O último lugar da fila

O último lugar da fila

Cena cultural do Estado se adapta às restrições da pandemia

Por
Carlos Corrêa e Carolina Grüne*

Na metade de maio, a pandemia da Covid-19 já não era mais uma novidade no Brasil. Àquela altura, o país já registrava 241 mil casos, com 16,1 mil óbitos, dos quais 144 no Rio Grande do Sul. Enquanto alguns setores pressionavam por uma reabertura, a perspectiva na Cultura era uma das piores. Teatros, cinemas, exposições e shows foram alguns dos primeiros a parar e tinham consciência de que estariam no final da fila quando houvesse uma retomada. Foi em busca de descobrir que tipo de sentimento permeava a classe artística naquele momento que procuramos várias fontes do setor: músicos, produtores, técnicos, responsáveis por cinemas, teatros, espaços culturais. O resultado foi publicado na edição de 17 de maio do +Domingo, revelando uma perspectiva sombria, mas esperançosa de que a crise e o vírus não estivessem mais aqui ao final do inverno.

Passaram-se cinco meses. Os casos nacionais saltaram para 5,2 milhões, enquanto os óbitos no país chegaram a 16,1 mil, dos quais 5,4 mil no Estado. A curva da doença no país, depois de ter aparentemente atingido seu pico em agosto, deu sinais de queda, e grande parte dos setores voltaram às atividades, ainda que em uma realidade bem diferente daquela que tomamos como “normal”. No trem da retomada, no entanto, não havia lugar para a arte. Muito timidamente, só agora, com a publicação de decretos, o setor olha pela janela como quem se pergunta se é seguro sair. Pois para retratar esse novo momento da Cultura, tomamos a decisão de revisitar as mesmas fontes procuradas lá em maio. Só assim os critérios e os parâmetros seriam os ideais para mostrar o que mudou de lá para cá e se finalmente a esperança começa a dar as caras. O resultado você confere a seguir.

Teatro

“Foi doloroso”: assim Fernando Zugno começa a descrever o processo que culminou na decisão de que, pela primeira vez em 27 edições, o Porto Alegre em Cena seria feito de modo virtual. Diretor-geral do mais tradicional festival de teatro da Capital, Zugno é um entusiasta do público e fala com paixão sobre como a presença física do espectador é um diferencial: “A gente pensa uma programação para o público, em como fazer alguma coisa que aqueça a cidade, que dê luz, brilho, que leve a nossa cidade a outros lugares. Eu vejo o POA em Cena como uma grande válvula de euforia, de êxtase, de luz, de pensamento. Esses eventos empurram a sociedade para outras dimensões, outros patamares de brilhantismo”. É, mas não teve jeito. Com todas as restrições consequentes da pandemia da Covid-19, projetar uma série de espetáculos com presença de público em locais fechados passou a ser inviável. Sem as salas abertas – somente nesta semana um decreto da prefeitura de Porto Alegre liberou a retomada, e ainda assim com apenas 30% da capacidade –, o plano B foi adiar a programação até que fosse retomada a normalidade. Não precisou muito tempo, contudo, para que se percebesse que as próprias noções de normalidade seriam alteradas profundamente. “Quando começaram os prognósticos da vacina para 2021, final de 2020, comecei a entender que não ia voltar logo”, relembra Zugno. A ficha havia caído: “Me doía muito a ideia de passar um ano em branco. Paralelamente, me dei conta de toda a cadeia econômica que gira em torno do festival. A gente está sofrendo, mas não fazer o festival seria sofrer mais ainda", explica.

A partir daí começou a nascer um novo POA em Cena, centrado na virtualidade e que, se não tinha o contato do público, ao menos oferecia possibilidades inéditas a serem exploradas. “Não só estamos fazendo o festival, como também estamos descobrindo o prazer nos encontros virtuais, percebendo que há possibilidade de se encontrar telepaticamente, intelectualmente. A presença não é só de carne e osso, ela também acontece de outras formas”, afirma Zugno sobre o evento, que começou no dia 21 e segue com uma programação on-line até 31 de outubro. O diretor do festival, porém, esclarece: “Não estou substituindo nem comparando com a programação presencial, estou achando formas de viver com as possibilidades que se têm hoje”.

