Especial

Na COP30, o desafio de uma frente unida em tempos de crise

Para finalizar os preparativos, foi aberta na última segunda-feira a tradicional pré-COP, encontro informal com ministros de 67 países

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A COP30 começa em menos de um mês em Belém do Pará com o colossal desafio de unir os países do mundo para continuar o combate à mudança climática, apesar dos ventos contrários, principalmente devido à retirada dos Estados Unidos.

Para finalizar os preparativos, foi aberta na última segunda-feira a tradicional reunião “pré-COP”, um encontro informal de ministros de dois dias que conta com a participação de 67 países. Na reta final é “onde o verdadeiro progresso acontece. Nos próximos dias, peço-lhes para ir um pouco mais longe” em Belém, instou o secretário-executivo da ONU para a Mudança Climática, Simon Stiell.

A reunião prepara para a Conferência do Clima da ONU que acontece de 10 a 21 de novembro, em Belém, a primeira na Amazônia | Foto: Evaristo Sa / AFP

Será que a COP30 corresponderá às expectativas após os dois anos mais quentes já registrados e a multiplicação das ondas de calor e tempestades mortais em todo o mundo?

Ao contrário das duas últimas edições, que resultaram em acordos históricos sobre combustíveis fósseis e finanças, nesta COP “não devemos esperar grandes manchetes ou acordos sobre questões importantes”, estima Marta Torres-Gunfaus, do think tank parisiense IDDRI.

A presidência brasileira da COP30 observa a falta generalizada de disposição para assumir novos compromissos ambiciosos e prioriza a implementação de soluções já acordadas. Também quer demonstrar que ainda se pode acreditar no multilateralismo, apesar das dificuldades, como a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, as guerras comerciais e tarifárias, e a ascensão de partidos céticos em relação ao clima.

“Para que possamos evitar não apenas o ponto de não retorno do sistema climático global, mas o ponto de não retorno do multilateralismo climático que está sendo questionado em função da baixa implementação que alcançou os consensos que até aqui foram estabelecidos”, declarou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em Brasília.

Convite a Trump e poucas presenças confirmadas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva insistiu em sediar esta 30ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (10 a 21 de novembro) em Belém, a primeira na Amazônia. Mas ele pretende reunir dezenas de chefes de Estado e de Governo em uma cúpula agendada para alguns dias antes (6 e 7 de novembro) para aliviar a cidade do desafio logístico imposto pela chegada de 50 mil negociadores, ativistas, especialistas e outros participantes.

Poucos líderes confirmaram até agora sua participação neste período marcado por turbulências geopolíticas e econômicas que tiraram os holofotes das preocupações climáticas. O rei Charles III da Inglaterra será representado pelo filho, o príncipe William. O presidente da Áustria desistiu da reunião devido ao alto custo dos hotéis, questão que também compromete a participação de ONGs e países pobres, a ponto de ofuscar o conteúdo das negociações. Países como Gâmbia, Cabo Verde e até mesmo o Japão disseram à AFP que planejam reduzir suas delegações.

Mas o Brasil não cedeu aos apelos para transferir o evento para outra cidade e fretou dois navios de cruzeiro para aumentar o número de leitos em Belém. “Conheço a infraestrutura de Belém”, declarou Lula, mas “a gente quer mostrar a Amazônia”. O presidente destacou o avanço das obras nesta cidade de 1,4 milhão de habitantes com infraestrutura limitada. E afirmou que pretende “dormir em um barco”.

Lula, comprometido com o fim do desmatamento até 2030, mas também defensor da exploração de petróleo na costa da Amazônia, prometeu uma "COP da verdade". A dividida União Europeia não conseguiu finalizar a tempo seu novo compromisso de redução de emissões até 2035 e a China se contentou com metas minimalistas. É improvável que os Estados Unidos enviem uma delegação.

Lula pretende reunir em Belém chefes de Estado e de Governo alguns dias antes da COP30 | Foto: Evaristo Sa / AFP

Acordo de Paris enfrenta reavaliação após dez anos

Dez anos após o histórico Acordo de Paris, a diplomacia climática vive momento de reavaliação e questionamentos enquanto o planeta se aproxima do limite de aquecimento seguro e permanece dividido em termos geopolíticos e econômicos. O desafio para a COP30 em Belém é colocar as promessas em prática. Em 2015, 196 países se comprometeram em Paris a manter o aquecimento global “bem abaixo” dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e a seguir trabalhando para limitá-lo a 1,5ºC.

