Donald Trump toma posse para seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos na próxima segunda-feira, 20. Trump será o 47º presidente norte-americano. Ele venceu a democrata Kamala Harris, em uma eleição marcada pela desistência do atual presidente Joe Biden, por atentados a tiros contra Trump e por sua vitória nos estados-chave.
O futuro presidente já deu algumas pistas do que se pode esperar de seu segundo mandato na Casa Branca. O estilo Trump, com uso massivo de redes sociais, declarações bombásticas e informações nem sempre verdadeiras, deve se manter. Durante a campanha, não faltaram ataques aos imigrantes, a quem chamou de “animais” e “não humanos”, além da acusação de que imigrantes estariam comendo animais de estimação - desmentida ao vivo pelos mediadores.
Bem antes da posse, o presidente eleito já conseguiu mexer com o cenário internacional e provocar até mesmo aliados, como a Dinamarca, ao demonstrar disposição em usar a força para tomar a Groenlândia.
No meio do caminho entre os Estados Unidos e a Europa, a região é considerada estratégica para os interesses militares norte-americanos. Trump argumenta que a ilha é crucial para rastrear navios chineses e russos. Sua localização pode favorecer o sistema de proteção contra mísseis, levando em conta o desenvolvimento de Rússia e China nesse tipo de armamento.
"Estou falando aqui de proteger o mundo livre", afirmou Trump a jornalistas. A Groenlândia desperta também interesse econômico, com a presença de metais raros e um potencial exploratório de petróleo e gás natural.
As ameaças expansionistas atingiram o Canadá e o Panamá. No caso do Canadá, um dos objetivos de Trump é reverter o superávit que o país tem na balança comercial em relação aos Estados Unidos.
O canal construído pelos Estados Unidos foi inaugurado em 1913. O controle do canal passou ao governo panamenha em 1999. Trump se queixa do custo das taxas cobradas sobre as embarcações que passam pelo canal e acusa a China de controlar a área, o que é negado pelo governo do Panamá.
Mas entre os discursos pré-posse e a prática, empossado, na cadeira presidencial, resta saber qual será o perfil do governo Trump 2.
Um Trump mais autêntico e agressivo
Alguns nomes do futuro governo já foram anunciados. Boa parte deles são nomes de fora da política e alguns dos homens mais ricos dos Estados Unidos. Entre eles, o bilionário sulafricano Elon Musk, que se aproximou do presidente eleito desde e a campanha.
Para o analista de Relações Internacionais e diretor de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape) Felipe Dalcin, a postura do presidente eleito e a montagem do governo até o momento sugerem um Trump mais autêntico e agressivo em relação ao primeiro mandato.
Dalcin recorda que no primeiro mandato, o presidente teve de fazer concessões em questões de interesse do Partido Republicano. Agora, o presidente se cerca de atores mais leais a ele que ao partido, o que sugere uma postura política mais personalista.
A escolha do vice também indica mudança. Em sua estreia, o vice era Mike Pence, com experiência de 12 anos de Congresso e quatro como governador de Indiana. O governo Trump 2 terá como vice outro político republicano, o senador JD Vance, de 40 anos, que está em primeiro mandato e que já foi um duro crítico do hoje aliado.
“No primeiro mandato, Trump se cercou de pessoas com bastante experiência e know how de como funciona a máquina americana, sobretudo no âmbito das relações internacionais. Agora, ele se cerca de assessores e futuros ministros que pensam mais de acordo com ele. Isso pode significar que Trump aja com mais liberdade de colocar seus reais pensamentos, sua visão mais conservadora e agressiva nas relações internacionais, em termos comerciais e política”, analisa.
O analista ressalta que, diferente do governo anterior, o atual cenário tem maioria republicana tanto entre deputados quanto entre senadores, além de uma maioria conservadora na Suprema Corte. “Ou seja, tem um quadro do legislativo e também do judiciário a favor de uma visão mais parecida com a do Trump, ainda que ele tenha algumas resistências dentro do partido. Então, talvez nós vejamos as verdadeiras faces do Trump, num sentido amplo e geral.”
China: a principal preocupação
A China deve ser uma das principais preocupações do novo presidente norte-americano ao longo de seu mandato. Para Dalcin, frear a ascensão do gigante asiático deve ser uma das prioridades da política externa de Trump, que demonstra disposição em abreviar conflitos em que os Estados Unidos estão envolvidos, na Ucrânia e no Oriente Médio.