A exploração em terrenos digitais também aconteceu no mais tradicional teatro gaúcho. A bem da verdade, a empreitada on-line no Theatro São Pedro estava prevista antes mesmo de o coronavírus chegar ao país. De acordo com o presidente da Fundação Theatro São Pedro, Antonio Hohlfeldt, iniciativas de digitalização já vinham sendo estudadas em janeiro e fevereiro. Quando as portas fecharam, em março, três possibilidades foram estudadas: transmissão gratuita de espetáculos, paga ou uma espécie de plano de assinaturas. A última ficou para depois, já que depende de uma programação, o que é inviável no atual momento. A primeira live direto do São Pedro estava prevista para o final de junho, mas a bandeira vermelha no distanciamento controlado do Estado adiou os planos para julho. Os resultados, de acordo com Hohlfeldt, foram animadores. “Quando fizemos as lives, tivemos números impressionantes, chegamos a ter 15 mil pessoas no total, com picos de mil simultâneos. Isso significa que existe um público em potencial”, observa.

As possibilidades virtuais experimentadas pelo POA em Cena e pelo Theatro São Pedro, no entanto, não escondem uma outra realidade. Os sete meses de portas fechadas tornaram a situação da cultura no Estado crítica. “O quadro é apavorante. Os espaços continuam fechados. Houve uma tentativa com o drive-in, mas não deu muito certo em termos de resposta. A discussão é se vai ter público quando retornar”, pontua Fábio Cunha, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do RS (Sated/RS). Para ele, se há um aspecto positivo desse período é a união que surgiu na classe, principalmente nos primeiros meses da pandemia, quando várias campanhas foram realizadas para recolher fundos e alimentos. Contudo, as iniciativas ainda assim são paliativos. 

A salvação da lavoura, ou de parte dela ao menos, foi a Lei Aldir Blanc, aprovada no final de junho e que prevê o repasse, em todo o país, de R$ 3 bilhões para a cultura durante o estado de calamidade. Para o Rio Grande do Sul, foram destinados R$ 155 milhões, sendo que os municípios vão administrar R$ 85 milhões e o restante será gerido pelo Estado. O montante será distribuído de três formas: R$ 30 milhões para o pagamento de uma renda mensal emergencial de R$ 600 a 2.819 trabalhadores que fizeram o cadastro de solicitação; R$ 39,7 milhões para fomento, beneficiando produções, espaços e agentes; e os R$ 85 milhões restantes a serem utilizados como subsídio para a manutenção de espaços, empresas e organizações culturais. “Foi um dos maiores ganhos, mostrar o quanto a cultura gera emprego e move a economia”, afirma Cunha, sobre a aprovação da lei.

É esperado que os recursos amenizem uma situação que se mostra delicada. O presidente do Sated/RS calcula que, só em Porto Alegre, pelo menos 100 escolas, entre dança, música, teatro e circo, foram fechadas, afetando cerca de mil profissionais. De acordo com Fernando Zugno, que também é coordenador de artes cênicas do Teatro Renascença e da Sala Álvaro Moreya, pelo menos 200 espetáculos que estavam programados para 2020 não puderam ser realizados. A situação é tão peculiar que sequer haverá o Prêmio Açorianos em virtude da pequena quantidade de material a ser avaliado. 

Atrás do palco a situação é ainda pior. Cunha lembra ainda que sem eventos como shows e formaturas, empresas de som, vídeo e iluminação também ficaram muito tempo paradas, afetando centenas de técnicos. Nem mesmo personagens consolidados no cenário artístico do Estado ficaram ilesos. O Theatro São Pedro, por exemplo, renegociou o fornecimento de água e energia elétrica, reduzindo os gastos em pelo menos um terço. Além disso, Hohlfeldt antecipa que o mais viável em um primeiro momento de retomada é que os espetáculos tenham patrocinadores ou que exista uma cobertura por parte da área pública. E o exemplo vale para o próprio Theatro São Pedro, que espera contar com patrocínios para o retorno, o que pode acontecer entre novembro e dezembro, na Concha Acústica. “Não vamos sair correndo para abrir o Theatro de qualquer maneira”, assegura.

