Quem é torcedor assíduo há alguns anos estava acostumado a ver um porta-voz do seu clube, seja em situações de crise ou em momentos de glória. Hoje em dia, ter um jogador na frente do microfone diariamente, como acontecia há pouco tempo, que assuma responsabilidades pelo desempenho do time ou até que compartilhe a satisfação das conquistas, passou a ser uma raridade.
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Foi no momento do distanciamento físico, mas aproximação virtual proporcionado a partir das adaptações à pandemia, que os influenciadores marcaram presença na cobertura do futebol. Com o tempo eles conquistaram acesso direto aos jogadores e aos bastidores dos clubes, além de um público fiel nas redes sociais. Em muitos casos, encerrado o período pandêmico, eles ocuparam de fato o espaço antes exclusivo dos repórteres tradicionais.
Um dos principais atrativos deste novo modelo de cobertura é a busca de uma proximidade dos jogadores com a torcida. A popularização das plataformas nas redes sociais possibilita que isso seja feito de maneira mais rápida. Além disso, a linguagem mais descontraída fez com que os criadores de conteúdo passassem a ser fonte primária de informação para muitos torcedores.
Para Max Peixoto, fotógrafo e influenciador digital colorado, a informação em tempo real possibilitou também que os torcedores opinassem sobre tudo que acontece no clube, o que traz ainda mais proximidade com os personagens da bola. "Antes era muito restrito a opinião ficar somente ali nos meios tradicionais, onde o telespectador ou o ouvinte só consumia e não rebatia nada", diz Max, que completa:
"Foi uma evolução num todo que possibilitou pessoas que surgiram na internet e que têm um alcance através das redes sociais estarem no mesmo ambiente dos profissionais que vêm da velha guarda, digamos assim".
Da ‘Jovem Guarda’, Max convive nos bastidores do Beira-Rio e percebe realmente a dificuldade em atletas darem a cara em momentos de derrota. Do lado azul, a visão é parecida. Jeferson Lisboa, nome por trás do perfil FBI Tricolor, página voltada 100% para os torcedores gremistas, observa que os amantes do futebol veem com bons olhos o espaço que o perfil criou para que a torcida se sentisse mais próxima do clube, sem ter a necessidade de ser sócio, por exemplo.
"Eu recebo muitos comentários e mensagens de torcedores agradecendo por representar eles junto ao clube. Pelas ações, cobranças e também por apoiar o clube e incentivar a torcida a apoiar cada vez mais para o time estar lá em cima. Sinto que tem que ter esse alguém ‘influente’ que faça a aproximação do clube com aquele torcedor que muitas vezes não pode ser ouvido. Seja do interior, de outros estados que não o do clube, todos são torcedores e todos têm voz, não somente quem é sócio", destaca Jeferson.
Ausência é sentida inclusive por influenciadores
Apesar dos bons olhos para o espaço conquistado, a falta de um porta-voz de peso para representar o clube, eventualmente, é sentida inclusive pelos influenciadores. Além disso, o perfil dos jogadores mudou bastante nos últimos anos. Os atletas estão cada vez mais blindados pelos gestores em prol de razões nem sempre esclarecidas.
À medida que a proteção dos interesses do clube (ou do vestiário) é o maior objetivo, abrir mão do contato diário com a cobrança, via imprensa tradicional ou agora recheada de influenciadores, também desperta a sensação de indiferença com o que está ocorrendo dentro de campo. Seja nos resultados bons ou nos ruins, principalmente, pois é a hora em que a torcida espera ver nos nomes que idolatra a mesma indignação sentida.
Experiências fora do campo estão sumindo
A consequência disso é incerta, mas não são poucos os sinais de que a nova realidade, diferente da de tempos idos e também recentes, não tem aproximado o público dos artistas. É cada vez mais difícil um jogador ou um técnico criar pertencimento com as cores que veste, visto que as experiências fora do campo estão minguando.
Jogadores com ou sem bagagem têm passado por grandes clubes brasileiros sem que dele se saiba como treina, como se comporta, o que pensa do time, do técnico, dos dirigentes, das cidades onde moram, etc. Tudo em nome da falsa ideia de preservação. Justo quando a carreira escolhida pelo dom inato nada vale sem a plateia e o reconhecimento público.