Dalcin destaca que o discurso dos governos recentes, de Trump e Biden, colocam a China como a grande ameaça à liderança norte-americana no cenário mundial em termos econômicos, políticos e militares.
“A China é vista como principal preocupação, por isso me parece interessante para o Trump acabar com as tensões no Oriente Médio, como ele já vem tentando, e na guerra da Ucrânia, que ele já falou que quer negociar o mais rápido possível com Putin, para conseguir focar na China.”
Tensão com a Venezuela é “bomba relógio” para o Brasil
A mudança na Casa Branca afeta também as relações entre Estados Unidos e Brasil. Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Eduardo Svartman avalia que as relações políticas e culturais entre os dois países devem se manter com pouca alteração. No entanto, deve haver uma menor convergência entre os dois governos. Pautas que aproximam os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden no cenário mundial, como o desenvolvimento sustentável, a garantia dos Direitos Humanos e a promoção da democracia são “página virada”, avalia Svartman, que também é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política e em Estudos Estratégicos Internacionais da Ufrgs.
No entanto, um ponto que pode trazer preocupação para o Brasil e para a América do Sul é a tensão entre Estados Unidos e Venezuela.
“Se olharmos o perfil do futuro secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, a postura do primeiro governo Trump em relação ao governo Venezuelano; e a atual situação do governo venezuelano, minha avaliação é que há aí uma bomba relógio.” Rubio é crítico ferrenho do governo Maduro e afirmou recentemente que a Venezuela é governada por uma “organização do narcotráfico”.
Svartman avalia que uma escalada da tensão entre os dois países pode se tornar um problema para toda a América Latina, especialmente para o Brasil, pela liderança regional que o país representa.
“É também um problema que envolve refugiados. Estima-se que nove milhões de venezuelanos vivam no Chile, Colômbia, Peru, Brasil, é bastante gente. O agravamento da situação com a Venezuela pode gerar uma crise regional séria, que não interessa ao Brasil. É uma situação que vai demandar da diplomacia brasileira, em conjunto com vizinhos, esforços para frear qualquer tipo de escalada.”
Cenário favorece o extremismo político
Para Svartman, um dos efeitos globais do retorno de Trump ao poder será o favorecimento do extremismo político. O professor ressalta que o político mantém a mesma estratégia discursiva da primeira campanha e do primeiro governo
“O tipo de estratégia de campanha, de estratégia discursiva e de condução dos negócios política que Trump teve na primeira campanha, no primeiro mandato e na segunda campanha, podem ter impacto bastante ruim para as instituições políticas no Brasil, à medida em que há atores no Brasil que procuram emular, imitar esse padrão de comportamento político”, afirma.
Svartman cita ainda o apoio do empresário ao partido de extrema-direita alemão Alternativa para a Alemanha (AfD). Musk participou de uma live ao lado da líder da AfD, Alice Weidel, candidata a chanceler nas eleições previstas para 23 de fevereiro. Na ocasião, afirmou que “só a AfD pode salvar a Alemanha”.
“Então não é só aqui, no Brasil. Esse novo grupo que chega à Casa Branca mobiliza e fomenta extremismos em vários lugares do mundo. Esse é um ponto delicado que devemos ficar atentos”, conclui Svartman.
Trump prepara 100 decretos para começar o governo
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump está preparando mais de 100 ordens executivas a partir do primeiro dia na Casa Branca, em uma campanha de choque nas políticas de segurança de fronteiras e deportações, entre outras prioridades do novo governo. Trump informou os senadores republicanos sobre o que está por vir durante reunião privada no Capitólio. Muitas dessas ações devem ser lançadas no dia da posse, em 20 de janeiro.
O principal assessor de Trump, Stephen Miller, apresentou aos senadores do partido as medidas de segurança de fronteiras e aplicação de leis de imigração que provavelmente serão implementadas com maior rapidez. Aliados do presidente eleito estão preparando uma pilha de ordens executivas que Trump poderá assinar rapidamente, abrangendo uma ampla gama de tópicos - desde o fortalecimento da fronteira entre os EUA e o México até o desenvolvimento energético, regras da força de trabalho federal, políticas de gênero nas escolas e obrigatoriedade de vacinas, entre outras promessas de campanha para o primeiro dia.
Embora ações executivas sejam comuns no primeiro dia de uma nova administração, à medida que o novo presidente define suas prioridades, o que Trump e sua equipe estão planejando é sem precedentes nos tempos modernos. Ele se prepara para usar o poder de maneiras pouco testadas, contornando a máquina legislativa do Congresso. Algumas ações podem ter grande impacto, enquanto outras podem enviar mensagens mais simbólicas sobre a direção do novo governo.