Música

O apito característico indica que há uma nova mensagem no WhatsApp de Tonho Crocco. Entre contatos sobre gravações e lives enquanto a quarentena se estende, surge o convite. Em geral, nunca de forma direta. É sempre o amigo do amigo, o conhecido de um conhecido. Mas as ofertas de festas clandestinas pipocam a todo vapor. “Elas prometem distanciamento, muitas são festas de bairro, geralmente de pagode. E na verdade, se não abusarem muito do som, ninguém fica sabendo”, revela o músico. Tonho, no entanto, segue receoso com a pandemia e revela não ter aceitado nenhuma das propostas. O que não significa que mal vê a hora de voltar a pisar no palco, algo que não faz desde março. Se todas as previsões se confirmarem, o hiato pessoal termina em novembro. “Mesmo em bares onde eu já tocava, quando surgiu o convite há um tempo, eu não aceitei porque ainda estava muito indeciso. Agora em novembro provavelmente role, num esquema voz e violão, com lugar aberto, atendendo todas as exigências. Me faz falta as pessoas, o ser humano, são eles o combustível”, revela o vocalista da Ultramen.

É assim, aos poucos e ainda tateando no escuro, que a música começa a ensaiar uma tímida retomada. O protocolo da prefeitura de Porto Alegre autorizou eventos com até 30% da capacidade dos locais, afora aqueles em que este número seja superior a 250 pessoas, os quais terão regras específicas. Trata-se de um ponto de partida, mas os organizadores de eventos pleiteiam um percentual maior. “A palavra é isonomia. Por que pode o restaurante, o bar, o shopping e não pode um teatro como o Araújo Vianna, que tem muito mais controle das atividades internas? Nós também movimentamos a economia. Vai desde o técnico de som, de luz, os artistas, é toda uma cadeia de trabalho parada”, questiona Claudio Favero, sócio-diretor da Opinião Produtora. 

Carlos Branco, diretor da Branco Produções, segue na mesma linha e lembra que os eventos estão preparados quanto à segurança. “Com o trabalho desenvolvido pelas chamadas ticketeiras, que são empresas que fazem a venda de ingressos, todos os dados de quem compra ingressos ficam registrados, o que facilita a localização das pessoas em caso de algum problema, além de todos os cuidados que serão exigidos e da redução no número de pessoas nos teatros. Não vejo razão para manter estes espaços fechados quando vemos aviões lotados”, diz.

Entretanto, disponibilizar o espetáculo é apenas uma parte do processo. A outra, tão ou mais importante, é o público. E a grande dúvida que paira no momento é se as pessoas irão comparecer na proporção esperada pelos organizadores, seguidamente mais otimista que a realidade. “Recém estamos vendo uma queda de contaminação, mas que é muito frágil para se sustentar, ainda são índices muito altos, temos 500, 600 mortos diários no país. Isso não é exatamente um estímulo para alguém sair de casa”, afirma Nei Lisboa. O cantor planeja a volta aos palcos para janeiro, em uma apresentação no Araújo Vianna, ainda que seja receoso com previsões no atual momento: “É um espaço que dá para manter um distanciamento se bem organizado, é uma possibilidade, mas veremos como vai estar. Assim como a curva da doença está caindo aqui, estamos vendo uma segunda onda na Europa. Nada me garante que essa abertura não vá resultar em uma segunda onda aqui em pleno verão”, pondera.

Com as cortinas cerradas desde março, restou aos artistas explorarem novos formatos. Febre a partir de abril, as lives foram, de longe, a alternativa mais utilizada. Passada a fase inicial, as transmissões foram sendo mais bem exploradas, cada qual adaptando para si o modelo mais adequado. “Melhorou em relação ao início, aquela onda toda. Melhoraram também os equipamentos, não só de quem transmite, o pessoal começou a se acostumar a ver na televisão. O YouTube é o que tem mais recursos. Já o Instagram provou ser uma live para conversas, não para música, tranca muito. Se separou o joio do trigo”, destaca Tonho Crocco. 

Se por um lado houve a perda do contato direto com o público, por outro a virtualidade abriu novas possibilidades. Nei Lisboa, por exemplo, tem feitos lives semanais desde maio e se divertido com o que classifica como “brincadeira levada a sério”. As apresentações, sempre às quintas-feiras, têm motivado o cantor a buscar músicas que há muito não tocava. Como as apresentações são semanais, o repertório varia muito e nem sempre estão presentes os maiores sucessos. “Fui buscar coisas que eu nem sabia mais tocar ou que estavam escondidas no lado B, aquelas últimas faixas que tu gravas e não bota no show. Mas fui buscar faceiro porque é uma chance de resgatar um repertório que não está no setlist”, explica.

