Mudanças questionadas

Mudanças questionadas

Portaria que consolida legislação dos orgânicos é bem recebida por tornar normas mais claras e, ao mesmo tempo, criticada por admitir substâncias que não eram permitidas

Por
Nereida Vergara

Produtores de orgânicos e suas entidades representativas querem protocolar, ainda no início deste segundo semestre do ano, uma proposta de ajuste da Portaria nº 52, publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em março e que deve entrar em vigor em 1º de abril de 2022, um ano depois da previsão inicial, que era 1º de abril de 2021. O novo regramento ainda não encontrou consenso entre autoridades e agricultores, uma vez que altera preceitos defendidos pela agropecuária com viés ecológico há mais de 40 anos. A concordância, por enquanto, é de que a portaria, além de sintetizar itens antes pulverizados em várias instruções normativas, define com mais clareza o que é a produção orgânica e suas divisões.

O agrônomo Leandro Venturini, coordenador do conselho técnico da Rede Ecovida, entidade que congrega integrantes do setor, do campo à certificação, diz que a nova regulamentação (veja detalhes no quadro) tem mais pontos negativos do que positivos. “Se avançou, basicamente, na conceituação do que é produção orgânica, deixando para trás definições dúbias que existiam no regramento anterior, a Instrução Normativa nº 46”, afirma. “No restante, há pontos muito controversos.”

Entre os itens discutíveis da portaria, Venturini cita a inclusão de substâncias que  não eram permitidas na produção orgânica. “Há ali ingredientes adjuvantes para a formulação de biodefensivos, como óleos emulsificantes, por exemplo, de grande potencial tóxico, que não se usava até aqui”, alerta. Para o agrônomo, também são graves as mudanças para a produção da pecuária orgânica, como a que aumenta a densidade de animais por hectare. “Isso favorece o aumento da produção, mas, por outro lado, contraria as normas de bem-estar animal”, pontua.

Venturini chama a atenção, ainda, para o fato de que a nova legislação publicada pelo Mapa foi alvo de consulta pública, o que realmente permitiu a participação de agricultores e entidades. “No entanto, a versão final tem elementos que não apareciam quando na consulta, o que leva a crer que o Brasil afrouxa e fragiliza a produção orgânica enquanto o mundo inteiro vai na direção oposta”, acrescenta.

O também agrônomo Sebastião Pinheiro, que acompanhou o desenvolvimento da agroecologia nas últimas quatro décadas, considera a portaria um retrocesso. “Além de permitir o consumo de venenos, porque não há outro nome para algumas substâncias incluídas ali, a nova legislação abre caminho para as grandes organizações explorarem o segmento, o que vai dificultar a competitividade para os pequenos produtores”, prevê Pinheiro.

No âmbito da superintendência regional do Mapa, o auditor fiscal federal agropecuário José Cléber Dias de Souza, do Departamento de Produção Orgânica, reconhece as reclamações e concorda que podem ser questionáveis a inclusão de algumas substâncias e o adensamento de animais por hectare na pecuária, mas entende que, no geral, a portaria traz evolução. O servidor destaca a adequação das normas à produção de sementes e mudas orgânicas como algo fundamental. “Até agora havia regras para a produção desses insumos e o agricultor podia fazer seu plantio com sementes e mudas da agricultura tradicional”, explica Souza, salientando que a partir do regramento haverá um prazo de adaptação para o uso exclusivo do insumo orgânico. “Afora isso, é importante lembrar que em todo este processo o Mapa tem sido parceiro do agricultor, inclusive na iniciativa de conseguir o adiamento para o ano que vem da vigência da portaria”, conclui.

Hoje, dos 24 mil estabelecimentos com produção orgânica do Brasil, cerca de 3,5 mil estão no Rio Grande do Sul, estado líder na atividade. O agrônomo e assessor de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Adrik Richter, também considera a Portaria nº 52 um avanço. “Não é de todo positiva e haverá tempo para contestar aquilo que o produtor discorda, mas achamos que a regra melhora realmente ao definir o que é a produção orgânica e os requisitos para a conversão”, argumenta. Segundo Richter, hoje, em torno de 5% dos cerca de 200 mil associados da federação participam da produção orgânica já certificada ou em processo de certificação.

Portaria nº 52

A portaria foi publicada dia 23 de março de 2021 e deve entrar em vigor no dia 1º de abril de 2022. Tem 144 artigos e oito anexos.

  • Atualiza o regulamento técnico, bem como as listas de substâncias e práticas permitidas em sistemas orgânicos de produção.
  • Incorpora as normas para produção de sementes, mudas e de cogumelos comestíveis na agricultura orgânica.
  • Na caracterização da unidade de produção orgânica, incrementa a obrigatoriedade da adoção de medidas de proteção contra contaminação por unidades de produção vizinhas.
  • Muda regras para a produção animal e de mel.
  • Incluí substâncias para uso como dessecante.
  • Estabelece prazos para o período de conversão.

A íntegra do documento pode ser consultada aqui.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895