Entre as prioridades estão finalizar o muro na fronteira EUA-México, criar instalações de detenção para migrantes enquanto aguardam deportação e outras propostas que somam cerca de US$ 100 bilhões. A administração Trump e o Congresso republicano estão trabalhando para incluir essas medidas na lei orçamentária. Os senadores esperam que Trump volte a adotar muitas das mesmas medidas de controle da fronteira EUA-México implementadas durante seu primeiro mandato - incluindo exigir que migrantes solicitem asilo em outros países ou permaneçam no México enquanto seus pedidos são processados. Além disso, planeja ações maciças para deportar aqueles que estão atualmente nos EUA sem autorização legal.
Trump, durante a campanha presidencial, chegou a cogitar ter uma “pequena mesa” no Capitólio no Dia da Posse, onde ele assinaria rapidamente suas ordens executivas. Embora não haja sinais públicos de que ele esteja considerando isso, os senadores republicanos planejam recebê-lo no prédio após ele prestar o juramento de posse.
*Estadão Conteúdo
Um time de bilionários e apoio das big techs
Os nomes já anunciados sugerem um governo com menos políticos de carreira e mais empresários ligados ao presidente. Trump se cerca de bilionários fieis a ele e alinhados com suas ideias. São ao menos 12 bilionários, somando uma fortuna de US$ 474 bilhões, de acordo com o jornal francês Le Figaro.
A lista inclui Vivek Ramaswamy, empresário do ramo farmacêutico; Linda McMahon, co-fundadora da liga de luta livre WWE; o investidor Stephen Feinberg; Warren Stephens, herdeiro da firma de finanças Stephens Inc. e investidor bancário; além do bilionário sul-africano Elon Musk.
O dono da Space X e do X aparece ao lado de Trump com frequência desde a campanha e já tem lugar definido no novo governo. Nomeado para chefiar o Departamento de Eficiência Estatal, o homem mais rico do mundo terá a função de reduzir o gasto público.
Com a tesoura na mão, o magnata sulafricano tem uma meta ousada: cortar um trilhão de dólares de gastos públicos federais, o equivalente a mais de R$ 6 trilhões. Esse seria “o melhor resultado possível”, avalia Musk. “Mas penso que se tentarmos cortar dois trilhões, teremos boas chances de chegar a um”, complementou em conversa recente divulgada em sua rede social.
Musk afirmou que encontrou vários gastos que podem ser cortados, embora não tenha fornecido detalhes. “É como estar em uma sala cheia de alvos. Você pode fechar os olhos e ter certeza de que não vai errar”, comparou.
No passado, Musk já falou em “reduções em massa de funcionários na burocracia federal”, a quem prometeu condições de saída “decentes”. Cerca de dois terços do gasto público federal são destinados a programas que Trump não poderá eliminar, e a alguns que já sinalizou que não deseja cortar relacionados a segurança social e saúde.
Os líderes tecnológicos continuam apoiando Donald Trump, e o anúncio do Facebook de que encerrará seu programa de checagem de fatos nos EUA é considerado uma vitória do presidente eleito e de seu assessor bilionário Elon Musk. “Voltamos às nossas origens”, afirmou o chefe da Meta, Mark Zuckerberg.
Assim como Zuckerberg, os chefes do Google, da Amazon e da Apple se reuniram com o republicano em Mar-a-Lago, sua residência na Flórida. O setor de tecnologia está fornecendo dinheiro para financiar recepções para a posse de Donald Trump em 20 de janeiro. Entre os líderes contribuintes está Sam Altman, diretor da OpenAI, que disse no início de dezembro que tinha “uma profunda convicção de que Elon (Musk) tomaria as decisões certas”.
O atual presidente, Joe Biden, adverte que uma nova geração de oligarcas americanos aliados de Donald Trump poderia acabar com a democracia. No discurso de despedida, afirmou que um país que sempre reverenciou seus empresários pode agora estar à sua mercê. “Nos Estados Unidos está ganhando forma uma oligarquia de extrema riqueza, poder e influência que literalmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos e liberdades básicas”, disse. Para Biden, essa “perigosa concentração de poder nas mãos de uns poucos super-ricos” terá “consequências perigosas se eles não forem controlados”, disse.
*Com informações da AFP