Apesar das experiências positivas, há o lado financeiro. As lives servem como uma boa ferramenta para se manter em evidência, mas pouco ajudam na hora de pagar os boletos. E com as casas fechadas ou recém ensaiando uma retomada, a situação segue delicada. “Em um espaço como o Auditório Araújo Vianna, com capacidade para 3 mil pessoas, você consegue viabilizar alguns eventos com 40% de público. Mas em um teatro como o Bourbon Country, 40% representam cerca de 450 lugares, o que torna inviável realizar eventos nacionais e internacionais. Então, temos que ir fazendo contas e vendo o que é possível viabilizar ou não”, explica Carlos Branco. “Vale a pena como retomada. Queremos que isso aconteça. Só que acaba sendo deficitário. Mas queremos para mostrar que a gente pode, com esse início, ter uma expectativa de curto prazo”, completa Claudio Favero.

Os prejuízos decorrentes de adiamentos e cancelamentos justificam o rótulo de “ano perdido” para 2020. Crocco perdeu a conta de quantos shows deixou de fazer no período da quarentena. Para Nei Lisboa, a única certeza é a de um período que, do ponto de vista de negócios, tem que ser esquecido. “Foi um ano zerado. Fiz algumas coisas, lives extras, cobradas e tal, mas nada significativo”, diz. 

Se para os artistas, é complicado, imagine para as produtoras. Branco faz as contas e afirma que, de 27 projetos que seriam realizados em 2020, apenas três viram a luz do dia. A grande maioria foi adiada para 2021, isso sem contar aqueles cancelados. Com tão poucas opções, medidas mais duras tiveram que ser tomadas. “Tivemos que nos adequar, mudar a estrutura da empresa, reduzir pessoal, reduzir custos em todos os setores. Mas o prejuízo é muito grande. O mercado vai encolher bastante num primeiro momento e todos devem estar atentos a isto e redobrar esforços”, avalia o diretor da Branco Produções.<VS10.5>

Cinemas

É bastante provável que você ainda não tenha ouvido falar muito de “The Eight Hundred”. O épico de guerra dirigido por Guan Hu traz soldados chineses cercados pelo exército japonês em uma Shangai de 1937. Apesar de ter estreado nas salas chinesas em 21 de agosto, até agora não há qualquer definição sobre uma data de lançamento no Brasil. Sendo assim, ficam reduzidas as chances de os espectadores brasileiros assistirem à maior bilheteria do cinema mundial em 2020. Sim, em um ano no qual os blockbusters foram, um a um, adiados por causa da pandemia da Covid-19, o filme que mais arrecadou dinheiro na temporada não cruzou nem a barreira dos US$ 500 milhões – a produção amealhou US$ 460,6 milhões. Para que se tenha ideia, com essa mesma bilheteria, “The Eight Hundred” sequer teria ficado entre os 15 maiores sucessos do ano passado. Sendo mais exato, seria o 17º, bem distante dos US$ 2,7 bilhões que “Vingadores: Ultimato” arrastou mundo afora.

Este é só um dos problemas enfrentados pelas salas de cinema atualmente. Fechadas desde março, somente no final da semana houve uma liberação por parte da prefeitura de Porto Alegre no sentido da reabertura. Ainda assim, apenas com 30% da lotação máxima, um tanto quanto abaixo dos 50% idealizados pelas maiores redes do país. De qualquer forma, é uma nesga de esperança se comparado com o que se via no início da pandemia. “Isso (fechamento) aconteceu em todos os ramos, mas para os cinemas, teatros e casas de espetáculo está sendo ainda pior, na medida em que nem reabrimos as portas após mais de sete meses de total inatividade. Já podemos considerar este ano como ‘semiperdido’. Serão, no máximo, quatro meses e meio de atividade”, observa Hormar Castello Júnior, diretor do GNC Cinemas e presidente do Sindicato das Empresas Exibidoras Cinematográficas do RS. A espera terminou nessa sexta-feira, com a reabertura sendo puxada por estreias como “Os Novos Mutantes”, nova empreitada cinematográfica na saga dos X-Men. Nesta semana, será a vez do aguardado “Tenet”, do diretor Christopher Nolan.