Mas este décimo aniversário é marcado por dificuldades. Uma delas é a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que classifica a mudança climática como “fraude”, de retirar seu país pela segunda vez do tratado. Juntamente com outros países, os Estados Unidos — segundo maior poluidor do planeta, atrás de China — estimam produzir cada vez mais petróleo, gás natural e carvão, ignorando a promessa feita na COP28 de Dubai em 2023: iniciar uma transição para abandonar este tipo de energia.

Para aplicar o Acordo de Paris, os países também deveriam atualizar até setembro suas rotas climáticas para 2035. Mas, enquanto a União Europeia ainda não concluiu seu trabalho, a China se contentou com objetivos minimalistas. Apesar da dificuldade em assumir compromissos, as Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP) continuam sendo “absolutamente necessárias” para responsabilizar os países por sua falta de ambição, opina Patricia Espinosa, ex-diretora da ONU Clima. “Não acredito que haja outra forma de lidar com uma ameaça tão grande para a humanidade”, declarou à AFP. E, apesar de suas imperfeições, as COPs “proporcionaram um programa muito claro sobre o que devemos fazer”, afirmou.

Segundo a ONU, o tratado histórico permitiu uma mudança de rumo notável para o mundo. Antes do pacto, o planeta caminhava para um aquecimento catastrófico de 5°C até o final do século, frente aos 3°C atuais.

O mundo viveu seu primeiro ano acima de 1,5°C em 2024, com gigantescos incêndios, inundações e ondas de calor mortais. No acordo de 2015, este limite de temperatura é entendido como uma média de 10 ou 20 anos. E a maioria dos cientistas estima que será ultrapassado em alguns poucos anos, a menos que ocorra uma mudança de rumo radical.

“Devemos admitir que fracassamos em proteger as pessoas e as nações dos efeitos incontroláveis da mudança climática provocada pelo ser humano. Mas não somos obrigados a continuar fracassando”, declarou à ONU o diretor do Instituto de Pesquisa Climática de Potsdam, Johan Rockström, no mês passado em Nova Iorque.

O acordo consagrou princípios importantes como o financiamento para o clima ou a adaptação à mudança climática. Também desempenhou um papel fundamental em uma decisão em julho da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que declarou "ilícito" o descumprimento das obrigações climáticas por parte dos Estados, o que abriria precedentes para que países afetados exigissem indenizações.

As soluções mais eficazes, entretanto, como o desenvolvimento da energia solar e eólica, não têm relação direta com o acordo. Neste aspecto, a China começou a liderar a corrida pelas energias renováveis nos anos 2000, com base em inovações desenvolvidas na Europa e nos EUA nas décadas anteriores, lembra Kingsmill Bond, do centro de estudos Ember.

Menos emissões, mais florestas e dinheiro

A conferência climática que acontecerá no Brasil será a primeira organizada na região da Amazônia e marcará uma década do Acordo de Paris.

Ao contrário de edições recentes, a COP30 não tem um tema ou objetivo específico. Isso não significa que os grandes poluidores conseguirão evitar a pressão das nações mais vulneráveis. Estas serão as principais questões sobre a mesa da COP30:

Emissões: O mundo não está reduzindo as emissões de maneira suficientemente rápida para limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC na comparação com a era pré-industrial, como estabelece o Acordo de Paris. As nações signatárias do acordo são obrigadas a apresentar objetivos mais ambiciosos para a redução de suas emissões de gases do efeito estufa a cada cinco anos. A última rodada de compromissos para 2035 deveria ser entregue em fevereiro. O Brasil foi um dos primeiros a dar o exemplo, mas a maioria dos países não cumpriu o prazo.

Dinheiro: Especificamente quanto os países ricos repassarão aos mais pobres para a adaptação à mudança climática e para a transição a um futuro com baixas emissões de carbono será novamente ponto de discórdia. No ano passado, após 15 dias de negociações difíceis, a COP29 terminou com o compromisso das nações desenvolvidas de fornecer 300 bilhões de dólares (R$ 1,6 trilhão) por ano aos países em desenvolvimento até 2035, valor muito abaixo do necessário. Também estabeleceram um objetivo, menos específico, para arrecadar 1,3 trilhão de dólares (R$ 7 trilhões) por ano até 2035 de fontes públicas e privadas. As nações em desenvolvimento exigirão detalhes concretos sobre a questão na COP30.

É possível ainda que se discuta um novo objetivo financeiro, já que o anterior chega ao fim.

Florestas: Na COP30, o Brasil lançará um novo e inovador fundo mundial que propõe recompensar os países com cobertura florestal tropical que mantenham as árvores de pé. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) tem como objetivo arrecadar até 25 bilhões de dólares (R$ 136 bilhões) de países doadores e outros 100 bilhões (R$ 544 bilhões) do setor privado.