também está envolvido em um projeto de digitalização e disponibilização de seu acervo, visando fomentar o conhecimento sobre as origens do município e dos antepassados da comunidade local, especialmente da colonização alemã. Documentos de grande valor histórico, como o Arquivo Público Colônia de São Leopoldo e o jornal Deutsche Post, estão sendo catalogados e digitalizados para consulta online.

SERVIÇO

  • Visitação: Terça a sábado
  • Horário: das 8h30 às 12h e das 13h30 às 17h30
  • Telefone e WhatsApp: (051) 3592 4557
  • E-mail: museuhistoricosl@museuhistoricosl.com.br

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895