Mesmo com toda a segurança possível de ser oferecida no momento, há um grau de incerteza bastante grande quanto ao espírito do público. Principalmente enquanto a vacina não chegar. “Esse período de abertura gradual vai durar muito tempo. Essa limitação da capacidade, isso vai durar bastante. E não é nem até se ter uma vacina, é mais além, precisa a vacina já estar circulando. Isso não vai ser de uma hora para outra”, prevê Daniela Mazzilli, coordenadora de cinema e audiovisual da Secretaria Municipal de Cultura. À frente da Cinemateca Capitólio, ela lembra que no início do ano, quando “Parasita”, o vencedor do Oscar, virou um sucesso inesperado, o Capitólio chegou a organizar exibições especiais, seguidas de discussões. Na ocasião, a procura foi tão grande que muita gente ficou de fora, mesmo com três sessões. Passados alguns meses, aquilo soa como um universo paralelo. “Isso está completamente fora de perspectiva, tanto pela segurança do público como por quem trabalha no cinema. Temos uma responsabilidade muito grande”, afirma Daniela.

No caso da Cinemateca Capitólio, a programação está longe de ter um viés comercial. Além disso, por ser um espaço público, depende menos da casa cheia para se tornar autossustentável. Realidade oposta vivem as maiores redes, incluídas todas com cinemas em shopping centers, casos, por exemplo, do GNC Cinemas e do Cinemark. Para essas, o apelo do filme junto ao espectador é essencial para fazer a roda girar. Daí tantas fichas terem sido jogadas em uma retomada no segundo semestre. Até meados de maio, quando começaram a pipocar mudanças de datas de algumas das produções mais aguardadas do ano, o consolo era a crença de que os últimos meses de 2020 virariam um engarrafamento de blockbusters, compensando tanto tempo fechado. Só que os meses foram passando, a curva de casos da Covid-19 em todo o mundo não dava sinais animadores e, uma a uma, as atrações foram sendo empurradas. “Mulher Maravilha 1984”, por exemplo. Estrearia em junho, passou para agosto, foi para novembro e agora, salvo novas mudanças, chega às telas brasileiras em 24 de dezembro. Há casos ainda piores, com novas previsões apenas para 2021, como “007 – Sem Tempo para Morrer” e “Velozes e Furiosos 9”, que agora estreiam, respectivamente, em abril e maio do ano que vem. “Olha, assim que tivermos bons produtos, como ‘Tenet’, ‘Trolls 2' e 'Mulher Maravilha 1984', entre outros, e com protocolos de segurança efetivos, a demanda será automática. Aliás, temos notado que o público já deseja ir aos cinemas. As manifestações têm sido frequentes nas redes sociais”, afirma, esperançoso, Hormar, que ainda torce para que algumas produções tenham a sua data de lançamento antecipadas a partir das reaberturas.

Promessas de grande bilheteria no cinema para a temporada 2020, filmes como “Mulher Maravilha 1984” tiveram várias alterações de data nos últimos meses. Foto: Warner Bros/Divulgação/CP

Até que isso aconteça, as salas de cinema também têm pela frente um adversário que não chega a ser novo, mas que ganhou força nos últimos meses: os serviços de streaming. Além do conforto e da segurança de assistir em casa, um novo elemento entrou em cena: grandes estreias, mesmo as previstas para a tela grande, passaram a ser lançadas direto por ali, com uma cobrança adicional. No Brasil, “Scooby! O Filme”, uma produção com potencial para agradar ao filão do público infantil, saiu desta forma. Serviços como a Disney+, que chega ao país em novembro, foram mais longe e “Mulan”, que era uma das maiores apostas do estúdio para 2020, também teve o mesmo destino. “Soul”, o novo desenho da Pixar, fará caminho igual em dezembro. “Atualmente, esses lançamentos em streaming são apenas paliativos. Visam não deixar os filmes nas prateleiras sem serem lançados para o grande público. Temos a convicção de que, com a retomada dos cinemas, o público terá a preferência de assisti-los nas telas grandes, com um som imersivo. Nada se compara à experiência de uma sala de cinema”, rebate o diretor do GNC Cinemas.

Apesar da autorização da prefeitura da Capital, a Cinemateca Capitólio não tem uma data definida para a reabertura e por enquanto, foca no planejamento da retomada das atividades. Em paralelo, cataloga as boas experiências adquiridas mesmo em tempos tão angustiantes. Neste sentido, o retorno do público tem sido essencial. Além de apostar em uma programação virtual, a sala passou a utilizar as suas redes sociais para promover um resgate da história do cinema gaúcho. A recepção não poderia ter sido melhor. “Procuramos mostrar algo além das sessões e isso teve uma repercussão muito boa, seguiremos independentemente de abrirmos ou não as salas”, revela Daniela.

Entre outros formatos que apareceram (ou melhor, reapareceram) como alternativas mais seguras, estão os drive-ins. Giovanni Bonin-Barbieri, do Clube Gana, produziu o primeiro evento nesse modelo em Porto Alegre. Com exibição de filmes clássicos e modernos, o Cine Drive-In, próximo à Orla do Guaíba, manteve um bom público durante suas 24 sessões. A ideia é manter o distanciamento dentro dos carros, com dois metros de distância entre os veículos e o uso de máscaras obrigatório. Como parte dos protocolos de segurança, os espectadores só podiam deixar os carros para ir ao banheiro. Outros eventos continuam acontecendo, como cinema ou espetáculos. Mas o interesse do público está caindo, afirma Barbieri. “Agora, aguardamos novas flexibilizações que permitam que a gente busque inovar com novos formatos seguros”, finaliza.<EM><QA0>

Bares e baladas

Há algumas semanas, as movimentações noturnas crescem no Estado. Com a flexibilização das regras, bares voltaram a receber clientes e podem ver uma luz no fim do túnel. E enquanto a aglomeração de uma casa noturna ainda pode parecer uma realidade distante, os setores do entretenimento buscam se reinventar e encontrar novas formas de trabalho. Mas as propostas são heterogêneas. De um lado, produtores veem a retomada gradual como uma forma de estimular a economia. De outro, há quem defenda que aglomeração sem vacina é um erro.

Desde o início da quarentena, uma coisa mudou: se antes se falava em receio, o sentimento, no longo prazo, vai lentamente sendo substituído pela saudade. O risco continua alto, mas para muitos, vale a pena. O que está levando alguns gaúchos, inclusive, a buscarem alternativas ilegais. “A gente não imaginava que nossos eventos poderiam voltar, mas com as aglomerações clandestinas acontecendo exponencialmente, resolvemos nos reunir”, afirma Marcos Paulo Magalhães, proprietário de casas de festa como a Provocateur, em Porto Alegre, e Oito Atlântida, no litoral. Ele ressalta que, no momento, o coronavírus é o menor problema nos eventos clandestinos – o risco, ao não respeitar protocolos básicos de segurança, é o de acontecer uma tragédia na hora mesmo. Magalhães entende que, no seu modelo de trabalho, evitar aglomerações é impossível – costumava, aliás, ser até um atrativo.

Nas últimas semanas, uma associação entre casas noturnas e produtores de eventos da Capital enviou um documento ao poder público sugerindo a retomada gradual do setor. Entre as regras, está a delimitação do público para 50% da capacidade do local e testagem, com acompanhamento posterior, para todos os que participarem do evento – sob responsabilidade dos produtores. O plano, composto por cinco fases, prevê o avanço para a etapa seguinte apenas se menos de 10% dos colaboradores, convidados e clientes contraírem a Covid-19. A quarta fase, prevista para acontecer entre 20 de novembro e 5 de dezembro, propõe eventos com ocupação de até 1.500 pessoas. Assinam o documento o Grupo TE2 (Business For Fun e Provocateur) e Grupo Austral, entre outros. De acordo com os empresários, o entretenimento movimentou R$ 1 bilhão em 2019 e gera 50 mil empregos, diretos ou indiretos, anualmente. Em um setor em que boa parte dos trabalhadores são freelancers, a pausa gerou um limbo financeiro. Ambulantes ou terceirizados, como quem trabalha com limpeza ou segurança, viram as oportunidades de emprego desaparecerem. 

Utilizado tanto para shows musicais como para festas, espaços como o Bar Opinião estiveram fechados desde a metade de março, perdendo todo tipo de arrecadação. Foto: Ricardo Giusti

A ideia da reabertura, porém, não é compartilhada por todos. “Sou contra o retorno dos eventos”, afirma Fiapo Barth, proprietário do Bar Ocidente, no bairro Bom Fim. Para o local funcionar como balada novamente, só com vacina. “Primeiro eu vacino meus funcionários e suas famílias, daí sim podemos abrir”, conclui. Até lá, o funcionamento é restrito ao público reduzido e sentado em mesas. 

Os riscos variam de acordo com a ventilação do local, o distanciamento entre as pessoas, tempo de contato e uso de máscaras. De acordo com estudo do Texas Medical Association, divulgado pela BBC, ir a um show ou ir a um bar são as atividades classificadas como maior risco. Não à toa, alguns empresários negam o retorno em um formato em que a aglomeração é inevitável. O Bar Opinião e o Pepsi on Stage, por exemplo, devem permanecer fechados. Mas alternativas aparecem. O casarão da João Telles reabriu em formato pub, com mesas do lado de fora e público reduzido. Investiram também em almoços, que trouxeram retorno além do esperado. “Mesmo que não dê lucro, estanca o prejuízo”, diz Fiapo, que questionou seus funcionários se eles queriam retornar antes de optar pelo novo formato. Com portas fechadas e aluguéis em aberto, os bares veem na reabertura uma esperança de diminuir as dívidas. Fiapo afirma que, se continuar nesse ritmo, o bar sobreviverá à pandemia.

Em alguns casos, a volta ao normal pode demorar. “Vamos levar cinco anos para quitar os empréstimos que adquirimos até aqui”, diz Leônidas Rübenich, do bar Dirty Old Man, na Cidade Baixa. Entre empréstimos, o medo de falir permanece. O empresário afirma que o bar, no coração do bairro boêmio há nove anos, não resistiria a uma segunda onda da Covid-19. Agora, funcionando com 30% da ocupação e horário reduzido, tenta reparar as dívidas. Mesmo assim, se sente sortudo. Muitos proprietários de bares buscaram, sem sucesso, empréstimos nos bancos. 

Para manter o funcionamento dos espaços, é obrigatório chegar de máscara e usar o acessório para se movimentar. Ficar sem ela? Só enquanto consome e sentado nas mesas, com distanciamento. Os proprietários afirmam que, no geral, as regras estão sendo obedecidas. “Quem sai de casa para o bar sabe que não é a mesma coisa de antes”, diz Rübenich. O que mais atrapalha hoje é a restrição de horário, afirmam. “É para quebrar em poucos meses”, diz Marcelo Cabral Correa, do Divina Comédia, na Rua da República. Desde o último decreto da prefeitura, o bar está aberto até 23h. Apesar de ajudar nas despesas fixas, o funcionamento, nesse formato, é insustentável no longo prazo. Correa buscou se adaptar. Antes casa noturna, agora o bar trabalha com música acústica ao vivo. No início da pandemia, todos os funcionários foram demitidos. Agora, o bar funciona apenas com o proprietário e o auxílio de dois familiares. Neste meio tempo, o empresário passou a trabalhar em outro ramo para manter as despesas próprias. 
“Tive que me reinventar”, diz a DJ Mari Krüger. Ela afirma que o que menos fez, desde o início do isolamento, foi exercer sua profissão. Apesar de ter participado de eventos on-line e de uma festa em formato drive-in, não viu retorno financeiro nessas alternativas. Desde então, abriu uma agência de comunicação digital e se tornou influenciadora digital. A esperança da DJ é também na capacidade de adaptação. “A gente vai aprender a conviver com o vírus”, aposta.

Espaços culturais

Muito mais do que apenas um espaço de arte, a Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ) é um cartão postal de Porto Alegre. Sendo assim, mais do que lógico que, mesmo com as atividades interrompidas durante a pandemia do novo coronavírus, o local tenha recebido inúmeros contatos sondando a possibilidade de visitar o prédio ou – a tenteada é livre – a liberação para realizar um ensaio fotográfico nas suas dependências. A resposta, infelizmente, tem sido um constante não. A espera, contudo, está perto de acabar. Ou algo próximo disso, já que a CCMQ como era antes da chegada da Covid-19, essa vai demorar um tanto mais.

Justamente por ser um espaço que abriga a arte nas suas mais variadas formas, o calendário é tudo menos homogêneo. A ideia é, a partir da metade de novembro, retomar algumas salas. Estão na frente da fila os locais destinados a exposições e a biblioteca, por exemplo. Essa última, aliás, terá protocolos diferenciados. “Não será permitido levar os livros para casa, eles podem ser utilizados apenas lá. E quando devolvidos, passam por um processo de higienização e ficam separados por sete dias”, revela o diretor geral da CCMQ, Diego Groisman. Em contrapartida, dado o fato de serem ambientes mais fechados, os teatros e os cinemas ficam para depois – se tudo der certo, em meados de dezembro. Sem programação desde março, a Casa de Cultura manteve a saúde financeira em grande parte devido à manutenção das cotas de patrocínio. Ou melhor, da cota. O acerto da CCMQ com o Banrisul previa duas cotas de patrocínio, uma relativa à programação e outra à manutenção do espaço. A primeira, uma vez que não houve programação nesse período, foi suspensa, mas deve ser retomada quando as atividades voltarem ao mais parecido de um normal que tenhamos. A intenção, de acordo com Groisman, é refazer a fila do que estava previsto para 2020. Dos 22 espetáculos programados para serem realizados ao longo da temporada, apenas um saiu do papel brevemente.

Do outro lado da cidade, no bairro Três Figueiras, o Instituto Ling teve de se reinventar ao longo dos meses de portas fechadas. A extensa programação planejada para a temporada 2020 precisou ser repensada do zero. “O que era possível transformar, transformamos. Mas uma parte foi deslocada para mais adiante. Já estamos trabalhando com o horizonte em 2022”, revela Carolina Rosado. A gerente do Centro Cultural do Instituto lembra que não cogitava a quarentena se prolongar por tanto tempo. Aos poucos, no entanto, a previsão de retomada das atividades no segundo semestre foi dando lugar à necessidade de criar uma programação até então inédita. E tudo apontava para a virtualidade. “A gente tinha um certo receio de entrar no on-line porque para nós era novo. Mas tem sido muito legal. Em 11 de maio foi a primeira programação, partimos a partir da consulta do público, sobre quais atividades eles gostariam”, conta ela. Cinco meses depois, os resultados ficaram acima da expectativa e projetos ligados à literatura e ao cinema viraram os novos favoritos do público.

Ao optar pelo caminho do virtual, havia a dúvida sobre algumas respostas. Como o perfil de público do Instituto é de mais idade, o medo era de que a tecnologia fosse um entrave. E veio a surpresa. “A aderência à tecnologia é um ponto muito positivo. Foi um dos ganhos desse período trágico. Era uma dúvida porque é uma faixa etária mais avançada. Mas foi muito legal. As pessoas se descobriram e aprenderam. Investimos tempo na questão do suporte, de dar o passo a passo, o que fazer para baixar o Zoom, uma linha direta de WhatsApp. Foi muito legal, e hoje isso é absolutamente tranquilo, raramente precisamos dar esse suporte”, observa Carolina.

O Instituto Ling passou a promover atividades virtuais, como o projeto ‘Contando e Cantando Histórias’, que estimula a leitura e desenvolve a curiosidade das crianças. Foto: Natália Luz/Divulgação

Com tantas curvas no gráfico da Covid-19 no Brasil, a data de reabertura das atividades presenciais no Ling ainda é incerta. De acordo com a gerente do Centro Cultural, a ideia é aguardar. Como a tendência no verão é o movimento ser mais baixo na Capital de qualquer forma, uma perspectiva mais aproximada do sentimento do público em relação a voltar a frequentar o espaço com mais tranquilidade só poderá ser feita, avalia Carolina, a partir de março do ano que vem. "A priori, já seria permitido abrir os centros culturais com os protocolos, mas as pessoas estão disponíveis a ir para espaços fechados? Nossa decisão de momento é observar os próximos meses. Estamos deixando tudo pronto para que no momento certo estejamos com a estrutura pronta”, afirma. Seja quando for, o certo é que, dado o sucesso da experiência digital, ela vai permanecer, mesmo quando as pessoas voltarem a caminhar pelos corredores do Instituto. “Tivemos um retorno muito positivo, ampliamos o nosso público, atraindo gente do Interior, de outros estados. A equipe já está direcionada para isso, para desenvolver propostas híbridas, fazendo um escopo de projetos de pequenas plateias presenciais, mas também de continuar oferecendo o on-line”, adianta Carolina.

*Sob a supervisão de Carlos Corrêa

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895